Uma doença brasileira, por Mario Bernardini

Uma doença brasileira

Por Mario Bernardini

Da ABIMAQ

São muitas nossas doenças. Além das nativas, acrescentamos, ao longo do tempo, todas as europeias, que importamos junto com nossos descobridores portugueses e, ultimamente, graças à globalização, temos disponíveis todas as asiáticas, sendo apenas uma questão de tempo para termos aqui as últimas novidades africanas. Entretanto, neste artigo, não vou falar do vírus “ebola” ou assemelhados, e sim de uma doença tão brasileira quanto à jabuticaba que é a hipertrofia de nosso sistema bancário.

É fato conhecido que os bancos, no Brasil, praticam juros que, em qualquer outro país, seriam caso de polícia, o que acarreta vários e graves efeitos colaterais. Um deles é o encarecimento da produção nacional ao acrescentar cerca de sete pontos percentuais aos custos da indústria de transformação, quando comparados com os gastos financeiros da maioria de nossos concorrentes, constituindo-se, assim, no segundo mais importante item do “Custo Brasil”, atrás apenas do diferencial de preço de nossos insumos.   

Por outro lado, o endividamento das famílias brasileiras em 48% de sua renda, ainda que não seja excessivo quando comparado as de outros países, compromete cerca de 22% desta mesma renda para pagar as parcelas desta dívida, mais do que pagam as famílias americanas, embora estas últimas tenham uma dívida quase três vezes maior. Destes 22%, que são comprometidos, anualmente, com o pagamento da dívida, cerca de 40% e, portanto, mais de 8 p.p., são decorrentes dos juros elevados.

Estes dois simples fatos fazem com que nosso sistema bancário, ao contrário do resto do mundo onde ele é um fator importante para alavancar a produção e o consumo, contribua fortemente para por em risco a saúde financeira de empresas e/ou consumidores brasileiros que precisarem de crédito. De fato, considerando os juros correntes para pessoas jurídicas, se uma empresa se endividar junto a bancos, no Brasil, em mais de um terço de seu faturamento anual, o que é muito pouco em termos mundiais, isso significa, quase sempre, a falência da empresa.

O retorno das empresas industriais que, nos últimos anos, tem ficado consistentemente abaixo do retorno das aplicações financeiras mais conservadoras, confirma esta distorção. Por exemplo: Enquanto que o lucro sobre o patrimônio líquido das empresas, acumulado no período 2008/12, alcançava 47%, a aplicação em renda fixa chegou a 62%. Isso significa que no Brasil é muito melhor usar o capital em aplicações financeiras do que em atividades produtivas que geram empregos e renda.

Outra consequência da “doença brasileira” é o peso que os juros elevados impõem ao setor público. Apesar de nossa dívida interna líquida não fugir da média dos países em desenvolvimento, nós pagamos a título de juros de duas a três vezes mais do que eles. Isso obriga nosso governo a fazer grandes superávits primários para poder pagar estes juros excessivos, em vez de utilizar estes recursos em serviços para a população ou em investimentos públicos ou, ainda, reduzindo a pesada carga tributária.

Isso porque a SELIC é parte da mesma “doença brasileira” que nos acomete há tempo e, portanto, sua redução para os mesmos níveis dos demais emergentes, que têm juros primários iguais à inflação mais 1 a 2 pontos é tão importante quanto à diminuição do “spread” bancário para níveis civilizados, ou seja, em média SELIC + 4 a 5 p.p. ao ano e não ao mês para pessoas jurídicas e SELIC + 10 p.p. para pessoas físicas. Esta redução teria vários efeitos benéficos tanto para quem produz como para quem consome, contribuindo decisivamente para a retomada do crescimento de nossa economia. Dentre os diversos efeitos positivos, podemos citar:

– Melhoria na competitividade do produto nacional, com a diminuição do “Custo Brasil”.

– Redução da inflação ao reduzir preços, via diminuição de custos.

– Aumento na capacidade de consumo das famílias brasileiras, graças à redução dos juros embutidos na parcela da renda destinada ao pagamento das dívidas.

– Diminuição da distorção na alocação de recursos que, atualmente, favorece as aplicações financeiras em detrimento da produção canalizando, assim, mais recursos para o investimento produtivo.

– Melhoria acentuada das contas públicas, permitindo alcançar o equilíbrio nominal, ou seja, eliminar a necessidade de colocar títulos públicos, o que torna, atualmente, o governo refém do sistema financeiro.

Tais metas são perfeitamente possíveis, pois, ainda que a redução da SELIC dependa, inicialmente, de uma melhora de nossa política fiscal, o processo passa a ser realimentado e sustentado pela redução da despesa do setor público com juros e pelo aumento da arrecadação decorrente da retomada dos investimentos produtivos estimulados pela redução do custo de capital.

A eliminação da anomalia de nossos “spreads” bancários, que levou nosso sistema financeiro a ter um peso no PIB muito acima dos países desenvolvidos, inclusive dos que são centros financeiros mundiais, passa por algumas medidas, de alçada de nossas autoridades monetárias, tais como: Eliminação da cunha fiscal, redução do compulsório com o fim de sua remuneração, a diminuição das tarifas bancárias e o aumento da concorrência para tirar as instituições financeiras da zona de conforto que, atualmente, permite-lhes ganhar muito dinheiro apenas com tarifas e operações de tesouraria. Tais medidas permitiriam que os bancos brasileiros pudessem voltar a seu importante papel de alavancar a produção e o consumo sem o atual risco de matar o cliente.

