Violência do Brasil: Uma instituição da classe dominante, por Alfeu

Fotógrafo desconhecido. Revolução de 1924: Residência afetada por bombardeio. São Paulo, 1924. Cartão-postal, gelatina/prata, 8 x 13 cm. Coleção Monsenhor Jamil Abib

Por Alfeu

A percepção da violência é comumente restrita àquelas ocorridas nos locais onde vivem os excluídos, nas margens da sociedade urbana ou rural e ela  acontece dentro dessas comunidades, quase que constantemente, e se dá entre as pessoas que habitam essas regiões e por fim, quando ela ocorre nas áreas mais privilegiadas são originárias por essa mesma periferia.

Por outro lado, a violência exercida pelo Estado com seu aparato repressivo e a que também sai das camadas previlegiadas da sociedade, onde em alguns casos formam grupos paramilitares, tem sempre o caráter de reação e de defesa contra a violência vinda da periferia.

Além disso tudo, ao se criminalizar as lutas dos trabalhadores e dos movimentos sociais disseminando a narrativa de serem  atos de violência,  acabam chancelando o Estado e os grupos dominantes a reprimir esses movimentos com a sua crueldade característica.

Esse mito começa a cair por terra ao nos depararmos com o material disponível na exposição “Conflitos: fotografia e violência política no Brasil 1889-1964”, no Instituto Moreira Salles, que termina amanhã (25/02/18) aqui no RJ.

Lá encontramos as revoltas, insurreições e outras movimentações políticas exibidas em muitas fotografias com as descrições referentes a cada uma delas, além de filmes de curta-metragem rodando continuamente.

E o que se pode observar com todo esse material disponibilizado, é que a violência é uma característica desse país e está longe da narrativa da “Ilha da Tranquilidade” imposto pela ditadura militar , como também a da burguesia que atraves das mídias divulga incensantemente o seu modo de vida esquizofrênico com o umbigo zen conectado ao unverso cósmico.

Voltando a exposição, não vou aqui entrar em detalhes históricos, porém é interessante apesar dos conflitos escolhidos estarem bem divididos, fazer correlações entre si independendo da época e do local , pois esses registros fotográficos nos dá a dimensão de um Brasil que muitos não conhecem ou que não soa familiar mas também é um Brasil que recusamos de enxergar. Ali é preciso que se retire as vendas dos olhos para não virar uma viagem sensorial, e mesmo com as caracteríscas de uma exposição fotográfica, não pode ser limitada apenas às curiosidades do tema em questão.

Uma das imagens que impressionante são a das técnicas da degola, utilizada desde sempre até hoje, mas que começa o seu registro fotografico, onde os momentos anterior a execução, com os atores bem posicionados, incluindo a vítima, parecendo estar num estúdio fotográfico.

Affonso de Oliveira Mello. Revolução Federalista: Execução de um revoltoso. Rio Grande do Sul, 1894. Fotografia/papel, albumina/ prata, 12 x 18 cm. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil

As forças do Estado mostram o seu requinte ao colocar as cabeças de Lampião e seu bando, arrumados numa escada como fosse uma instalação artística e mórbida, rodeados de seus equipamentos. Ameaçador.

Quanto a Lampião é interessante ver através das fotos e do curta de Benjamin Abrahão, que mais do que vaidoso ele parecia ter noção da importância da fotografia, do filme enfim da imagem como meio de divulgação.

A Marinha tratou de forma diferenciada os seus revoltosos em duas ocasiões históricas. Por questões políticas, alguns oficiais da Marinha como o Almirante Custodio de Mello se rebelam e bombardeiam alguns fortes na Revolta da Armada. Os revoltosos são derrotados, se exilam e mais tarde são contemplados com uma anistia.

