Uma breve história da Baixada Fluminense

Baixada Fluminense até quando?

Palco de tragédias evitáveis ano após ano, a Baixada Fluminense ou Recôncavo da Guanabara como era chamada no passado, pode ser comparada a uma pequena África. Pois semelhante àquele continente, há séculos que tudo que ela possui de melhor é pilhado e levado daqui, inclusive seus homens e mulheres, pois basta permanecermos um pouco pela manhã na Avenida Brasil para vermos os ônibus lotados que dela provém em direção à cidade maravilhosa, sem falar das massas humanas que os trens de Belford-Roxo, Queimados, Japeri e Saracuruna despejam na gare da Central todos os dias.

Além disto, sabe-se que da Baixada saiu, no final do século XIX, toda água para abastecer o Rio de Janeiro, méritos dados a um engenheiro que havia prometido fornecer o líquido precioso aos cariocas em apenas seis dias. (tempos depois, os cariocas retribuíram mandando todo seu lixo pra cá e hoje mandam também bandidos). Daqui saiu também madeira para as caldeiras dos trens e barcos a vapor, dormentes,  móveis, estacas para construções. Daqui também saiu tecido, cana, café e laranjas que eram até exportadas. Carne, hortaliças etc. Por aqui também passou grande parte do ouro de Minas, que impulsionou o capitalismo europeu no século XIX. Tudo passou, saiu. Mas o que ficou? Ruínas de igrejas, portos fluviais e de ferrovias. Malária, desolação, pobreza.

Porém, desde meados do século XX, de muitas partes do Brasil, mas principalmente do Nordeste, homens, mulheres e crianças começaram a chegar, sem nada trazer a não ser a esperança em melhores dias. Chegaram e foram ocupando sem qualquer interferência do poder público, as várzeas, brejos, beiras de rios ou morros. Eram as posses. Lembrando também que as antigas fazendas e chácaras foram transformadas em loteamentos. Sem qualquer registro de escritura como ainda é nos dias atuais. No rastro dos retirantes, chegaram também elementos que aqui reproduziram os costumes e práticas típicas do coronelismo do interior do Brasil. Pessoas hoje ditas lendárias, mas que nada mais eram que coronéis da periferia, que auxiliavam com uma mão e massacravam com a outra. O melhor exemplo é sem dúvida Tenório Cavalcante, político e pistoleiro que no fim da vida costumava dizer: Muitos perguntam quantos eu matei, mas ninguém pergunta quantos eu salvei.

Esta frase talvez resuma com perfeição a natureza atual dos políticos e da política na Baixada. O político considerado bom para muitos é o compadre, o amigo que dá cesta básica, arruma colocação, tem um centro social prestando serviços que o poder público deveria prestar etc. Não importa a muitos moradores se este político sequer resida na Baixada, que seja miliciano, corrupto etc.

Mas voltando à questão histórica, com mão de obra farta e barata a região atraiu também grandes empresas que geram riquezas que igualmente não ficam por aqui. Haja vista uma das principais: a REDUC, tão importante que suas fornalhas fumegantes estão no brasão do município de Duque de Caxias, (como o AK-47 na bandeira de Moçambique). O entorno da refinaria, possui ruas sem saneamento por onde transitam pesados caminhões, iluminação pública e abastecimento de água precária, rios e córregos poluídos etc.

Devido principalmente à refinaria, outras indústrias pesadas se instalaram, como as que recolhem óleo usado, solventes e outros produtos inflamáveis para descarte, descarte este que é feito às vezes nos ralos dos pátios dessas empresas, indo parar diretamente nos canais, (daí o fenômeno que ocorre por aqui do rio pegando fogo). Qualquer caminhoneiro dessas empresas confirma este crime. Às margens do Rio Pilar, citado pelo viajante Saint-Hilaire no século XVIII como fonte de vida e meio de circulação de pessoas e produtos, há hoje várias fábricas, inclusive uma de amianto. No bairro Cidade dos Meninos, continua a contaminação pelopó de broca, ali jogado há vários anos. O lixão de Gramacho, embora desativado e desaparecido da mídia, ainda é uma grave ameaça ao frágil ecossistema ecológico da Baia de Guanabara. Deste modo, não há mais jeito. Resta-nos esperar pelo cumprimento do calendário não os dos maias, mas dos especialistas em meio ambiente que calculam que, com o aumento do nível dos oceanos, em cem anos a Baixada deverá submergir, primeiro ainda que a cidade do Rio. Até nisto iremos perder.

 

Ruínas da primeira ferrovia do Brasil, em Magé
A ferrovia transportou os tubos que levaram água para o Rio de Janeiro, inclusive de Xerem
Ruínas da Fazenda São Bernardino, em Nova Iguaçu
Laranjais em Nova Iguaçu no início do século XX
Rio incendiado
Luis Nassif

1 Comentário

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  1. Sabemos que a baixada fica

    Sabemos que a baixada fica abaixo do nivel do mar, sabemos que os políticos da região pouco ou nada fazem para resolver os problemas ANTES das enchentes (e até depois também). Mas a população também não ajuda. Basta ver a quantidade absurda de lixo que os moradores jogam nos rios, nas valas, nas ruas, em qualquer lugar. Eles acham que vai acontecer o quê? Vai evaporar sozinho? Tem botão autoclean?

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