Depreciação interna à vista?, por Bresser-Pereira

 
Da Folha
 
Depreciação interna à vista?
 
Além de não ter tido sucesso em fazer as empresas voltarem a investir, o governo perdeu a confiança devido à política fiscal
 
Em 2008, os economistas liberais perderam a batalha ideológica ao levarem a economia mundial a uma grande depressão. Agora são os economistas desenvolvimentistas brasileiros que a perderam devido aos erros cometidos pelo governo do PT. O custo a ser pago pode ser alto.
 
Foram dois os erros fundamentais: nos oito anos do governo Lula, a taxa de câmbio se apreciou de forma brutal. A preços de hoje, caiu de R$ 5,20 para R$ 2 por dólar, quando a taxa de câmbio “de equilíbrio industrial”, que torna competitivas as empresas competentes do país, deve estar em torno de R$ 3,30 por dólar.

 
Essa apreciação, ao mesmo tempo que os salários cresciam um pouco acima da produtividade, atingiu a indústria de maneira violenta.
 
A presidente Dilma assumiu o governo enfrentando uma tarefa impossível: depreciar em mais de 50% a moeda! Naturalmente não o logrou (o real depreciou-se só 20%) e, em consequência, a indústria não reagiu. Diante disso, o governo decidiu compensar a indústria com uma política industrial agressiva, baseada em desonerações fiscais, que levou o país ao deficit primário.
 
Mais uma vez, o governo não teve sucesso. Indústrias e empresas de serviços sofisticados não se tornaram competitivas devido à depreciação cambial. Política industrial é algo que todos os países precisam adotar, mas jamais para compensar uma taxa de câmbio apreciada.
 
Além de não ter sido bem-sucedido em fazer as empresas voltarem a investir, o governo perdeu confiança. Não devido à política cambial, mas devido à política fiscal. No Brasil, as pessoas não admitem mais irresponsabilidade fiscal.
 
Diante desse quadro de perda de confiança, a presidente Dilma decidiu, corajosamente, adotar um ajuste fiscal rígido para recuperá-la. Mas, aproveitando-se da fraqueza do governo, o Banco Central adotou uma política absurda de elevação de juros, e a Câmara aprovou a lei da terceirização, cujo objetivo é a precarização do trabalho.
 
Está acontecendo no Brasil algo que ocorreu na zona do euro –isso porque lá a depreciação dos euros nacionais é impossível de ocorrer e porque aqui não houve apoio político para fazê-la. Em vez de fazermos a depreciação normal, fazemos a depreciação interna, cujos custos são infinitamente maiores.
 
A depreciação normal implica custos para todas as classes: para os que recebem salários, pensões, juros, aluguéis e dividendos. Todos passam a receber um pouco menos em termos reais. Já a depreciação interna é, por definição, a baixa dos salários obtida por meio da recessão e do desemprego. Tem alto custo para os assalariados e nenhum para os pensionistas e rentistas.
 
Dado que a depreciação é inevitável, temos, assim, uma troca absurda –de depreciação normal por depreciação interna, esta baseada numa política fiscal inevitável, numa política de taxa de juros irracional (porque desnecessária e contraditória com o ajuste fiscal) e numa política de precarização salarial.
 
As elites rentistas sempre foram a favor dessa troca, mas agora também as elites industriais começam a apoiá-la, ainda que saibam que é irracional. Para elas uma taxa de câmbio flutuando em torno de R$ 3,30 lhes devolve a perspectiva de lucro e as leva a investir. Como parece impossível uma política cambial responsável, começam a se contentar com a depreciação interna.
 
Evidentemente é possível para o Brasil voltar a ter uma taxa de câmbio competitiva. Para que isso ocorra é preciso que, 1) suas elites se convençam da sua necessidade; 2) o governo tire a política cambial do Banco Central e crie um Conselho Cambial Nacional; e 3) seja neutralizada a doença holandesa por meio de um imposto variável sobre as exportações de commodities.
 