* Mario Bernardini é diretor de competitividade da ABIMAQ

 

Redação

10 Comentários

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  1. Antes de qualquer outra

    Antes de qualquer outra muudança é necessário mudar a composição desse boletim focus; ou ate mesmo acabar com esse troço. Só serve pra ajudar o “mercado” a combinar preço. É quase um indexador dos juros à taxa média de lucro do setor. Cada um palpita de acordo com a necessidade de ração que precisa pros resultados ficarem bonitinhos; e depois cair no vinho.

    No credito pessoal acabar com essa monstruosidade do cadastro “positivo”. Ninguém obteve emprestimo com taxas civilizadas por causa disso. Puro avanço ideológico do setor financeiro violando coorporativamentee o sigilo da vida financeira de pessos indefesas diante do conluio dos bancos.

  2. Queda da SELIC

    Não faltaram arautos do fim do mundo, notadamente na chamada grande imprensa, quando o governo forçou queda na SELIC e diminuição de taxas via bancos públicos. Pena que voltaram atrás.

  3. Uma doença brasileira…

    A questão é quem irá colocar o guizo no perigoso gato bancário? 

    Qualquer medida neste sentido irá afrontar os banqueiros. Não acho que exista alguém com coragem para isso.

    Se existir e estiver em posição para fazê-lo,  será destruído. 

  4. Sei que é difícil, mas

    não pego financiamento em instituição financeira, a não ser para casa própria através do FGTS. Tenho a sorte de ter conhecidos de confiança e eu ser de confiança deles. Quando preciso de algum emprestado, pago taxas maiores que a poupança, mas muito menores do que as bancárias. E vice-versa. Seria um financiamento solidário entre amigos. BANANA PARA OS BANCOS E FINANCEIRAS!

    1. Não há o que comentar:

      O Sr Bernardini, a Abimaq, o iEDI até a FIESP (da boa para fora) tem este discurso há anos.

      O problema real é que não existe mais industriais de verdade, i.e. a burguesia paulista e brasileira (que segue a paulista até me Miami) virou uma classe de rentistas que sustentam seu alto nível de vida com os juros reais altíssimos derivados do sistema SELIC + “tripé” (que deriva mais de teologia que de ciência econômica).

      Até a FIESP é dirigida por um sem-indústria, amigo do dono da CSN. que a comprou na privatização com jogadas financistas, e que leva a CSN á estagnação industrial já que ela é só uma fornecedora de caixa para a família.

      A única esperança é que a Dilma entenda que ela deva ajudar, e não atrapalhar por excesso de heroísmo, seus ministros na tarefa dificílima de quebrar a lógica SELIC + “tripé”, e levar o custo da nossa dívida interna, de tamanho normal e razoável em comparação a outras grandes economias, á níveis razoáveis.

      Com isso aparecerão os “novos  industriais” que tomarão o lugar dos atuais rentistas, com aconteceu com os rentistas cafeeiros de 1929.

      Haja paciência!

  5. Só agora a industria coloca …

    … o dedo na ferida. Segundo muitos aqui no post, inclusive o Nassif, o problema da desindustrialização no Brasil era um problema que cabia somente ao governo federal. Faltava ação da Dilma e de seus ministérios.

     Agora a Abimaq coloca o dedo na ferida e diz que os bancos e suas taxa de jurops, custos de serviços e outros, são o real responsável, não só pela queda da produção industrial (inclusive postos de trabalho melhor remunerado), como tambem pelo enorme custo imposto as vendas a prazo das classes médias e baixas no Brasil.  

    O sistema financeiro mundial e para nós tambem o brasileiro é a raiz de todos os males.

  6. Os cartões mais caros do planeta.

    Parte do que Bernardini diz é verdade. Mas nosa industria virou uma imensa importadora de traquitandas chinesas. Sapatos, tecidos, roupas e quinquilharias eletrônicas. Abram suas geladeiras,fogões e máquinas de lavar, a tal linha branca e vejam a porcentagem absurda de peças importadas. Pior, quando a gente paga um refeição no restaurante ou as despesas de supermercado, o comerciante paga às operadoras de cartão 3% nas compras a débito e 5% nas compras a crédito, que no final, saem do lombo do consumidor.

  7. Faltou dizer

    Excelente artigo. apenas faltou dizer o porque é assim e o que podemos fazer para sair disto.

     

    Por que os juros no Brasil são de dois digitos (11,75%) enquanto na Europa e EUA são de 3% 4%?

    A Dilma não muda isto por que? Ela teria uma noção de que juros baixos são bons para o Brasil, pois já tentou abaixar uma vez os mesmos. Seria este mais um “voluntarismo” da presidente, ou alguém a “obriga” a manter os juros neste patamar?

    Porque o Lula conseguiu abaixar os Juros e ninguém mais conseguiu? Quais seriam os “segredos” dos “super poderes” de Lula que político nenhum neste pais consegue ter mais?

     

    São as perguntas que não querem calar. Se alguém descobrir favor postar no blog, o país agradece.

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