Comemoramos ou não o Dia dos(as) Professores(as)?, por Eugênia Augusta Gonzaga

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Comemoramos ou não o Dia dos(as) Professores(as)?

por Eugênia Augusta Gonzaga

Sim, com certeza, principalmente no mesmo mês em que uma professora do interior, que seria apenas mais uma,  torna-se conhecida e por todos homenageada. Ela sacrificou a vida por crianças que estavam sob sua responsabilidade e teve espaço na grande mídia.

Mas ouso dizer, inspirada pela experiência de professora, vivida por minha mãe há mais de sessenta anos atrás: acredito que a maioria dos(as) professores(as) de nosso País, em uma situação limite como a vivida por Heley Batista, de Jarnauba/MG, faria o mesmo. É por esses heróis e heroínas, nem sempre reconhecidos(as),  que comemoramos, mesmo diante de tantos retrocessos legislativos que irão impactar diretamente a educação e para os quais a mídia tradicional não dá importância.

Escrevo hoje, pois, há algumas semanas, recebi um honroso convite de Lourdes Nassif, editora-chefe do GGN. Ela me pediu para que semanalmente enviasse algum relato de minhas experiências como procuradora que atua na área de defesa de direitos humanos.

Então, nessa semana do Dia dos Professores, preciso contar que acabo de fazer um curso, na Procuradoria Geral da República (com ou sem grampos – coisa mais irrelevante para quem deve ter a publicidade como princípio), sobre financiamento da Educação; preciso falar sobre o PL 7.212/2017, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação para dispor sobre o cargo de “professor de apoio especializado”, para alunos com deficiência.

Mas já que tenho a chance de escrever esse artigo no  “Jornal de todos os Brasis”, antes de tratar dos temas de procuradora, não posso deixar de contar a história da minha mãe, Adelia, tão brasileira, tão frágil e tão forte.

Ela tornou-se professora após ter sido aluna de escola rural (décadas de 30/40), daquelas em que todas as crianças frequentam a mesma sala e aprendem juntas, aliás, um modelo de educação inclusiva com o qual temos muito o que aprender. Mas minha mãe, pasme-se, não tinha o direito de se sentar na sala de aula. Era uma agregada, sobrinha da professora, que estava ali porque onde sua mãe morava nem esse tipo de escola tinha. Assim, desde muito pequena (06 anos),  foi morar na casa da tia professora.

Apesar da pouca idade, cuidava dos primos menores, vigiava as panelas, limpava a casa, deixava as roupas de molho e sempre procurava ouvir (isso mesmo, “ouvir”) as aulas. Seu maior sonho, diz, era ter um caderno e se sentar a uma carteira.  Mesmo assim, quando chegou na idade compatível, 17 (dezessete) anos, dirigiu-se `a cidade mais próxima (Guaxupé-MG), e fez o exame de qualificação para o Magistério. Passou, adquiriu o título e logo foi convidada para ser professora em outra fazenda.

Um dia, já responsável por uma turma inteira, foi fazer um passeio nas redondezas da escola. Uma vaca recém parida havia fugido do pasto e topou com ela e suas crianças embaixo de um pontilhão. Não tinham para onde escapar. Minha mãe não pensou duas vezes: agachou-se, raspou a terra com as unhas (como Antígona) e jogou com força areia e terra diretamente nos olhos da vaca (tal era a proximidade). E gritou para todo mundo: – corre! Deu tempo das crianças escaparem e ela também.

Isto é para dizer que temos heróis e heroínas desde sempre. E que às vezes há situações em que, nem que a mídia quisesse, não teria como escapar de contar – como no caso de Jarnaúba –  e acaba por, sem querer, nos devolver a autoestima. Mas que bom seria termos uma mídia que todos os dias nos contasse histórias como essas e como a da Missa Crioula, por exemplo, executada no Vaticano, a pedido de um Papa latinoamericano, de um autor, idem (Ariel Ramirez), com  seu filho, Facundo Ramirez, ao piano. Um acontecimento magnifico que passou praticamente em branco.

https://www.youtube.com/watch?v=dRH_M-e5FJY&feature=youtu.be

A quem interessa nos manter acreditando que somos um povo fraco em valores e talentos? Essa foi uma das impressões que fiquei do curso na PGR:  as crianças  brasileiras precisam construir valores éticos (como se não tivessem). Dentre esses “valores éticos” consideram que é muito mais grave tirar vantagem do plano de celular do que o Pais gastar anualmente mais de um trilhão em juros, enquanto 51 bilhões é a cifra federal para o direito `a educação e que será congelada por 20 (vinte) anos. Quanto a isso, a critica é zero, meta alguma a ser definida, até o momento.