Mas não bastaria agora o Banco Central deixasse de rolar os “swaps” e voltasse a vender dólares para tornar a taxa de câmbio competitiva? Isso é a coisa imediata a fazer, mas não basta. É preciso que o governo neutralize a tendência à sobreapreciação cíclica e crônica (de longo prazo) da taxa de câmbio, que já se reapreciou depois da crise e que deverá se apreciar ainda mais.
 
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, 80, é professor emérito de economia, teoria política e teoria social da FGV. Foi ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (governo FHC)
Redação

4 Comentários

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  1. Guido Mantega acreditou na boa vontade dos empresários

    Financiou setores já capitalizados (automóveis, agronegócio, construtoras, etc) em vez de deixar o mercado cuidar dos “grandões”, esses empresários aproveitando o subsidio desnecessário do governo subiram os preços tirando competitividade do país e ainda financiam a corrupção através das campanhas de nossos políticos.

    Bilhões foram investidos na Vale sem ao menos reestatizar por completo a empresa, sem esquecer do Eike Batista…

    Desonações só podem valer somente para micros, pequenas e algumas média empresas.

    O Dólar está estabilizado há meses acima dos R$ 3,00 e ainda querem mais desvalorização??? A atual cotação é excelente, o país perdeu 50 mil postos de trabalho nos primeiros 3 meses por conta da ação predatória do juiz Sérgio Moro, por outro lado metade dos municipios brasileiros continuaram a gerar empregos, dos 20 que mais geraram a indústria de transformação foi o setor que mais abriu vagas (quase 20 mil), de acordo com reportagem da Exame:

    http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/20-cidades-que-continuam-gerando-empregos-no-brasil

  2. O outro lado da moeda

    Não é só o governo brasileiro que gera desconficança nas políticas monetárias, a banca internacional está atolada até as orelhas com denuncias de falcatruas e maracutais para beneficiar os seus.

    Só a China, que se colocou contra a banca e recebe dia sim outro também, reclamações contra o Yuan é que conseguiu se dar bem, no mais a banca está no desespero total, querendo acabar com o dinheiro circulante para evitar uma corrida catastrófica aos bancos, inevietável, na minha humilde opinião.

    A dívida americana já é matematicamente impagável!

  3. Impossível por que ? basta um BACEN com missão significativa
     

    A redução da taxa de juros é que fundamental para a retomada do crescimento e alivio das contas publicas do Brasil porque se fixar taxa básica de  juros pouco acima do nível internacional, honesta e comprometida com moralidade republicana,  não vai afetar o fluxo externo de recursos e não vai acelerar, por si só,  a inflação, essencial para a estabilização da crise econômica.  

     

    Pais é credor liquido internacional e tem rate de investimento pra que ?

     

    Outro ponto, a maioria das atividades produtivas tem no mundo inteiro, atualmente,  retornos baixo,  por certo menor do que os históricos 8 % ao ano.   A meta de inflação poderia no minimo buscar o nível internacional e não de um numero dourado pela equipe de FHC  junto com as taxas SELIC absurdas. . Chega de números tirados da cartola, tipo taxa de cambio deveria ser de R$ 3, 30 . Com juros no nível internacional termos a taxa real flutuante e deve ser acompanhada para reagir contra os golpes internacionais contra a nossa moeda .

    No período FHC recursos advindos da privatização das estatais foram torrados para amortização de juros de dividas. E a divida ainda cresceu.  Se o país conseguir a duras penas contra os trabalhadores e famílias um equilíbrio e superávits primários,  que nem é fundamental para crescimento, o buraco operacional continua devido a crescente despesas de juros.  

     

    Precisamos um BACEN COM MISSÃO SIGNIFICATIVA e gente lá e no Ministério da Fazenda não comprometida com especuladores financeiros , FMI e com Target de ser banqueiro ao deixar o posto.

     

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