REIDI: benefício fiscal e insegurança jurídica no setor energético

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

As deficiências de infraestrutura representam um dos grandes óbices ao crescimento econômico do Brasil. A fim de garantir o aporte de investimentos em setores estratégicos vinculados ao tema, o governo brasileiro tem se preocupado em instituir e regulamentar mecanismos de desoneração fiscal.

A título de exemplo, a adesão ao Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura – REIDI, estabelecida por meio da Lei nº 11.488/07 e regulamentada pelo Decreto nº 6.144/07, suspende a exigência do PIS/PASEP e da COFINS nas aquisições e importações de bens e serviços vinculadas a projetos de infraestrutura, realizadas no período de cinco anos contados da data da habilitação da pessoa jurídica titular do projeto.

Em termos financeiros, o referido regime promove uma redução de 9,25% no custo dos materiais, serviços e equipamentos utilizados pelas empresas ea habilitação ou co-habilitação destas empresas ao REIDI –éde se frisar –somente serão deferidasse as obras de infraestrutura estiverem relacionadas aos seguintes setores:

(i) transportes, alcançando exclusivamente rodovias,hidrovias, portos organizados, instalações portuárias de uso privativo, trens urbanos e ferrovias, inclusive locomotivas e vagões, sistemas aeroportuários e sistemas de proteção ao voo instalados em aeródromos públicos;

(ii) energia, alcançando exclusivamente geração, cogeração, transmissão e distribuição de energia elétrica eprodução e processamento de gás natural em qualquer estado físico;

(iii) saneamento básico, alcançando exclusivamente abastecimento de água potável e esgotamento sanitário;

(iv) irrigação; ou

(v) dutovias.

Segundo o Decreto nº 6.144/07, o ministério responsável pelo setor de infraestrutura favorecido pelo REIDI é quem define, mediante portaria, os projetos que se amoldam às condições legais.

No que tange ao setor de energia elétrica, o Ministério de Minas e Energia – MME,através da Portaria MME nº 319/08, determina que a pessoa jurídica titular de concessão, permissão ou autorização de geração, transmissão ou distribuição de energia elétrica deve solicitar à Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL avinculação de seu projeto ao REIDI.

Nesta fase, o órgão reguladoranalisa os documentos enviados pela empresa para verificar se é ou não possível o seu enquadramento ao regime de desoneração fiscal, procedimento este estipulado por normas de organização interna, tais como as Normas de Organização ANEEL nº 1 e nº 11.

Em um segundo momento, após receber anota técnica favorável emitida pela ANEEL, o MME analisa o enquadramento legal e publica a portaria de aprovação do respectivo projeto de infraestrutura.

Publicada esta portaria, a pessoa jurídica deve se habilitar junto à Secretaria da Receita Federal do Brasil – SRFB para fazer jus aos benefícios do REIDI, nos termos da regulamentação estabelecida pelo Ministério da Fazenda, sobretudo pela Instrução Normativa RFB nº 758/07.

E aqui surge uma nova batalha, desta vez perante a SRFB, afinal,além das complicações inerentesao processo de habilitação, há também a lentidão na apreciação e publicação, no Diário Oficial da União – DOU, do ato declaratório executivo que autoriza aaplicação do benefício tributário.

O deferimento do REIDI para o setor elétrico passa, então, por três instâncias até que o empreendedor possa gozar do benefício. A primeira fase é realizada pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL e as duas subsequentes, pelo Ministério de Minas e Energia – MME e pela Secretaria da Receita Federal do Brasil – SRFB, respectivamente.

E se todo este trâmite, colocado da maneira mais objetiva possível, já parece excessivamente burocrático, o que, por certo, desestimula a classe empresária, a ele deve ser adicionado a mais completa falta de comunicação entre os órgãos a quem se destinam os pedidos de enquadramento ao REIDI.

Como exemplo deste notório quadro de bagunça geral e legislativa, basta citar olongo período de 2013 em que o MME parou de emitir as portarias de enquadramento de pessoas jurídicas ao citadoregime, sob aalegação de não possuir o quadro técnico necessário para atenderàs exigências da Instrução Normativa RFB nº 1.307/12.

Segundo a tal instrução, os ministérios, ao aprovarem o enquadramento de projetos de infraestrutura ao REIDI,são responsáveis pela Declaração de Benefícios Fiscais – DBF, documento que prevê uma longa lista de informações, incluindo-se entre elas, detalhes quantitativos de todos os insumos, materiais, equipamentos e serviços relativos aos projetos.

Em sua defesa, a SRFBalega que está cumprindo determinações do Tribunal de Contas da União – TCU que, no exercício de suas funções, ordenou o preenchimento da minuciosa ficha contendo informações sobre cada projeto beneficiado pelo REIDI, já que o regime importa em renúncia fiscal e, portanto, deve ser controlado.

Na prática, a Instrução Normativa RFB nº 1.307/12 causou a suspensão da concessão do benefício previsto em lei, com consequências prejudiciais para o investimento e o atendimento da demanda de energia elétrica, alémdo irreparável atraso dos projetose o custo adicional que terá de ser repassado ao consumidor final.

Por causa deste entrave, as empresas do setor que possuem empreendimentos em andamentopassarampor um grande dilema: ou não atrasavam seus cronogramas, assumindo a incidência normal do PIS/PASEP e da COFINS, aumentando seus custos, ou suspendiam suasagendas até a solução do impasse, assumindo, com isto, o risco de sofrer multas da ANEEL por atraso nos prazos de entrada em operação previstos em contrato de concessão.

Não há como atribuirao particular o prejuízo por um fato causado exclusivamente pela administração pública. A omissão do MME em não publicar o enquadramento das empresas ao REIDI é um comportamento inadmissível, já que tem o poder de tornar impossível a execução do contrato ou provocar o seu desequilíbrio econômico financeiro.

Com efeito, conflitos burocráticos entre órgãos públicos não podem colocar em risco a segurança jurídica e a estabilidade necessária ao ambiente de negócios de diversos mercados de infraestrutura, dentre eles o de energia.

Está mais do que na hora, portanto, de os empresários que investem em infraestrutura, sobretudo aqueles do mercado energético, se unirem para cobrar da administração pública mais organização na edição de suas normas e mais celeridade na análise e ratificação dos processos, de modo que seja possível o uso dos incentivos fiscais aludidos pelo REIDI, sob pena destes incentivos se transformem em letra morta, ineptos e sem quaisquer efeitos práticos.

 

David Sampaio Barretto é mestre em Direito Tributário pela PUC/SP e advogado. E-mail: [email protected];

Matheus de Abreu Chagas é especialista em Direito Tributário pelo Insper/SP e advogado. E-mail: [email protected]

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. A imprensa é ótima para falar

    A imprensa é ótima para falar sobre o passado.

     

    Mas que tal uma reportagem sobre os parques de iluminação pública que deixarão de ser das distribuidoras e vão passar a ser administrados PELAS PREFEITURAS EM 31/12 DESTE ANO?

  2. Tenho uma CGH de 1MW,

    Tenho uma CGH de 1MW, totalmente elegível no REIDI.

    Desisti!!! Impossível receber o enquadramento. A forma como foi feito é o espelho do que é esse país, “um me engana que eu gosto total”.

    Isso apenas pra falar do REIDI pq se for falar sobre o que o governo fez com o setor corro o risco de ser linchado aqui.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador