O que explica o aumento da pobreza extrema no Brasil?

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por João Soares

No Deutsche Welle
 
O número de brasileiros em situação de extrema pobreza aumentou 11,2% de 2016 para o ano passado, aponta um levantamento realizado a partir da Pesquina Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua) do IBGE, divulgado nesta semana. 
 
De acordo com o estudo, da da LCA Consultores, ao todo, 14,83 milhões de pessoas viviam com até 136 reais mensais em 2017, linha de corte adotada pelo Banco Mundial para países de desenvolvimento médio-alto e seguida pelos pesquisadores. Em relação a 2016, o número de pessoas em extrema pobreza no país aumentou em 1,49 milhão.
 
Tais dados contrastam com os indicadores macroeconômicos. Após dois anos de retração, o Produto Interno Bruto (PIB) do país cresceu 1% em 2017, enquanto a inflação oficial fechou o ano em 2,95%, a menor taxa desde 1998. O que explicaria, então, a piora na renda de brasileiros que já vivem com pouco?
 
Leia também: Como lidar com a pressão econômica sobre serviços básicos?
 
De acordo com economistas de diferentes correntes ouvidos pela DW Brasil, a análise do tema passa, necessariamente, pela taxa de desemprego. No ano passado, a desocupação média ficou em 12,7%, a maior taxa registrada desde 2012.
 
Bruno Ottoni, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE) e do IDados, recorre à evolução demográfica da população brasileira para detalhar a trajetória negativa tanto da renda quanto do desemprego, apesar do crescimento econômico.
 
“O Brasil ainda passa por um bônus demográfico. Ou seja, há um número expressivo de pessoas entrando na força de trabalho anualmente. Para que se consiga absorver bem a entrada delas no mercado de trabalho, sem aumento do desemprego, é necessário um crescimento bem expressivo do PIB. Não foi o caso”, diz.
 
“Não necessariamente o aumento do PIB implica redução de pobreza. Você pode ter um aumento do PIB puxado pelas classes mais ricas, mantendo as classes mais pobres no mesmo patamar”, comenta o pesquisador.
 
Marcio Pochmann, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explica que é necessário analisar o que alavancou o crescimento do PIB entre 2016 e 2017 para que se entenda o aumento da pobreza extrema no Brasil.
 
“Essa evolução resultou de uma expansão de 13% da agropecuária, um setor com pouco impacto no emprego e renda. A indústria não cresceu, e os serviços variaram 0,3%. Comparativamente, tivemos uma redução do crédito nesse período, que é fundamental para qualquer recuperação econômica e expansão”, aponta. “O que expandiu foi o consumo das famílias, por conta de medidas heterodoxas tomadas pelo governo (liberação do FGTS), apesar de sua orientação ortodoxa.”
 
“Uma coisa é renda, outra é despesa”
 
Com relação à taxa de inflação, Ottoni aponta que sua redução não tem como consequência natural um aumento de renda, mas a melhoria do poder de compra da população, independentemente de sua condição econômica.
 
“Uma coisa é renda, outra é despesa. O aumento da pobreza reflete uma queda do primeiro fator. A inflação baixa significa que, apesar de terem ficado extremamente pobres, essas pessoas não tiveram tanta perda do poder de compra com aquele dinheiro que ganhavam”, explica. “A inflação baixa não vai colocar ou tirar a pessoa da extrema pobreza, mas pode ajudar na vida que essa pessoa leva, evitando que perca tanto na capacidade de consumo.”
 
Pochmann endossa o argumento do pesquisador do FGV IBRE e diz que a inflação baixa pode sinalizar uma fraqueza da economia. “Como não há reativação do consumo e da atividade, a tendência é haver taxas de lucros menores e, portanto, os empresários não repassam o aumento de custos para os preços”, afirma. 
 