Juan Gutierrez. Revolta da Armada: Ruínas de Villegaignon. Rio de Janeiro, c. 1893. Fotografia/papel, albumina/prata, 18,1 x 27,1 cm. / Acervo Instituto Moreira Salles

 

Já os marinheiros, negros na sua maioria, se rebelam por um Direito Humano; o fim das chibatadas infligidas pelo oficialato – a senzala estava embarcada. Os marinheiros são vitoriosos na Revolta da Chibata, porém em seguida 600 revoltosos são presos e confinados na Ilha das Cobras, entre eles João Cândido que consegue sair vivo fazendo parte de um grupo de 100 sobreviventes. Depois, João Cândido viveu lutando pela sua sobrevivência, as portas estavam fechadas para ele.

Augusto Malta. Revolta Naval (Chibata): Gregório do Nascimento e André Avelino, marinheiros amotinados. Rio de Janeiro, 26.11.1910. Fotografia/papel, gelatina/prata, 17 x 23 cm. Fundação Museu da Imagem e do Som – FMIS/RJ

As imagens da Revolução de 1924 em SP, impressionam com a utilização de armas de guerra, demasiadamente letais, pelo Estado contra os revoltosos. Inspirados nos confrontos da I Guerra Mundial, lançam bombas dos aviões, a metralhadora é largamente utilizada e entram em cena os primeiros blindados.

A. de Barros Lobo. Secretaria do 1º Batalhão do Quartel da Luz. São Paulo, 1924. Fotografia/papel, gelatina/prata, 11 x 16,8 cm. Acervo Instituto Moreira Salles

A multidão é um personagem muito presente em muitas manifestações como no Comício da Central com Jango. Vendo outra fotos dá a impressão da ocupação dos espaços públicos pela população nesse tempo. A foto do cortejo do corpo de Vargas, é a que mais chama a atenção em termos de multidão.

Ainda sobre os fatos relacionados a morte Vargas a imagem dos carros de “O Globo” tombados sintetiza e simboliza o momento político dos algozes e dos saídos da letargia. De novo o simbolismo – o veículo a direita tem na lateral a inscrição “X-9”, que era uma publicação

Fotógrafo desconhecido. Suicídio de Getúlio Vargas: Motins. População ataca veículos de O Globo. Rio de Janeiro, 24.08.1954. Fotografia/papel, gelatina/prata, 18 x 24 cm. Agência O Globo

Fato identico ocorre na Revolução de 1930, quando Vargas depõe Washington Luís, e dois jornais “O Paiz” e “A Gazeta”, apoiadores do Presidente deposto, sofrem ataques da população.

Fotógrafo desconhecido. Revolução de 1930: Empastelamento da Gazeta de Notícias. Av. Rio Branco, Rio de Janeiro, 24.10.1930. Fotografia/papel, gelatina/prata, 14 x 19 cm. Agência O Globo

Para finalizar, a Guerra de Canudos  e a Guerra do Contestado onde milhares de pessoas que viviam sem a mínima assistencia do Estado são ainda criminalizados e combatidos. Ambas tinham também uma direção de cunho religioso nas lideranças de Antonio Conselheiro e do Monge José Maria que eram igualmente abandonadas pela igreja central. Era mais cômodo taxá-los de fanáticos (nas fotos estereoscópicas da Guerra do Contestado, de Claro Jansson, está escrito Guerra dos Fanáticos) para fazer um massacre em seguida. 25.000 mortos em Canudos  junto com a destruição do povoado e 10.000 mortos no Contestado. 

Flavio de Barros. 400 jagunços prisioneiros, 2 de outubro de 1897. Canudos, Bahia / Acervo Museu da República / Imagem recuperada digitalmente pelo Instituto Moreira Salles

Apesar  desses grupos estarem submetidos ao extremo abandono, eles não se negaram a lutar pelo seus mínimos direitos. Mesmo com os resultados profundamente cruéis, houveram desdobramentos e que servem como exemplo. A historiadora Heloisa Starling mostra que foi a luta do povo que construiu e garantiu a democracia nesse país.