Finalmente, quanto ao PL 7.212, que regulamenta a função de professor de apoio, eu, como defensora do direito à educação inclusiva, deveria estar comemorando. Infelizmente, não posso fazê-lo porque esse projeto, assim como tantos desengavetados ultimamente, é mais um a dar um “bypass” nos direitos humanos, nesse caso, no direito à educação inclusiva.

É um projeto absolutamente desconectado das definições de deficiência trazidas pela  Convenção sobre os direitos de pessoas com a deficiência e pela Lei Brasileira de Inclusão. Usa termos ultrapassados como aluno “deficiente” e não “com deficiência” ou “necessidades educacionais especiais”.

Com a justificativa de criar o cargo de professor de apoio, ressuscita, em seu art. 2o., o termo “preferencialmente” da Constituição de 1988 e, o que é pior, o associa ao direito à educação e não meramente ao atendimento especializado. Desse modo, abre um perigoso espaço para as frequentes tentativas de exclusão de alunos(as) com deficiência das classes comuns. Assim, o PL fere a já citada Convenção e a própria Constituição de 1988. É mais uma batalha que está sendo travada com nenhum apoio ou visibilidade da nossa grande mídia.

Que nossas almas de Ramirez, Adelias, Heleys e de tantos artistas, heróis e heroínas, nos ajude a superar esses obstáculos tão duros e a mostrar que nossa gente tem muito valor e merece ser comemorada todos os dias.

Eugênia Augusta Gonzaga – Procuradora Regional da República; presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos
 
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

4 Comentários

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  1. Minha cara procuradora

    Minha cara procuradora Eugenia,  o que foi feito com os Professores e Professoras do País não foi correto.

    Colocar todos os alunos com necessidades especiais é sim uma boa ideia, porém, fazer isso sem dar condições (salário, treinamento, auxiliar, etc ) para o Professor em sala de aula só pioro a situação dos mesmos.

    Infelizemente, esta é a realidade.

  2. Em tempos de internete em que

    Em tempos de internete em que a informação, que para cada um de nós, supera muito o que podemos conhecer em toda uma vida e está ao alcance de todos em questão de segundos, dois valores precisam ser resgatados e colocados em prática: a capacidade de escolha e o discernimento (separar na raiz). O conhecimento deriva desta atitude, desta prática. O conhecimento não consegue mais vir antes para “abrir as cabeças”. Somente após escolher criteriosamente o que aprender é que se vai “conhecer” e não antes, porque tornou-se impossível inverter esta equação. Esta excrescência fascista da escola sem partido não permite minimamente a escolha, livre, soberana, e destrói totalmente o discernimento porque traz a ideologia da submissão, do caminho pré-determinado, do “faça o que eu mando e não faça o que eu faço”. Viva os professores no seu dia.

    1. em….

      40 anos de Redemocratização. Nada como um dia após o outro. A Verdade Vos Libertará. A Educação também. 40 anos de Mediocridade. Onde está o Ensino Público prometido na Anistia de 79? Maluf que chamava Professorinhas de mal casadas? Mario Covas, na sequência, enfrentou greve dos professores atrás de greve em todos seus anos de mandato. Em alguns anos, mais de uma. E dá-lhe borrachada da PM. Mas era Maluf quem não prestigiava o Ensino?! A Verdade Vos Libertará. Mas o mais importante: onde está o Ensisno prometido às crianças de 1979? Nunca chegou nem para seus netos, apesar de governos ininterruptos de socializantes e progressistas bandidos e farsantes. O Brasil é de muito fácil explicação.    

  3. Nao acho q o respeito seja devido aos professores qdo sao heróis

    Ninguém é obrigado a ser herói. O respeito deve ser dado por serem professores, ensinarem, e isso até em péssimas condiçoes. Aliás, isso já basta para serem heróis…

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