As razões para o otimismo com a economia mundial em 2014

Do iG

Perspectiva 2014: o ano da calibragem da economia e as razões para o otimismo
 
Os indicadores dão sinais de melhora; resta saber se os formuladores de políticas públicas terão competência para aproveitar o momento
 
Otaviano Canuto
 
Há boas razões para se esperar uma melhora de desempenho da economia global no ano que se inicia. Nada parecido com a emergência de um novo ascenso cíclico, mas com indicadores apontando para cima – ou ao menos estabilidade – nos principais polos da economia mundial. Para a concretização de tal cenário, por outro lado, será necessária uma calibragem adequada nas respostas a certos desafios que estarão colocados diante dos formuladores de política econômica em cada um daqueles múltiplos polos.
 
Veja-se, por exemplo, o caso dos Estados Unidos. O ritmo de geração de empregos acelerou a partir de agosto. A dívida das famílias está atualmente cerca de US$ 800 bilhões menor que ao final de 2008, como resultado de liquidação ou refinanciamento a baixas taxas de juros desde então. A atual recuperação no mercado imobiliário ainda tem fôlego, a julgar pelo descompasso entre demanda e oferta de novas construções previstas para 2014. As empresas não-financeiras exibem estoques consideráveis de caixa. Por último, o acordo no Congresso quanto ao orçamento público federal para 2014-2015, em conjunto com a fragilização política dos opositores à elevação do teto da dívida pública, reduziram a probabilidade de se repetir o impulso fiscal negativo que prejudicou a recuperação macroeconômica no ano passado.

 
O desafio estará na já anunciada retirada gradual da política monetária não-convencional de “afrouxamento quantitativo”, com o Federal Reserve reduzindo em US$ 10 bilhões suas compras mensais de títulos – hoje em US$ 85 bilhões – a partir de janeiro. A despeito da pouca significância quantitativa da mudança, em relação ao estoque acima de US$ 2 trilhões hoje na carteira do Fed, bem como da sinalização de que os juros básicos serão mantidos baixos por longo tempo, a reação muda inicial nos mercados de títulos deu lugar a uma subida nas taxas mais longas, com os juros de dez anos quebrando a marca dos 3% na penúltima semana de dezembro. Como os juros de dois anos também subiram, o mercado parece acreditar que o Fed será levado a acelerar a saída do afrouxamento. O Fed tem diante de si um desafio de calibrar convincentemente sua ação e comunicação para evitar que uma precoce elevação de juros prejudique a recuperação macroeconômica.
 
Zona do euro
 
Na zona do euro, por seu turno, a percepção de riscos de colapso financeiro e econômico está nesse momento mais favorável do que em qualquer outro momento dos últimos anos. A despeito do desemprego nos países em crise, a projeção de 1,1% (crescimento do PIB) e 1,1% (inflação) apresentada pelo Banco Central Europeu (BCE) para 2014 vem sendo tomada como manifestação de que o fundo do poço teria ficado para trás.
 
A permanência da sombra da crise é difícil de negar, diante da timidez na implementação de reformas estruturais em vários países-membros, dos estoques de dívidas pública e privada ainda remanescentes nesses países, bem como do caráter inconcluso do arcabouço institucional em nível da área monetária que se reconhece hoje como necessário. Para o horizonte imediato de 2014, por outro lado, o desafio central de condução de política econômica estará, a nosso ver, no exame de saúde e nas subsequentes prescrições médicas a que seus bancos serão submetidos. O círculo vicioso entre fragilidade fiscal e deterioração de carteiras de bancos nacionais, dentro de cada um dos países em crise, foi cortado pela combinação de programas fiscais e, principalmente, da eliminação do risco de conversibilidade depois da promessa do BCE de que “fará o que for necessário” para evitar o colapso.
 
Contudo, o retorno do crédito bancário ao setor privado, fundamental para a confirmação da recuperação, só poderá acontecer quando os bancos puderem captar recursos e gerar crédito a taxas de juros bem mais baixas que as atuais – especialmente para pequenas e médias empresas. O desafio maior de política econômica estará, portanto, em calibrar a “revisão de qualidade dos ativos” dos bancos, os testes de estresse e as eventuais recomendações de readequação de capital de modo suficientemente duro para dar credibilidade ao exercício, mas ao mesmo tempo sem gerar pânico nos mercados.
 
Cenário chinês
 
A China também se defrontará com o desafio de calibrar adequadamente a execução de seu programa de reformas. Avanços de empresas nao-estatais em vários setores, inclusive o bancário, exigirão algum relaxamento em restrições regulamentares e no controle de taxas de juros. Para tanto, porém, será necessário o enquadramento fiscal de governos subnacionais e do sistema de “shadow banking” que sustentou seu endividamento. Uma auditoria da dívida pública de subnacionais foi realizada, conforme resultados anunciados ao final de dezembro.
 
Por outro lado, as turbulências no mercado interbancário em dezembro, com o Banco Central vendo-se ao final obrigado a ceder provendo liquidez, ilustraram como as autoridades terão de atravessar o rio da transição pisando com cuidado cada pedra no caminho para evitar um colapso no crescimento econômico.
 
