Ambiente, a nova causa dos êxodos em massa

Do IHU Online

Os ‘novos’ refugiados. Há mais deslocados por catástrofes do que por conflitos

Um relatório da Organização Internacional para as Migrações lança este dado: hoje, os acidentes naturais provocam êxodos em massa e são a primeira causa das migrações humanas.

A reportagem é de Eduardo Febbro, publicado no jornal Página/12, 23-01-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Os deslocamentos de populações relacionados com os desastres climáticos e ambientais superaram os deslocamentos provocados pelos conflitos armados. O que parecia uma ficção para o cinema se tornou uma realidade durante a primeira década do século XXI. Um relatório publicado em Genebra pela Organização Internacional para as Migrações (OIM), juntamente com o Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Relações Internacionais (IDDRI), dá conta desse novo fenômeno que afeta todos os continentes.

O relatório, State of Environmental Migration 2010, apresenta um quadro de dados significativos: em 2008, 4,6 milhões de pessoas tiveram que se deslocar dentro de seus países por causa de um conflito armado, enquanto outras 20 milhões tiveram que fazer isso devido a uma catástrofe natural.

 

Os números só aumentaram: em 2009, havia 15 milhões de deslocados “ambientais” e, em 2010, o número subiu para 38 milhões. Hoje, o deslocamento climático ou ambiental é a primeira causa das migrações humanas. Esses dados podem ser comparados com o número de refugiados políticos que existem no mundo: 16 milhões de pessoas, 12 milhões sem os palestinos.

As hecatombes ambientais destacadas nesse exaustivo trabalho não dizem respeito apenas às que poderiam ser chamadas de naturais e violentas, mas também aos processos mais lentos que acabam modificando a relação do ser humano com o lugar em que vive. Um exemplo de deslocamento climático involuntário é o que aconteceu no Nepal com o desaparecimento das geleiras do Himalaia. As geleiras foram derretendo, a água transbordou os chamados rios glaciares, e isso acarretou poderosas que obrigaram as populações ao deslocamento.

Tsunamis, terremotos, inundações na TailândiaChina ou nas Filipinas, secas no Sudão, o acidente deFukushima, tempestades na Europa, todos esses acidentes naturais violentos provocaram deslocamentos em massa. E o futuro não se anuncia melhor. François Gemenne, pesquisador do IDDRI e coordenador do relatório, prevê que, “em 2011, os números serão semelhantes aos de 2010”.

A degradação gradual do meio ambiente provocada pelo homem também tem uma influência determinante nesse fluxo migratório. Um exemplo disso é o que ocorre no Brasil. O relatório da Organização Internacional para as Migrações cita o exemplo do que acontece no Nordeste do Brasil. Na Amazônia, o desmatamento trouxe consigo a ocupação das terras, mas depois, uma vez que os solos arrasados chegaram ao limite de sua capacidade, as populações que ali se instalaram não obtêm mais recursos e devem migrar.

Os deslocamentos ambientais têm um caráter mais dramático do que as migrações econômicas. Em primeiro lugar, em muitos casos, os países que se veem diante desses problemas não são diretamente responsáveis pelas mudanças climáticas que induzem ao deslocamento populacional. Em segundo, ao contrário do que ocorre com os migrantes econômicos que partem em busca de uma vida melhor, os já quase refugiados ambientais não entendem o que acontece com eles e esperam sempre poder voltar às suas terras, o que é praticamente impossível.

Em ambos os contextos, um dos maiores desafios é garantir que os países diretamente responsáveis pelas mudanças climáticas e, consequentemente, pela migração ambiental alimentem um fundo para ajudar os países que são vítimas das variações climáticas.

O dispositivo já foi evocado durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Clima, realizada em Cancún(México), em 2010. O artigo 14-F se refere às migrações e aos deslocamentos conectados com as mudanças climáticas e aborda um pacote de medidas que deveriam ser financiados por um Fundo Verde. No entanto, o artigo existe, mas o fundo está vazio.

Os países ricos se comprometeram a contribuir 100 bilhões de dólares por ano a esse fundo, mas apenas a partir de 2020. A um ritmo de quase 40 milhões de migrantes ambientais por ano, dentro de oito anos haverá 320 milhões de deslocados sem assistência internacional alguma. A arquitetura jurídica internacional existente não ampara esses refugiados. A convenção de Genebra sobre os refugiados, adotada em 1952, não contempla o esquema da migração ambiental, em especial porque esses deslocados se movimentam quase que exclusivamente dentro das fronteiras de seus países.

Em junho de 2011, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os RefugiadosAntonio Guterres, interveio a fim de serem adotadas “novas medidas para enfrentar os deslocamentos populacionais gerados pelas mudanças climáticas e as catástrofes naturais”.

Todos os especialistas se preparam para um futuro climático extremo. François Gemenne antecipa que “é preciso refletir agora sobre um contexto de forte aquecimento, o que vai implicar uma nova distribuição das populações na superfície da Terra. Há regiões que deixarão de ser habitáveis, e seus habitantes deverão migrar”.

Dois relatórios paralelos sustentam a tese de que o amanhã será pior. Um deles é um estudo estatístico elaborado pelo Centro de Pesquisas de Epidemiologia dos Desastres (CRED), da Universidade Católica de Louvain (Bélgica), e que mostra como, desde 1970, os desastres vêm aumentando de forma constante. O segundo trabalho é o relatório especial publicado em novembro passado pelo GIEC, o Grupo de Especialistas Intergovernamental sobre a Evolução do Clima. O GIEC prevê que os acidentes meteorológicos extremos aumentarão constantemente nos próximos anos.

O relatório State of Environmental Migration analisou situações climáticas extremas, inclusive nos países ricos, neste caso a França. O trabalho se concentrou particularmente nas crises climáticas que eclodiram em 2010 no Paquistão (inundações), na Rússia (incêndios florestais), no Haiti Chile (terremotos), e na França(tempestades).

O caso francês ilustra que nem os países ricos estão protegidos dos deslocamentos de populações forçados pelo clima. A tempestade Xinthia atingiu a costa atlântica francesa entre os dias 26 fevereiro e 1º de março de 2010. Sua passagem deixou um saldo de 59 mortos e milhares de deslocados permanentes. Dada a exposição de diversas regiões a possíveis tempestades futuras, o governo francês as decretou inabitáveis. Com isso, milhares de pessoas que viviam nessas regiões se viram obrigadas a deixar suas casas e suas terras para sempre.

Nesse contexto específico e depois de analisar os erros cometidos pelos poderes públicos franceses na gestão dessa crise, a OIM enfatiza a importância da elaboração das políticas públicas para administrar as catástrofes climáticas maiores.

É lícito citar o desastre, ao mesmo tempo climático e político, que levou ao furacão Katrina, que atingiu Nova Orleans em 2005. Cerca de 1,2 milhão de pessoas foram deslocadas, e um terço dos habitantes nunca voltou para seus lares.

Luis Nassif

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