Milhares de carros estão sendo abandonados pelas montadoras?

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Do E-farsas

Milhares de carros estão sendo abandonados pelas montadoras?

É verdade que milhares e milhares de automóveis estão sendo abandonados pelas montadoras no mundo todo por causa da queda nas vendas?

A notícia se espalhou em diversos sites e blogs – além das redes sociais – na segunda quinzena de fevereiro de 2015. De acordo com o texto, que é apresentado juntamente com diversas fotografias, grandes montadoras de veículos ao redor do mundo estariam abandonando seus carros novos nos pátios por causa da recessão econômica.

O artigo ainda alerta para o desperdício e para o descaso por parte das fabricantes, que ao perceberem que ninguém está comprando seus produtos, preferem deixar os carros estragando ao invés de vende-los por preços abaixo da tabela.

Será que essa história é verdadeira ou falsa?

Verdadeiro ou falso?

 

Apesar da notícia ter aparecido com força em fevereiro de 2015, ela não é tão recente assim. Um dos primeiros sites a publicar esse alerta foi o norte-americano Zero Hedge, em maio de 2014! Desde então, esse boato volta a circular sem data, como se a informação fosse recente.

 

Quem inventou o artigo misturou algumas fotos de pátios de fábricas de automóveis de 2009, como essa abaixo, que foi tirada de uma matéria feita em uma concessionária de veículos em Atlanta (EUA). A reportagem falava dos valores que as revendas estavam cobrando dos carros novos e que mais da metade de seus lucros vinham da venda de carros usados.

 

 

A segunda foto que aparece no tal alerta é essa abaixo e foi surrupiada de um site de banco de imagens e, na ocasião (também em 2009), foi usada para ilustrar a notícia da queda na venda de veículos na Inglaterra. O artigo afirmava que aquele era um ótimo momento para se negociar bons preços para quem quisesse ter um carro zero.

 

 

Outras fotos foram retiradas desse site que, em 2009, falava da queda nas vendas de veículos no Reino Unido e na Espanha. No entanto, esses carros não estavam abandonados como o boato sugere. Após pouco tempo de queda, a venda de carros voltou a subir.

 

Essa foto a seguir faz parte de uma série de fotografias de uma matéria de 2008 que mostrava algumas centenas de automóveis esperando o embarque no porto de Yokohama (Japão). Uma operação normal.

 

 

Nessa matéria é explicado que a previsão de queda de 35% nas vendas para o ano seguinte fez com que a Toyota parasse a produção por dois dias (contrariando o que diz o boato sobre o fato de que as montadoras não podem parar nunca!).

 

As últimas fotografias foram tiradas em um autódromo em 2010, mas os carros mostrados não são zero quilômetro. Na verdade, os veículos abandonados são o resultado de uma campanha promovida no Reino Unido para ajudar aos proprietários com incentivos e descontos na compra de um carro novo!

 

Muitas das imagens usadas no boato foram retiradas de sites de banco de fotografias publicitárias, como o GettyImages e nada tem a ver com supostos carros abandonados pelas montadoras!

 

Outras fotografias foram retiradas de imagens aéras do Google Maps, igualmente antigas.

 

Desinformação e erros

 

O autor do Zero Hedge reconheceu que havia algo errado em seu artigo ao verificar que alguns dos pátios que ele havia mencionado em sua “reportagem” já estavam vazios e publicou uma atualização dizendo:

 

“UPDATE: Atualmente (16 de maio de 2014), todos esses carros na pista de testes da Nissan Sunderland desapareceram? Agora eu não acredito que todos os carros foram vendidos de repente. Acho que eles [os carros] podem ter sido retirados e reciclados para fazer o quarto para a próxima grande corrida de produção.”

 

Como o autor não pode explicar as falhas de seu texto (que, aliás, não diz de onde foram tirados esses dados), ele resolveu criar outra teoria…

 

De acordo com um estudo feito pelo blog Jalopnik, as montadoras (as norte-americanas e europeias) mantém em média um estoque de 65 a 79 dias de abastecimento (no Brasil, a média é de 45 dias). Por isso temos a falsa impressão de que os pátios estão sempre cheios.

 

Segundo o site WorldMeters, a produção de automóveis no mundo vem aumentando ano a ano e, conforme mostrado por esse relatório, as vendas tiveram uma ligeira queda em janeiro de 2015, mas ainda assim vão bem (pelo menos nos Estados Unidos).

Dados da Indústria mostram que o Reino Unido vem alcançando um aumento anual em vendas de automóveis por 10 anos consecutivos!

 

Aqui no Brasil a situação não é tão boa como em outras partes do mundo. De acordo com o jornal A Folha de São Paulo, a venda de carros caiu 7% em relação ao ano anterior e o setor teve seu pior desempenho dos últimos 12 anos. Para evitar o acúmulo de veículos nos pátios, as montadoras tomam algumas providências como, exemplo, a redução da produção.

