Comentário ao post “A pressão atrapalhando as novas concessões”
Os problemas da concessão das novas ferrovias e das concessões fora dos eixos do Sudeste se reduzem ao grande problema ainda não equacionado na política governamental: o problema do crônico desequilibrio territorial, que provoca desequilibrio nos fluxos logisticos.
De um lado, o governo está com a razão de prever investimentos relevantes nas regiões fora do núcleo, especialmente nas regiões das novas fronteiras de crescimento, como estratégia de requilibrio territorial e crescimento econômico.
Esses projetos são, de fato, essenciais, mas estão maculados com o problema do mercado (ainda ) inexistente, prenhes portanto de altíssimo risco de mercado, do qual a iniciativa privada foge que nem diabo da cruz.
Um parêntese: a questão do desequilíbrio territorial foi absolutamente ignorada na era fernandina, onde o objetivo era entregar ativos infraestruturais atrativos à iniciativa privada, sob quaisquer condições, para fazer boa figura junto ao mercado financeiro internacional, aderindo-se obedientemente e sem discussão aos ditados no Consenso de Washington.
Não é de se admirar, portanto, que as concessões nessa era tiveram enorme “sucesso”: no campo das rodovias foi licitado o filé-mignon, e o principal era vender o melhor possível para fazer caixa para o pagamento da dívida. No campo das ferrovias, foi uma política de entrega total da rede, previamente fragmentada, sem condições referentes a investimentos e a serviços mínimos.
E aí aconteceu o que tinha de acontecer: o desequilíbrio territorial levou a que as concessionárias se concentrassem nos poucos fluxos intensos, aumentando a tonelagem-quilômetro em poucas linhas, e deixando sucatear o resto (hoje, estão pedindo para “devolver” o osso da rede). Resultado disso: de 29 mil km concedidos, menos de 10 mil operam. O resto está abandonado, arrancado ou ocupado por favelas, onde travessam as áreas urbanas. Trem de passageiros, nem precisa falar…
Na verdade, a ferrovia brasileira virou, em boa parte, uma infra-estrutura privada para grandes mineradoras, deixando de prestar serviços públicos. Tanto é que dificultam o acesso de clientes, para que sua demanda serviço não atrapalhe o tráfego dos minérios, ou para dificultar a concorrência de mineradoras não proprietárias das ferrovias (o que acontece em Minas Gerais).
O resultado é o agravavemento do desequilibrio da matriz modal, talvez não tanto sob ponto de vista da tonelagem, mas sobretudo sob da conectividade de rede: hoje, a nossa conectividade ferroviária está mais baixa do que na época do Império…
O novo modelo do Governo Federal, absolutamente inovador na experiência mundial (essa seria uma das dificuldades de “vendê-lo” à iniciativa privada) surge como resposta consequente à trágica redução das ferrovias a (poucas) linhas privadas de produção das mineradoras.
Primeiramente, introduziu-se a liberdade de acesso a qualquer operador interessado independente – mas cuja concessão continua, nas ferrovias já concedidas, sujeita à “negociação” e ao interesse da concessionária, dado o catastrófico desenho do contrato de concessão que não previu esse principio.
Em segundo lugar, o Governo passou a assumir, em um passo corajoso e, de certa forma, fiscalmente arriscado, todo o risco do mercado, uma vez que a economia regional e a densidade de tráfego nas regiões fronteiriças contempladas por muito tempo ainda não serão capazes de produzir a demanda de equilíbrio financeiro.
Assim sendo, volta-se ao problema inicial: “It´s Geography, stupid!”. Nós temos advogado que a busca da sustentabilidade fiscal desses investimentos de grande porte requer que sua concepção e implantação se faça acompanhar de projetos produtivos e outras ações que catalizem o crescimento econômico na área de influência da infra-estruturas. Portanto, há de se construir uma nova paisagem de crescimento, e demos a esse conceito o nome de Programa Territorial.
Seguindo essa linha, a consolidação comercial das novas vias, e a consolidação fiscal dos correspondentes investimentos e despesas públicos, dar-se ia pela concessão de áreas públicas próximas para um novo tipo de empreendimento privado, que denominamos Empresa de Desenvolvimento Territorial.
Essa empresa seria contratada sob condição de realizar desempenhos mínimos em termos de geração de tráfego para a infra-estrutura em questão, e de crescimento econômico e de arrecadação fiscal para a União, estados e municípios, para que esses possam investir nos outros investimentos catalizadores.