Isso nos mostra que enquanto esse povo não for agente na formulação e execução de projetos para o Brasil, esse país continuará com um ôco, um vazio e frágil.

https://www.youtube.com/watch?v=_GH2qAzZ-Xs align:center

 

 

 

Fontes: IMS (https://ims.com.br/exposicao/conflitos/)

             Anotações feitas no local da exposição

 

 

Redação

3 Comentários

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  1. Justiça no andar de cima, repressão para o resto

    Uma greve do judiciário poderá mostra o quão inútil o Judiciário é para 99% da população brasileira. O contrário aconteceria com greve no SUS, onde o andar de cima nem perceberia. Isso ilustra bem o abismo que existe entre a justiça em relação ao povo, ao ponto que preferem enviar militares para as favelas apenas para combater e reprimir o não para pesquisar, provar, acusar, condenar e prender.

    O caso Lula é emblemático. Pegaram um peixe grande do mundo dos pobres. Não podiam mandar bala e repressão, de modo que utilizaram contra Lula a legislação do andar de cima, mas, provaram que não sabem lidar com inocentes, quando não há provas. A justiça está se mostrando parcial, subjetiva, classista e, pior ainda, absolutamente desnecessária, num país onde bastaria descriminalizar as drogas, proibir a mentira (mesmo para advogados), resumir e simplificar a legislação, para acabar com 99% dos problemas.

    Brasil se especializou em criar dificuldades para todos e vender facilidades para o andar de cima, gerando a reserva de mercado para advogados, com ou sem toga.  Uma greve do judiciário poderá mostra o quão inútil esta instituição é para 99% da população. O sistema envia militares para as favelas apenas para combater e reprimir, pois o povo não tem dinheiro para lubrificar o “sistema” judicial vigente. No Brasil falta justiça social, mas sobra justiça de “mercado”, no andar de cima, para enriquecer uma casta que tem feito o Brasil o paraíso para advogados, promotores, juízes, policias e todo tipo de concurseiros que operam a “justiça” no seu favor, ganhando milhões, por dentro ou “por fora” (normalmente do erário nacional, dinheiro do povo) cada vez que um advogado togado bate o martelo. 

  2. IHGB – a história oficial e mentirosa

    <p>Em 1838, após a criação do IHGB, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, foi promovido, sob os auspícios do Imperador Pedro II, o concurso “Como se deve escrever a história do Brasil”.<br>Naquela década, haviam ocorrido alguns dos mais sangrentos conflitos entre&nbsp; as classes populares e o governo imperial.<br>Nas revoltas da Cabanagem no Pará, Farroupilha no RS e Malês na Bahia, os populares foram covardemente massacrados<br>assim como na Guerra do Paraguai.<br>Mas a história escrita de forma interessada não nos deixou saber disso por quase dois séculos.<br>Parabéns às historiadoras pela exposição, poderiam rodar com ela por outras capitais.</p>

  3. Violência….

    Violência sim é uma prática do Estado também. Mas de todos Estados. Isto é histórico. Estas Violências Políticas, como acontecem em outras Nações, moldam e controlam a estrutura de Poder. As nossas, a partir do Golpe de 1930, moldaram este Estado que levou uma das maiores  Nações do planeta ao atraso, ostracismo e bárbarie. A página finalmente começa a ser virada a partir de 2018. Todas as Elites que se beneficiaram em quase 1 século: funcionários públicos, sindicatos, intelectuais esquerdopatas, coronelismo nordestino, professores ideologizados, apoiados por forças militares, ou seja, a nossa única Elite. A Elite do Poder Público ficou sem seu discurso farsante. A Sociedade Civil começa a enxergar o que foi perdido: sua liberdade. E começa a enxergar que não foi criado um Estado que usa da violência, nestes 40 anos.  Foi criado um Estado fomentador, mandatário e cúmplice da Criminalidade Explicita.  O que é muito diferente. E muito pior

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