O desafio de calibragem no caso do Japão estará na política tributária. Os agressivos estímulos fiscais e monetários implementados desde o retorno ao poder do primeiro-ministro Shinzo Abe conseguiram retirar a economia japonesa de sua letargia deflacionária. Contudo, a dívida pública japonesa está hoje acima de 250% do PIB e, como parte da solução, o imposto sobre consumo subirá de 5% para 8% em abril. Há ainda no horizonte a possibilidade de um aumento adicional para 10% em outubro de 2015, a ser decidido em novembro deste ano. Será fundamental que o impacto de tal aumento de carga tributária não contrarreste a orientação geral anti-deflacionária da política econômica.
 
Economias emergentes
 
Finalmente, cabe mencionar as economias emergentes diante da reversão do “afrouxamento quantitativo” do Fed começando efetivamente nesse janeiro. No verão do ano passado, entre a menção da possibilidade de tal reversão durante discurso de Bernanke no Congresso em maio e a reunião do Fed em setembro postergando seu início, o chamado grupo dos “5 frágeis” (Brasil, Índia, Turquia, Indonésia e África do Sul) defrontou-se com saída massiva de capital e acentuada desvalorização cambial, no que parecia uma reprise das crises de emergentes dos anos 1990. Em comum entre aqueles países, podia-se apontar seus sistemas financeiros grandes, líquidos e integrados ao exterior, bem como déficits em conta-corrente associados a forte ingresso de capital e valorização cambial a partir do início das políticas monetárias não-convencionais do Fed.
 
Agora que a reversão começará de fato, o cenário esperado não é o de repetição das turbulências, pois afinal as mudanças de valor de ativos, taxas de câmbio e posições de investidores não foram revertidas desde então. Por outro lado, quatro dos “5 Frágeis” (Brasil, Índia, Turquia e Indonésia) terão eleições majoritárias em 2014. Como sua vulnerabilidade em relação a paradas súbitas no ingresso de capital não foi inteiramente revertida, seu desempenho macroeconômico dependerá em parte da calibragem em sua gestão macroeconômica e dos “riscos políticos”.
 
Como se pode ver, há motivos para certo otimismo em relação à economia global neste ano. Com cautela, já que tudo dependerá da competência em calibragem por parte de formuladores de política econômica em várias partes do mundo.
 
* Otaviano Canuto é assessor-sênior e ex-vice-presidente do Banco Mundial

 

Redação

2 Comentários

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  1. Política do FED ainda é expansionista

    POLITICA DO FED AINDA É EXPANSIVA

    O FED não está retirando estímulos. Continua aumentando menos, a um ritmo menor. Os estímulos continuam a crescer, só que em ritmo menor. A dívida não diminui: apenas cresce menos: 500 bilhões a mais, em lugar de 1 trilhão de dólares anuais.

    É muito pequena a retirada de 10 bilhões mensais (500 bilhões no ano) para produzir qualquer efeito significativo.

  2. INFLAÇÃO NÃO É PREÇO ALTO

    INFLAÇÃO NÃO É PREÇO ALTO, MAS A SUA DERIVADA.

    O enorme ganho de produtividade produzido pelas novas tecnologias levou ao barateamento dos preços dos produtos nos setores que a utilizavam e encarecimento de outros bens. Isto foi o que realmente aconteceu com os preços do petróleo, ouro e outras comodities.  É falsa a impressão causada pelo aumento de preços: houve aumento em alguns produtos primários e queda em outros dependentes de alta tecnologia, permanecendo constante a quantidade moeda em poder do público. Por sinal, foram os próprios bens tecnológicos – computadores, celulares e redes de telecomunicação – os primeiros (e únicos) a apresentar queda acentuada nos preços, dada a renovação constante por obsolescência precoce. O processo foi semelhante a inflação de demanda, como a alta nos preços do tomate, causados por condições climáticas: o que foi gasto a menos com tomate se dilui com os gastos de outros produtos.

      

    Isso, só foi possível graças à capacidade da China de exportar produtos de baixo preço. Coisa que não é possível ao trabalhador americano mais produtivo. O americano cria a tecnologia de alto valor (software), mas seria um desperdício produzir o bem tecnológico físico, que pode ser produzido a preço mais baixo por um trabalhador menos qualificado.

    Mas, foi a grande riqueza gerada pela cooperação com os países asiáticos o responsável pelo aumento de produtividade em todos os outros setores da economia global que produziu alta exagerada das ações das empresas multinacionais, especialmente as de internet no fim dos anos 90 e que levou os EUA a recessão, – devida a perda patrimonial dos prejudicados na bolsa – e que motivou o afrouxamento da política monetária.

    A operação teve sucesso, mas o excesso de liquidez fez outros ativos subirem exageradamente no mercado imobiliário. Quando a bolha estourou houve paralização dos mercados de crédito e investidores em geral. Aí, sim tivemos uma crise global.

    Este afrouxamento só foi possível devido aos elevados défits nas contas externas dos países importadores financiados na maior parte pela poupança Chinesa e de outros países poupadores como os fundos soberanos dos países produtores de petróleo. Foi uma cooperação perfeita entre consumidores de países produtores de alta tecnologia e os poupadores dos países emergentes que financiavam com lucro a venda de produtos baratos.

    A alta exagerada das ações – principalmente de Internet – teve ganhadores, que foram as empresas multinacionais, mas os países asiáticos também foram beneficiados com a ocupação de mão de obra. Os perdedores foram aqueles que não conseguiram vencer a concorrência chinesa e se desindustrializaram.

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