“Praga de Urubu”, análise sobre o marco temporal de 88 para demarcação de Terras Indígenas

Praga de urubu, em O Indigenista

 

Por Rita Galvão

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Um famoso diário do Estado Pluricultural de Santa Catarina noticiou no dia de hoje “Decisão no Oeste tende a influenciar ação contra demarcação indígena do Morro dos Cavalos, diz procurador”.

Para tratar de tão relevante assunto e que tantas consequências trazem às vidas dos povos indígenas, pensamos em articular dois ditados populares, o primeiro, ganhou título de nosso texto, e o segundo, fruto da mesma fonte que diz que “não se deve cantar vitória antes da festa” passando a explicar, desde o ponto de vista jurídico, porque ficamos com o primeiro.

Existe hoje uma avalanche de ações oportunistas que tentam evocar o denominado “marco temporal da Constituição de 1988”, estipulado como “condicionante” no julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol para anular ou impedir atos que reconheçam direitos territoriais indígenas se estes não estivessem com o pé fincado em suas terras no ano da celebrada Carta Cidadã.

Para os apressadinhos de plantão vale a pena procurar entender que o significam estas condicionantes judiciais. Em primeiro lugar, destacamos a posição do ilustre Ministro Aires Brito que ao tempo da TI Raposa Serra do Sol, alertou que ali se fazia um julgamento extra petita, ou seja, as condicionantes extrapolavam o mérito da demanda em questão, sendo, portanto, já em nossas palavras, de juridicidade bem discutível.

Se para um bom processualista meias palavras não bastam, gostaríamos de nos valer de nada menos do que do eminente processualista e diretor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, professor José Rogério Cruz e Tucci, em sua esgotada obra Precedente Judicial como fonte de Direito que ensina que cabe ao juiz que usará a decisão extrair a norma anterior e demonstrar sua aplicação para o caso concreto, e não o contrário.

De forma mais clara, um precedente é escolhido a posteri pelo juízo que o utiliza e nunca é apresentando como algo a ser seguido pelos demais juízes.

Assim, quando falamos em condicionantes não estamos falando em precedentes e muito menos em decisões vinculantes, pois isto é algo ainda a ser construído mediante critérios muito mais democráticos e suficientemente discutidos e maturados do que sonha vossa vã filosofia e do que ocorreu no julgamento da TI Raposa Serra do Sol.

Tendo em vista todo o exposto – como gostam de concluir os operadores do Direito – a resposta juridicamente mais apropriada à matéria veiculada no jornal catarinense talvez não seja a prudência de não “cantar vitória antes da festa”, mas a generosidade de apontar as consequências advindas da tradicional praga de urubu*.

* Apesar do incontrolável desejo de se apropriar da Terra Indígena Morro dos Cavalos, são inúmeras as perdas judiciais de seus opositores, a exemplo da ação popular n.º 5027737-81.2014.404.7200/SC, que teve curso na 6ª Vara Federal de Florianópolis e reconheceu a Terra Guarani e a legalidade de todos os atos processuais da demarcação.

Rita Galvão é jurista e contribui com oindigenista.com

Redação

1 Comentário

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  1. Eu moro na cidade onde tem essa disputa…

    Por coincidência eu moro no município catarinense onde tem essa “briga” e tive a oportunidade de ler todo o processo judicial. 

    A situação é muito mais delicada do que se observa de longe.

    Esta área de terra foi comprada pelos pequenos agricultores (todos da Agricultura Familiar). Estes agricultores compraram as terras do Estado há mais de 50 anos, nada teve a ver com grilagem.

    São 380 pessoas que moram hoje nessa área, que é menor do que qualquer fazendinha do MT. 

    São 12 índios (DOZE) que seriam os “privilegiados” a ter o direito de morar nessas terras.

    Em depoimento na PF, 10 deles falaram que jamais moraram nessas áreas e já estão instalados em outra área indígena, 200km daqui, onde já existe hospital, escola, assistência social, amigos, outros familiares e não tem interesse algum em vir prá cá morar no meio do nada. 

    Os outros 2 (dois), já são idosos, aposentados, moram na área urbana de outra cidade há mais de 20 anos e dizem que estão muito bem instalados e não querem nunca mais saber de agricultura e mato.

    A briga é unicamente da FUNAI, que busca agregar mais áreas de terra. Eu me pergunto, para que? Será para posteriormente fazer o que vem fazendo em oturas terras da região (?): Arrendar para outros agricultores, sem precisar plantar nada?

    http://gaucha.clicrbs.com.br/rs/noticia-aberta/mais-de-500-hectares-de-terras-indigenas-eram-arrendadas-em-reserva-de-erebango-123638.html

    Caso a decisão fosse a favor da FUNAI, teríamos um grave problema econômico social na região. 380 agricultores seriam obrigados a abandonar sua casa, seu ganha pão, suas histórias para dar lugar a uma sigla (FUNAI), já que nem índio interessado em vir prá cá existe.
    Sem contar os suicídios de agricultores que já ocorreram por causa desse impasse, por medo de perderem suas casas e terras. 
     

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