Como a França tenta combater a radicalização

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Estratégia visa detectar e abordar potenciais terroristas islâmicos em companhias, escolas e, sobretudo, prisões
 
Presídio Vendin-le-Vieil, norte da França, tem programa para detentos islamistas radicais
 
 
Por Lisa Louis 
 
No DW
 
A França está enfrentando o dia seguinte de mais um atentado terrorista, desta vez numa feira de Natal em Estrasburgo. Logo após o ataque de maio, em Paris, em que morreu um passante, o país abriu uma ala de prisão recém-reformada para avaliar detentos radicais, como parte da estratégia de desradicalização lançada pelo governo.
 
O programa de 60 pontos visa ajudar a detectar elementos islamistas radicalizados em companhias, na administração, escolas e clubes esportivos. Mensagens de conteúdo perigoso devem ser retiradas mais rapidamente da internet, e as redes sociais, transformadas em instrumento mais eficaz para mostrar como resistir à pregação radical.
 
O governo também pretende adotar uma abordagem diferente para os prisioneiros em questão. Um máximo de 24 deles será avaliado por vez na nova ala. “Vamos ter oito semanas para interrogar os internos, com uma equipe de educadores, agentes de condicional e psicólogos”, relata Vincent Vernet, diretor do presídio de alta segurança Vendin-le-Vieil, no norte da França.
 
“Então, ou os poremos em confinamento solitário, se forem extremamente perigosos e radicalizados, ou serão enviados para uma ala com equipe interdisciplinar própria. Essa é para os que não parecem prestes a cometer um atentado, mas poderiam incitar outros a fazê-lo.”
 
Seis alas de avaliação estão ou estarão em funcionamento por toda a França. Elas serão totalmente isoladas dos demais blocos e terão guardas especialmente treinados – assim como as seções das prisões aonde os detentos serão enviados posteriormente. Até o fim de 2019, elas disporão de espaço para 1.500 prisioneiros.
 
“É realmente importante isolar os presos radicalizados, para assegurar que eles não disseminem suas ideias salafistas, especialmente para gente vulnerável ou para os que estão um pouco perdidos”, explica Vernet.
 
Após ou no lugar da sentença de prisão, um juiz pode ordenar que os detentos islamistas participem de um programa de desradicalização, como o da cidade de Mulhouse, na Alsácia. O esfaqueador de maio, em Paris frequentou o curso médio nessa região. Também costumava viver lá um dos autores dos atentados de novembro de 2015, que fez 130 vítimas.
 
O esquema-piloto foi idealizado pelo procurador da República Dominique Alzeari e lançado em outubro de 2015. Desde então, cerca de 30 detentos passaram pelo programa de seis meses a dois anos, assistidos por uma equipe multidisciplinar que inclui psicólogos e educadores.
 
Críticos apontam, porém, que o foco da estratégia governamental contra a radicalização está equivocado. Entre eles está Mohamed Bajrafil, um dos imãs mais progressistas da França, que prega numa mesquita de Ivry-sur-Seine, nos subúrbios do sudeste da capital.
 
“É responsabilidade do governo defender o país, proteger seu povo e supervisionar a educação. Mas a nova estratégia é quase exclusivamente de defesa e proteção, não há praticamente nada sobre como ensinar um islã pacífico. E no entanto essa seria a arma mais eficiente na luta contra a radicalização”, comenta.
 
“Somos muitas vezes feitos de bode expiatório, temos que nos justificar e nos dissociar de atos bárbaros que não são de nossa autoria. Mas somos parte desta nação e, ao nos culpar, os políticos estão fazendo o jogo dos islamistas radicais. Aí estes podem dizer aos recrutas em potencial que a França não gosta de seus muçulmanos, de qualquer jeito”, frisa Bajrafil.
 
Estigmatizar o islamismo é especialmente nocivo pois, ironicamente, a religião é muitas vezes o único caminho para trazer de volta aqueles inclinados a serem recrutados como terroristas, aponta Fabien Truong, docente do Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade de Paris 8.
 
Nos últimos dois anos, no subúrbio parisiense de Grigny, ele entrevistou amigos e a família de Amedy Coulibaly, o jovem muçulmano que, em janeiro de 2015, atacou o supermercado judaico Hypercacher, matando quatro reféns, logo após o atentado mortal à redação da revista satírica Charlie Hebdo.
 
“O governo praticamente não investe em atividades culturais ou na educação, nessas áreas. Os jovens de lá se sentem abandonados, e muitos se envolvem em atividades criminosas como o narcotráfico. No fim dos 20 anos, muitos estão procurando uma saída. Mas ter uma boa carreira a essa altura em geral é complicado, e o islã pacífico é a única esperança que eles têm de dar um novo sentido à vida.”
 
No geral, são pouquíssimos os que adotam o islamismo radical como uma desculpa para cometer um atentado terrorista, estima Truong, “então, se demonizamos o islã em geral, bloqueamos para essas pessoas o caminho de volta à vida normal”.
 
Em vez disso, insiste, o governo deveria investir mais dinheiro em atividades culturais e educação nos subúrbios. “Isso eliminaria, entre os jovens, as razões de se voltarem para um islamismo radical, pois se sentiriam menos rejeitados pela sociedade francesa.”
 
A relação da França com a religião é complicada, norteada pelo princípio do laicismo – a separação entre Igreja e Estado – e isso também prevalece na prisão.
 
“No combate à radicalização, há a abordagem dos belgas, que cooperam de perto com representantes religiosos, tentando ensinar um islamismo pacífico a seus detentos”, conta o diretor de presídio Vernet. “Mas nós temos uma abordagem diferente: não queremos mudar as ideias religiosas das pessoas, só queremos impedi-las de partir para a ação.”
 
Entretanto Xavier Crettier, professor de ciência política no instituto Sciences Po Saint-Germain-en-Laye e membro do think tank Observatório de Radicalismo Político, duvida que essa estratégia vá funcionar: “Só argumentos religiosos podem convencer as pessoas a abandonarem sua abordagem radical”. Para ele há dois modos de alcançar esse fim.
 
“Os que retornam da Síria e do Iraque poderiam ser convocados a contar sobre suas experiências. Lá, os guerrilheiros fumam, bebem, violentam mulheres. Será difícil para os radicalizados continuar a acreditar na teoria do ‘Estado Islâmico’, quando confrontados com esses fatos.”
 
Ou o governo tentaria convencê-los que um islamismo pacífico é possível. “Quem poderia fazer isso são aqueles cujas opiniões os salafistas jihadistas respeitam, mesmo sem concordar com elas. Por exemplo, os assim chamados salafistas pietistas, que praticam um islã muito rigoroso, mas pacífico.”
 
No entanto, o governo francês insiste que sua estratégia está funcionando. Somente em 2017, teriam sido evitados 20 ataques terroristas, por toda a França. Consta que pelo menos um deles estava sendo planejado de dentro do próprio presídio.
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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