O Estado no Programa de Investimento em Logística

E, finalmente, saíram do papel os primeiros projetos do, assim chamado pelo Governo Federal, Programa de Investimento em Logística. Hoje, enquanto se rascunha este texto, já está na rua a modelagem das concessões federais rodoviárias e aeroportuárias.

Os projetos de ferrovias, por sua vez, estão em processo de formatação, ainda que não seja raro o burburinho no mercado e na imprensa de que o principal nó a ser desatado aqui é, sobretudo, o famigerado risco Valec, ou como irá conseguir o Poder Concedente tranqüilizar o mercado quanto ao risco de inadimplemento da tarifa pela exploração da rede ferroviária.

Dentro desse contexto, não parece precipitado refletir sobre alguns pontos da modelagem formulada pelo Governo Federal.

Há certos pontos basilares dos projetos, como os critérios de participação da licitação e valores mínimos ou máximos de lances que, muito embora de crucial importância, não conveio debruçar-se com mais profundidade sobre o assunto, até mesmo diante da exaustão com que esses temas foram abordados pela imprensa.

Por exemplo, muito se questionou se deveria os atuais concessionários participar das próximas licitações aeroportuárias e qual seria a TIR ideal para cada projeto. Não é este o foco aqui. O que nos chamou a atenção é a forma pelo qual o Estado está intervindo na economia através das concessões federais e a sua extensão, o que tem passado à margem das discussões públicas. Eis as questões que provocamos:

Qual o interesse público, por exemplo, que tem o Estado em permanecer como sócio minoritário das concessões aeroportuárias? Lembre-se que o Estado não terá o controle da concessão, isto é, não será diretamente responsável pela gestão do serviço publico. Então, estaria o Governo Federal, via Infraero, na posição de um fiscal da concessão, infiltrado como sócio minoritário? Ou se trata de um mero investimento, cujo retorno espera a União auferir? Afinal, qual o múnus publico desempenhado pela Infraero como sócia minoritária? Lembre-se, também, que o Estado, através da agência reguladora competente remanesce com o seu poder de polícia e fiscalização do serviço público com poderes para sancionar a concessionária, em caso de inadimplementos contratuais, rescindir unilateralmente o contrato e intervir no mesmo.

Outros instrumentos curiosos recepcionados nos contratos de concessões rodoviárias são os fatores Q e X, que podem depreciar o valor do reajuste anual, tal qual um “desconto de reequilíbrio”. A lógica desses fatores é reduzir o valor do reajuste/revisão da tarifa auferida pelo concessionário no caso de um desempenho aquém dos indicadores contratuais (fator Q) e no caso de ganhos elevados de produtividade obtidos pelo setor e/ou concessionário (fator X). Aliás, não ficou claro no edital se os ganhos de escala a serem compartilhados com os usuários, com a aplicação do fator X, será calculada com base somente nos resultados de sua concessão ou se de todo o mercado de concessões rodoviárias. O que ficou evidente é que não foi estabelecido antecipadamente a forma de seu cálculo. Como se cálculo o fator X? Como as licitantes podem contingenciar as possíveis reduções dos reajustes em função da aplicação do fator X? A falta de resposta a essas perguntas intimidam os financiadores e afastam os investidores, de forma que não é de se admirar que tenha havido licitações sem interessados.

As perguntas retóricas elencadas acima respondem por si só as questões que lhe contém a essência. Certas escolhas do Governo Federal descortinam um determinado modelo de Estado que está sendo forjado. Mirando-se nos exemplos citados, parece claro que a possibilidade em tese de o Estado ser sócio de uma empresa privada ou de estatuir meios para compartilhamento de ganhos de determinado setor com os usuários, por si só, não é, a priori, uma decisão equivocada ou estatizante da economia, como, por vezes, tenta-se rotular. No entanto, a forma específica pelas quais as concessões federais tem delineado essa intervenção na economia, sem uma reflexão mais crítica, levanta a dúvida sobre a que propósitos elas atendem e qual interesse público almejado. Decerto que este debate merece ampla discussão.  

Guilherme Ferreira Gomes Luna é membro fundador do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura (Ibeji) e advogado em São Paulo.

Redação

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