 

Conclusão

 

Essa história afirmando que as fábricas de veículos estão abandonando seus automóveis não vendidos apenas para não vende-los a um preço mais baixo é mentira. O autor do boato misturou algumas fotos antigas com informações erradas e imprecisas e, é claro, exagerou em muitos pontos.

 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

5 Comentários

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  1. Não sei não

    Aqui na grande Porto Alegre existem centenas de carros no pátio da GM em Gravatai e mais algumas centenas num estacionamento em Nova Santa Rita, do outro lado do rio Guaíba. Olha, convido o redator deste texto dar uma olhadinha nestes dois lugares.

  2. Abandonados na rua

    Em BH carro estacionado na rua por mais de 10 dias  deverá ser recolhido pela prefeitura e poderá gerar multas a seus donos. Note bem: mesmo que não haja restrições a estacionamento na rua, o carro não poderá ficar ali estacionado por mais de 10 dias. 

    Notícia completa em

    http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2015/11/30/interna_gerais,712906/lei-municipal-autoriza-tirar-das-ruas-carros-e-carcacas-abandonadas.shtml

  3. leiam o quê advogado AA&SA dissimula e omite dos pobres mortais

    … pura lenda da Peugeot SA…

    “Um ícone que lembra um pouco o homem-leão de Stadel aparece hoje em carros, caminhões e motocicletas de Paris a Sydney. É o ornamento que adorna o capô dos veículos fabricados pela Peugeot, uma das maiores e mais antigas fabricantes de carro da Europa. A Peugeot começou como um negócio familiar no vilarejo de Valentigney, a apenas 300 quilômetros da caverna de Stadel (nesta caverna na Alemanha, há 32 mil anos atrás, foi encontrada uma estatueta de marfim de um homem-leão ou mulher-leão: o corpo é humano, mas a cabeça é leonina; este é um dos primeiros exemplos de arte, e provavelmente de religião e da capacidade da mente humana de imaginar coisas que não existem de fato). Hoje a empresa emprega cerca de 200 mil pessoas em todo o mundo, a maioria delas completamente estranhas umas às outras. Esses estranhos cooperam de maneira tão eficaz que em 2008 a Peugeot produziu mais de 1,5 milhão de automóveis, gerando uma receita de aproximadamente 55 bilhões de euros.

    Em que sentido podemos afirmar que a Peugeot SA (nome oficial da empresa) existe? Há muitos veículos Peugeot, mas estes obviamente não são a empresa. Mesmo que todos os Peugeot no mundo fossem descartados ao mesmo tempo e vendidos para o ferro-velho, a Peugeot SA não desapareceria. Continuaria a fabricar novos carros e a publicar seu relatório anual. A empresa tem fábricas, maquinário e showrooms e emprega mecânicos, contadores e secretárias, mas tudo isso junto não constitui a Peugeot. Um desastre poderia matar cada um dos empregados da Peugeot e destruir todas as suas linhas de montagem e todos os seus escritórios executivos. Mesmo assim, a empresa poderia obter empréstimos, contratar novos empregados, construir novas fábricas e comprar novo maquinário. A Peugeot tem gestores e acionistas, mas eles também não constituem a empresa. Todos os gestores poderiam ser demitidos e todas as suas ações, vendidas; mas a empresa propriamente dita permaneceria intacta.

    Isso não significa que a Peugeot SA seja invulnerável ou imortal. Se um juiz (penso no juiz mouro da tacanha província do Paraná) ordenasse a dissolução da empresa, suas fábricas permaneceriam de pé e seus trabalhadores, contadores, gestores e acionistas continuariam a viver – mas a Peugeot SA desapareceria imediatamente. Em suma, a Peugeot SA parece não ter conexão alguma com o mundo físico. Ela existe de fato?

    A Peugeot é um produto da nossa imaginação coletiva. Os advogados chamam isso de “ficção jurídica”. Não pode ser sinalizada; não é um objeto físico. Mas existe como entidade jurídica. Como você ou eu, está submetida às leis dos países em que opera. Pode abrir uma conta bancária e ter propriedades. Paga impostos e pode ser processada, até mesmo separadamente de qualquer um dos seus donos ou das pessoas que trabalham para ela.

    A Peugeot pertence a um gênero particular de ficção jurídica chamado “empresa de responsabilidade limitada”. A ideia por trás de tais empresas está entre as invenções mais engenhosas da humanidade. O Homo sapiens viveu sem elas por milênios. Durante a maior parte da história de que se tem registro, a propriedade só poderia pertencer a seres humanos de carne e osso, do tipo que anda sobre duas pernas e tem cérebro grande. Se na França do século XIII Jean abrisse uma oficina para fabricar vagões, ele próprio seria o negócio. Se um vagão por ele fabricado parasse de funcionar uma semana após a compra, o comprador insatisfeito processaria Jean pessoalmente. Se Jean tomasse emprestadas mil moedas de ouro para abrir sua oficina e o negócio falisse, ele teria de pagar o empréstimo vendendo sua propriedade privada – sua casa, sua vaca, sua terra. Talvez até precisasse vender seus filhos como escravos. Se não pudesse honrar a dívida, poderia ser jogado na prisão pelo Estado ou ser escravizado por seus credores. Ele era totalmente responsável, de maneira ilimitada, por todas as obrigações assumidas por sua oficina.

