Sistema da USP dribla burocracia e reduz tempo de desembaraço de cargas de 57h para 1h30

 

Luiz Genro
 
Do Jornal GGN

Jornal GGN – Um software promete reduzir a burocracia e agilizar o transporte de cargas, dois dos gargalos que mais prejudicam a competitividade brasileira. Atualmente, o país perde US$ 83,2 bilhões por ano por causa de problemas na logística. Batizado de Canal Azul, o sistema foi desenvolvido no departamento de engenharia de energia e automação elétrica (Gaesi) da Universidade de São Paulo (USP). Integrado a um chip que vai no contêiner, o software informa todo o trajeto das mercadorias que vão dentro dele, eliminando papéis e procedimentos burocráticos que tornam o processo de desembaraço muito lento.

 
Chamado de lacre eletrônico, o dispositivo foi desenvolvido por pesquisadores, pela indústria e pelo governo para diminuir a burocracia e economizar gastos. O chip instalado no lacre do contêiner faz as vezes do calhamaço que é levado pelo caminhoneiro. Enquanto o contêiner é lacrado, um funcionário cadastra a carga no sistema. No porto, as informações aparecem na rede de computadores da Vigilância Agropecuária (Vigiagro). O fiscal abre o certificado sanitário e confere as informações. 
 
Segundo Vidal Melo, aluno de doutorado da Escola Politécnica da USP, que trabalha no Gaesi e é o coordenador técnico do projeto, o conceito “acaba com a necessidade de um processo em papel acompanhar a carga”, fazendo com que gere uma cópia no lacre que acompanha a carga. Graças à digitalização, o processo pode ser distribuído eletronicamente a todos os órgãos envolvidos – como o despachante aduaneiro, a Vigiagro, a Receita Federal –, fazendo com que não seja preciso mais aguardar o caminhão chegar ao porto com a documentação em papel.
 
Trocando em miúdos, ” todas as etapas necessárias relativas àquele processo podem ser adiantadas durante a viagem do caminhão entre a fábrica – no caso os frigoríficos – e o porto”, explica Melo, que é dono da Pirus Tecnologia, empresa incubada na USP que irá comercializar o software.
 
Criada para tornar mais rápido o desembaraço de cargas para exportação, a tecnologia foi testada recentemente entre São Paulo e Navegantes, Santa Catarina. No estado de São Paulo, a carne saiu da esteira de um frigorífico em Lins, no interior, e percorreu 500 km em dois contêiners –  um com o lacre, outro sem – até o porto de Santos. A documentação foi analisada pela Vigiagro, órgão do Ministério da Agricultura que faz a inspeção e a fiscalização do trânsito internacional de vegetais, seus produtos e subprodutos, e pela Receita Federal. Sem o sistema, a liberação só aconteceu mais de um dia depois. Com o sistema, levou 1h e 28 minutos. No segundo teste, em Santa Catarina, até ser liberada, a carga levou 100 horas.  
 
Nos 200 casos medidos em São Paulo, o processo ficou em média 57 horas mais rápido. Já nos outros 200 medidos em Santa Catarina, a agilidade chegou a uma média de 109 horas. Um tempo precioso demais para ser desperdiçado por um país que precisa ser mais competitivo. Em um ranking recente que avaliou a competitividade nos portos de 14 países, o Brasil ficou em último lugar, atrás de Argentina, Polônia e Colômbia.
Melo diz que o projeto demonstrou que a demora não é devido à falta de trabalho do governo, ou à lentidão das autoridades. “O projeto deixou claro que essas 57 ou 109 horas devem-se à diversas interferências sofridas antes da documentação em papel chegar aos órgão do governo, no caso o Vigiagro”, explica Melo.
 
Menos tempo no porto
 
Segundo Eduardo Mario Dias, professor-titular do departamento de engenharia de energia e automação elétrica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do projeto,  o desembaraço fica mais rápido porque “diminui o tempo que o caminhão fica no porto”. Dias acrescenta dizendo que um dos maiores problemas enfrentados pelos agentes públicos que atuam nos portos “é a falta não só de informações como de compartilhamento de dados entre todos os envolvidos” no processo. “É um problema de gestão”, completa.
 
A equipe da USP trabalha no desenvolvimento de soluções para a chamada cadeia logística segura, cujo objetivo é usar tecnologias em determinadas cadeias para automatizá-las e torná-las seguras. No caso do Canal Azul, foi escolhida a exportação de proteína animal – identificada pelos pesquisadores como uma das candidatas à reformulação. Com o apoio do Ministério da Agricultura, o grupo começou os estudos em torno da cadeia logística segura em 2009, mas o Gaesi já tem 20 anos de experiência no mundo da logística.
 
Segundo Melo, a inovação do sistema desenvolvido pela equipe “foi principalmente na integração de diversas tecnologias para atender a um processo, garantindo agilidade, autenticidade, confidencialidade, não repúdio e indicadores de fraudes”. Para gravar a cópia eletrônica no lacre do contêiner, os pesquisadores usaram identificação por rádio-frequência (RFID). Outras tecnologias usadas por eles foram certificação digital ICP-Brasil para dar validade jurídica aos documentos eletrônicos; troca eletrônica de dados; e armazenamento da informação na nuvem; detecção eletrônica de violações para o RFID; e dispositivos móveis para interação no campo.
 
Dados do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) mostram que a agricultura brasileira tem perdido US$ 4 bilhões por ano; e a indústria, US$ 17 bilhões. No total, o Brasil tem um prejuízo de US$ 23 bilhões em virtude de portos e estradas ruins. Referindo-se a esse panorama nada promissor, em entrevista ao Bom Dia Brasil no começo de abril, o ministro da Agricultura, Antonio Andrade, disse que o país precisa agilizar e melhorar sua logística e sua infraestrutura para adequar a grande produção. O ministro não só aprovou o sistema, como acredita que “até o fim do ano teremos esse lacre eletrônico em todos os portos brasileiros”.
 
Futuro
 
Enquanto isso, o sistema está sendo testado experimentalmente por um ano nos estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Desde o começo de maio, dez frigoríficos ligados à Associação Brasileira de Indústria Exportadora de Carne (Abiec) começaram a usar o lacre para o transporte de cargas de carne bovina com destino ao porto de Santos. Na época, a Abiec apresentou resultados de testes realizados em setembro do ano pasado. Foram feitas 174 medições de tempo durante duas semanas com cargas que foram transportadas do frigorífico JBS, de Lins até o Porto de Santos. Os resultados mostraram que é possível diminuir em 57 horas o tempo entre a chegada dos contêiners ao porto e a liberação para o embarque. A expectativa era de que esse tempo fosse de apenas 24 horas.
 
Nesta quarta-feira (22), no Rio de Janeiro, os pesquisadores deverão apresentar à Finep e a outros órgãos envolvidos com a questão de logística um pedido de financiamento para a segunda etapa do projeto, que inclui a integração de informações armazenadas no chip com os demais órgãos da cadeia produtiva, como a Receita Federal e a Plataforma de Gestão Agropecuária (PGA). Também está previsto, para a nova etapa, o cálculo da economia que a automação pode trazer ao Custo Brasil. Segundo projeções da Abiec, apenas com carne bovina as indústrias devem deixar de gastar R$ 15 milhões por ano com energia elétrica usada na refrigeração dos contêineres.  
Redação

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