A mulher e a política, por Roseli Coelho

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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A mulher e a política, por Roseli Coelho

Afinal, a política — fina arte de criar regras para a convivência de diferentes — pode ser abordada por recortes? A mulher, o trabalhador, o negro, o gay? No caso das mulheres, a abordagem recortada é particularmente questionável. As mulheres são minoria aritimética em todos os legislativos, (em torno de dez por cento no Congresso Nacional),  apesar de serem mais de cinquenta por cento do eleitorado brasileiro. Quando alguém,  lembrando que as mulheres constituem metade da humanidade, rejeita a definição de “minoria” aplicada às mulheres, nós, das Ciências Sociais, temos uma resposta definitiva: as mulheres  não são minoria demográfica, mas sociológica. Essa condição está presente tanto na sociedade — onde são vítimas de humilhações, de  preconceitos e de violência específicos contra mulheres — quanto na vida política propriamente dita, particularmente na disputa eleitoral e no exercício de mandatos legislativos ou à frente dos executivos. O que suscita duas perguntas: 1) as políticas de cotas podem resolver esse problema; 2) isso é realmente um problema?

As políticas de cotas podem resolver essa enorme distorção da nossa democracia representativa, e provavelmente vão efetivamente corrigir o problema no longo prazo. Mas a vida é agora e, felizmente,  não precisamos reinventar a roda. Aí estão os diversos exemplos de países de longa tradição de democracia política que superaram velhos e rançosos preconceitos em relação à presença da mulher na vida política. As experiências mais bem sucedidas estão na Escandinávia onde, não por acaso, estão os  países do “capitalismo democrático”, como eles mesmos definem. O que quer dizer que a busca deliberada da igualdade de gênero na representação política alimenta uma importante redistribuição de renda,  implantada através das políticas governamentais do estado de bem-estar social. Naquela região norte da Europa estão as ousadas medidas que exigem cinquenta por cento dos assentos em cada parlamento para as mulheres. As cotas mínimas de candidatas por partido já estão ali superadas. Assim, algumas mulheres que estão ocupando lugares em casas legislativas dos países nórdicos podem, eventualmente, ter sido menos votadas do que um candidato homem que não se elegeu. O que pode parecer injusto, mas é bom lembrar que a democracia política é baseada em  regras previamente estabelecidas. E estas, por sua vez, tem a ver com as aspirações da sociedade em cada momento do processo de busca por uma vida coletiva melhor.

Nossa cultura brasileira é diferente daquela que caracteriza a Escandinávia mas,  ao mesmo tempo,  compartilhamos valores da civilização ocidental e, sobretudo, estamos todos no vendaval da globalização que aplaina diferenças e remodela hábitos. Em outros termos, a política de cotas para mulheres é uma inexorável tendência mundial. Podem acontecer retrocessos no meio do caminho, mas tudo aponta para a universalização do “modelo escandinavo”. Processo similiar ao que ocorreu, e ainda ocorre, com a História do sufrágio universal. 

Os mais resistentes a esse irresistível avanço dizem que adotar “cotas escandinávias” seria modificar artificialmente as regras do funcionamento da democracia brasileira. Mas esses opositores deveriam  saber que se a política de cotas pode, hipoteticamente, levar aos parlamentos e executivos brasileiras mau preparadas, por outro lado, o atual sistema tem abrigado dezenas, centenas, de homens evidentemente destituídos de talento político. Sem falar nos que são simplesmente idiotas, como se pode facilmente constatar através do noticiário.

Artificial, na verdade, é a vida política brasileira atual que é constituída de esmagadora maioria de homens, o que ignora a composição demográfica da nossa sociedade. E, pior ainda, nega a importância da presença das mulheres na economia, na cultura e na vida intelectual de nosso país.

A participação minúscula das mulheres na política é um problema? Afinal, diria alguém, nada impede um político de defender temas específicos do interesse das mulheres. Mas a resposta é “sim”, isso é um problema. O aspecto mais evidente do problema é o rebaixamento da nossa democracia política devido ao déficit de representatividade. Além disso, inúmeras carências que atingem especificamente a vida das mulheres brasileiras poderiam ter sido já resolvidas se tivessem sido objeto de empenho tenaz de legisladores e chefes de executivos. Empenho que não tem sido demonstrado pelas instâncias políticas brasileiras que são formadas por maiorias masculinas. O que implica dizer que bancadas femininas numerosas — cinquenta por cento! — teriam condições favoráveis para aprovar políticas públicas voltadas para as necessidades típicas das mulheres. E aprovar também medidas para coibir e punir o preconceito e a violência contra as mulheres. Incluindo-se entre elas — por que não — uma que considere crime xingar publicamente a Presidenta da República de “vagabunda”.   

Roseli Coelho é professora da FESPSP

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

1 Comentário

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  1. Um dos setores mais

    Um dos setores mais fervorosos do comando golpista quer que as mulheres voltem aos trabalhos domésticos e se resignem a obedecer cegamente aos maridos. Este setor, se vitorioso, vai cobrar a imposição destas e de outras de suas idéias, sempre em desfavor das mulheres. Lembro-me bem de uma cena depois da queda de Sadam Hussein no Iraque. Entre as pessoa que festejavam delirando de alegria nas ruas, e que foram entrevistados pelas emissoras de televisão, havia grupos de homossexuais que se beijavam na boca achando que havia chegado para eles toda a felicidade da liberdade ocidental. Devem ter sido todos decapitados pelos grupos religiosos em conflito no caos que se instalou, posteriormente.

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