Em contrapartida, usufruiria ampla liberdade para realizar nas áreas concedidas a implantação e exploração de centros de negócios e de logística, desenvolver negócios imobiliários e intermediar entre produtores locais e mercados nacionais e internacionais.
A disponibilidade gratuita e livre de impostos desses ativos públicos, inserida em um programa territorial que irá incentivar o crescimento econômico e prover investimentos e ações públicas complementares e catalisadores (educação, energia, saneamento, facilitações etc.), poderia abrir espaço para um novo negócio lucrativo, relacionado com a dinamização econômica da área e com a geração necessária de tráfego para a nova infra-estrutura.
Mas essa abordagem requer que o Governo Federal responda o que quer em termos de desenvolvimento territorial. Nesse quesito, o planejamento territorial anda ainda a passos de tartaruga. Mal concluída a Conferência Nacional de Desenvolvimento Regional , e amadurecidos alguns conceitos e diretrizes centrais, o ministro que estava à frente dessa auspiciosa iniciativa, teve de sair do Governo por causa do abandono do PSB da base de apoio (aliás, não ouço nada do candidato desse Partido sobre programas de desenvolvimento regional).
Nessas circunstâncias, têm alguma razão os investidores “chantagistas”…
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Muito interessante Aragão. Há
Muito interessante Aragão. Há algum exemplo de implantação deste “programa territorial” ?
Será que sua implementação seria mesmo exequível, não seria muito travada, muito burocrática ?
Programa Territorial
Daniel, esse é um conceito que estamos desenvolvendo e difundindo, exatamente diante do risco de insustentabilidade fiscal de investimentos públicos pesados em infra-estrutura, como ocorreu em Portugal. Estamos sobretudo apreensivos com relação ao novo modelo ferroviário, onde o risco de mercado passou a ser assumido integralmente pelo Poder Público.
Embora que a proposta seja meritosa do ponto de vista de política estratégica de infra-estrutura, o risco não pode ser ignorado, e os próprios investidores, que não são bobos, começam a desconfiar dos efeitos do modelo sobre a solvência do Estado e sobre sua capacidade de honrar os comprimissos. Temos difundido as idéias, que são recebidas com interesse, mas sua efetiva implantação requererá um esforço longo de persuação.
A questão não é tanto a burocracia, que também existe nas Operações Urbanas Consorciadas (e que estão em vento em popa). O desafio maior é a mudança cultural política com relação à questão da sustentabilidade fiscal dos investimentos em infra-estrutura.
Não é apenas aqui, mas no mundo inteiro que o capital está acostumado ao almoço grátis com relação aos investimentos em infra-estrutura, os exigindo de forma insistente, mas sem se preocupar com a sua sustentabilidade fiscal. Em caso de crise fiscal, colocam a culpa nos “gastos públicos” (educação e saúde), sem querer analisar os efeitos dos “investimentos” muitas vezes sobredimensionados em “infra-estrutura”.
A Engenharia Territorial que venho propondo (inclusive no LNO) questiona, de certa forma, essa postura, pois requisita que os investimentos em infra-estrutura sejam submetidos a rigorosos testes de impactos econômicos e fiscais e sejam inseridos em programas territoriais que os conjugariam com investimentos produtivos diretos e outras ações catalisadoras.
Mas um dia o setor privado e o Estado terão de acordar para a necessidade dessa sinergização intersetorial (as discussões internacionais sobre PPPs já estão a considerando, há um aevento em novembro em Antuérpia exatamente sobre esse assunto; ver: http://www.ua.ac.be/main.aspx?c=*TPR&n=112187), até para que o Poder Público possa recuperar e até estender o seu espaço fiscal para tais investimentos tão requeridos por ele.
Portanto, a luta continua!
Abração
Muito obrigado pelo post…
e fico feliz de ver a volta do J. Aragão no assunto logistica e territorialidade, ele estava fazendo falta aqui. Espero que foi por excesso de trabalho ou férias merecidas e não problemas pessoais…
Do post, o que mais me deixa p… é ver que os arrogantes (posso falar conheci alguns) que desenharam as privatizações da era fernandina não conheciam o conceito de “ocupação do território” utilizado na França pelo estado gaullista. Provavelmente a única coisa que aprenderam da França foi a lista dos milésimos do Bordeaux para poder fazer bonito nos restaurantes preferidos dos ricaços de sampa. Grande coisa!
Acho que cópias mal feitas
Acho que cópias mal feitas (como agora), tendo a possibilidade de imitar sem os defeitos, é pior….