    Se tivesse vivido naquela época, você provavelmente pensaria duas vezes antes de abrir um negócio próprio. E, com efeito, essa situação jurídica desencorajava o empreendedorismo. As pessoas tinham medo de começar novos negócios e assumir riscos econômicos. Dificilmente parecia valer a pena correr o risco de sua família acabar totalmente destituída.

    Foi por isso que as pessoas começaram a imaginar coletivamente a existência de empresa de responsabilidade limitada. Tais empresas eram legalmente independentes das pessoas que as fundavam, ou investiam dinheiro nelas, ou as gerenciavam. Ao longo dos últimos séculos, essas empresas se tornaram os principais agentes na esfera econômica, e estamos tão acostumados a elas que nos esquecemos de que existem apenas na nossa imaginação. Nos Estados Unidos, o termo técnico para uma empresa de responsabilidade limitada é “corporação”, o que é irônico, porque o termo deriva de “corpus” (“corpo” em latim) – exatamente aquilo de que as corporações carecem. Apesar de não ter um corpo real, o sistema jurídico norte-americano trata as corporações como pessoas jurídicas, como se fossem seres humanos de carne e osso.

    Também foi isso o que fez o sistema jurídico francês em 1896, quando Armand Peugeot, que herdara de seus pais uma oficina de fundição de metal que fabricava molas, serrotes e bicicletas, decidiu entrar no ramo de automóveis. Para isso, ele criou uma empresa de responsabilidade limitada. Batizou a empresa com seu nome, mas ela era independente dele. Se um dos carros quebrasse, o comprador poderia processar a Peugeot, e não Armand Peugeot. Se a empresa tomasse emprestados milhões de francos e então falisse, Armand Peugeot não deveria a seus credores um único franco. O empréstimo, afinal, fora concedido à Peugeot, a empresa, e não a Armand Peugeot, o Homo sapiens. Armand Peugeot morreu em 1915. A Peugeot, a empresa, continua firme e forte.

    Como exatamente Armand Peugeot, o homem, criou a Peugeot, a empresa? Praticamente da mesma forma como os padres e os feiticeiros criaram deuses e demônios ao longo da história e como milhares de padres católicos franceses continuaram recriando o corpo de Cristo todo domingo nas igrejas da paróquia. Tudo se resumia a contar histórias e convencer as pessoas a acreditarem nelas. No caso dos padres franceses, a história crucial foi a da vida e morte de Cristo tal como contada pela Igreja Católica. De acordo com essa história, se um padre católico usando suas vestes sagradas pronunciasse solenemente as palavras certas no momento certo, o pão e o vinho mundano se transformariam na carne e no sangue de Deus. O padre exclamava: “Hoc est corpus meum!” (“Este é meu corpo” em latim) e abracadabra! – o pão se transformava no corpo de Cristo. Vendo que o padre havia observado assiduamente todos os procedimentos, milhões de católicos franceses devotos se comportavam como se Deus de fato existisse no pão e no vinho consagrados.

    No caso da Peugeot SA, a história crucial foi o código jurídico francês, tal como redigido pelo parlamento francês. De acordo com os legisladores  franceses, se um advogado certificado seguisse todos os rituais e liturgias adequados, escrevesse todos os discursos e juramentos requeridos em um pedaço de papel maravilhosamente decorado e afixasse sua assinatura ornamentada ao pé do documento, abracadabra! – uma nova empresa era incorporada. Quando, em 1896, Armand Peugeot quis criar sua empresa, ele pagou para que um advogado fizesse todos esses procedimentos sagrados. Uma vez que o advogado tivesse desempenhado todos os rituais corretos e pronunciado todos os discursos e juramentos necessários, milhões de cidadãos franceses honrados se comportaram como se a empresa Peugeot realmente existisse.

    Contar histórias eficazes não é fácil. A dificuldade está não em contar a história, mas em convencer todos os demais a acreditarem nela. Grande parte da nossa história gira em torno desta questão: como convencer milhões de pessoas a acreditarem em histórias específicas sobre deuses, ou nações, ou empresas de responsabilidade limitada? Mas, quando isso funciona, dá aos sapiens poder imenso, porque possibilita que milhões de estranhos cooperem para objetivos em comum. Tente imaginar o quão difícil teria sido criar Estados, ou igrejas, ou sistemas jurídicos se só fôssemos capazes de falar sobre coisas que realmente existem, como rios, árvores e leões.

    […]

    Com o passar dos anos, as pessoas teceram uma rede incrivelmente complexa de histórias. Nessa rede, ficções como a da Peugeot não só existem como acumulam enorme poder. Têm mais poder do que qualquer leão ou bando de leões.”

    Sapiens – uma breve histórioa da humanidade, de Yuval Noah Harari. Trad. Janaína Marcoantonio. L&PM Editores, 2015.

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