Ao mesmo tempo, a alimentação tem apresentado uma trajetória de queda, relacionada à melhora da agricultura brasileira. Especialmente relevantes no orçamento das famílias de menor renda, os alimentos ficaram 4,85% mais baratos em 2017, na comparação com o ano anterior. Artigos importantes na cesta básica dos brasileiros caíram de preço, como arroz (-10,9%), feijão preto (-36,1%), macarrão (-2,91%) e mandioca (-17,30%).
 
Desempenho econômico x benefícios sociais
 
Ante o ingresso de 1,49 milhão de pessoas na extrema pobreza, os especialistas buscam compreender não apenas o que levou a essa situação, mas também os caminhos para sair dela. Ottoni acredita que o mau desempenho econômico tenha impacto maior do que cortes de programas sociais feitos pelo governo.
 
“Eu atribuiria [o aumento do número de pessoas em extrema pobreza] à crise, pois foi ela que gerou um problema fiscal. Não é só uma questão de o governo estar cortando benefícios sociais em virtude de uma visão política diferente. Está muito relacionado ao problema fiscal, que está ligado a problemas mais estruturais. Aí, está a raiz da questão”, afirma.
 
“Com a atividade econômica piorando, cresce o desemprego, o que afeta tanto a economia como a situação fiscal do governo, pois reduz a arrecadação”, argumenta.
 
Pochmann defende uma mudança na orientação econômica adotada pelo governo, afirmando que a recuperação econômica é a base para pensar melhor a direção de políticas sociais.
 
“A gente teve uma expansão das ocupações no ano passado. A literatura especializada classifica esse grupo de working poor. São ocupações precárias, informais. Muitas vezes, no rastro da reforma trabalhistas feita no Brasil. A chave para interromper essa trajetória é mudar o modelo econômico”, considera.
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

6 Comentários

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  1. Já vi vários textos da mídia

    Já vi vários textos da mídia hegemonica, que para se referir ao desemprego atual fazem referencia a essa taxa em 2012 .Assim como esse texto do DW, vi algo nesse sentido no valor e até na CC

    No ano passado, a desocupação média ficou em 12,7% (PNADc), a maior taxa registrada desde 2012.

    Parece uma pegadinha, não? Como se em 2012 a taxa de desemprego fosse proxima a atual, o que não é o caso. É porque que 2012 IBGE mudou a metodologia.

    Só pra constar, o desemprego em 2012 era 7,4% (PNADc).

    Em 2014,  6,8% (PNADc)

    Em 2015   8,3 (PNADc)

     

     

    1. massacre

      A partir do PNADc,

      Em relação ao 4º trimestre de cada ano, relação de desempregados ( Tabela 5) / população total(Tabela 1),

      2012 – 6,6 milhões de desempregados para uma população de 199,3 milhões; 2013 – 6,0 mi, 2014 – 6,4 mil; 2015 – 9,0; 2016 -9,0 mi; 2016 – 12,3 mi; 2017-12,3 milhões de desempregados para uma população de 207,6 milhões. O número de desempregados aumentou em 5,7 milhões de pessoas.

      A partir dos elementos acima,  6,6/199,3 = 3,3% de taxa de desemprego em 2012 para 5,9% em 2017 – 12,3/207,6 = 5,9%.17. No período 2012/2017, o número de desempregados aumentou em 5,7 milhões de pessoas.

      Como se pode ver, é um massacre que não tem data para terminar, pois a economia praticamente inexiste ( basta ver o atual conteúdo do noticiário econômico e compará-lo com o conteúdo pré-golpe safado), ninguém tem disposição para investir, fato compreensível dado o extenso rol de incertezas ( a começar pela permanência, ou não, de um presidente envolvido em inúmeros escândalos), pela indefinição quanto à realização de eleições daqui a 5 meses, ausência de investimento externo, fluxo de comércio (importação + exportação) no mesmo nível de 2012/2013, sem petrólleo, construção civil, licitações públicas ( quem é louco, para participar disto), um sem número de postos de trabalho que foram fechados para sempre, enfim, terra arrasada prá valer em um país que já estava prestes a se tornar a 4ª economia do mundo e que nunca mais voltará a tal posição. País controlado por energúmenos não pode ter resultado diferente. 

  2. “…os alimentos ficaram

    “…os alimentos ficaram 4,85% mais baratos em 2017, na comparação com o ano anterior. Artigos importantes na cesta básica dos brasileiros caíram de preço, como arroz (-10,9%), feijão preto (-36,1%), macarrão (-2,91%) e mandioca (-17,30%)…” Não me diga que a Agropecuária, os produtos genuinamente nacionais, nossa verdadeira ‘indústra nacional’ é que segurou a inflação e manteve seus preços e a Vida dos Brasileiros? Descobrimos a roda !!!!!A melhor e mais eficaz fonte de divisão de renda são SALÁRIOS, mas isto nosso AntiCapitalismo de Estado ainda está atrelado a uma esquerdopatia bolchevique do início do século passado e finge não querer enxergar. Não adianta mostrar favelas ou córregos fétidos. Isto é Politica de Estado, Urbanização, Rede de Água e Esgoto,…É a potencialização da pobreza. As pessoas continuarão pobres, mesmo tendo estes benefícios. O contrário de Pobreza é Riqueza. Aqui a té o óbvio é de difícil compreensão. E neste país isto nunca foi por falta de dinheiro. Dinheiro e a possibilidade de produzí-lo temos até demais. Mas fica retido numa casta, numa Elite do Poder Público que comanda a Nação. Quanto não seria menor minha pobreza ou dos ‘Favelados do RJ’ mostrados na foto, se ao invés de pagar 4 / 4,50/ 5 / 6 reais numa passagem de ônibus ‘Baratas-Lavouras-Mendes’, pudesse pagar R$ 1,50? Concorrência? Aplicativos de Transporte já mostram o caminho e concorrem até com Transporte Coletivo. Por que será a reação tão raivosa de feudos e autoridades públicas? E se pudesse importar da vizinha Bolivia, meu botijão de gás a R$ 25,00, o preço cobrado do outro lado da fronteira? Ou pudesse abastecer o carro com gasolina brasileira no Paraguai a R$ 2,50 ou Venezuelana a R 0,50? Qual seria o tamanho da minha pobreza? Muito menor que a atual. E a Eletricidade Nacional, mais barata do planeta na produção e mais cara de todas nas contas brasileiras, que se transforamrá em Lucro Internacional? E meu Direito de ir e vir sem ser extorquido por Pedágios Criminosos a cada 30 Km, porque os últimos Governos P`rogressistas diziam faltar dinheiro para esta infraestrutura. Estamos vendo onde vai o dinheiro e porque ele falta. Ou não enxergamos? Quanto dinheiro não sobraria no meu bolso? Quanto não seria MENOR minha pobreza? O Brasil é de muito fácil explicação. (P.S. Só que as 200 milhões de pessoas que podem explicar e que ganham menos que 4.500 reais do Auxulio Moradia do Judiciário não estão no Poder. Isto explica tudo)    

    1. A grama da Venezuela e da Bolivia é mais verde que a do Brasil?

      “E se pudesse importar da vizinha Bolivia, meu botijão de gás a R$ 25,00, o preço cobrado do outro lado da fronteira? Ou pudesse abastecer o carro com gasolina brasileira no Paraguai a R$ 2,50 ou Venezuelana a R$ 0,50? Qual seria o tamanho da minha pobreza?”

      Bolivianos, Paraguaios e Venezuelanos estão migrando para o Brasil. Porque você não migra para um desses países?

      A pobreza dos Paraguaios, dos Bolivianos e dos Venezuelanos é maior do que a sua pobreza. Mas a sua indigência intelectual é bem maior do que a indigência intelectual do mais pobre Boliviano que há no mundo.

  3. A recuperação econômica deriva da melhor distribuição da riqueza
    Ao contrário do Pochmann, eu penso que a melhor direção das políticas sociais é a base da recuperação econômica.

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