Cronologia de um desastre que se anuncia

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Violência e gangsterismo marcam ação do governo e manifestantes ucranianos. Agora, todos os possíveis desfechos parecem negativos

Por Igor Storchak | Tradução: Ricardo Cavalcanti-Schiel

Ainda não sabemos quem são os roteiristas, mas analisando o drama, podemos ver suas diferentes etapas:

1. Em 28 de novembro o presidente da Ucrânia, Vítor Yanukovich, decide postergar a assinatura do acordo de associação com a União Européia, pelas perdas econômicas que implicaria na relação com a Rússia.

2. A oposição convoca um protesto na Praça da Independência. Em 30 de novembro, a polícia reprime centenas de manifestantes e desocupa a praça. Fica um mal-estar e decepção na sociedade, mas não mais que isso.

3. Na noite de 30 de novembro, quando os protestos dos partidários da integração da Ucrânia à Comunidade Européia perdiam intensidade, as forças especiais da polícia, de forma surpreendente, atacam um grupo de estudantes, surrando-os selvagemente. A TV mostra as imagens a todo o país, a oposição imediatamente faz um chamado ao povo e no dia seguinte, para surpresa de todos, saem um milhão de pessoas à rua em Kiev, uma cidade de 3 milhões de habitantes.

4. No dia seguinte, 1º de dezembro, um grupo de radicais falando russo (a grande maioria dos ativistas fala ucraniano) ataca com paus e correntes um grupo de alunos da escola militar e da polícia antidistúrbios. Os atacantes tratam de enredar os civis que protestavam pacificamente nos seus atos de agressão. Os policiais presenciam a situação mais de uma hora e meia sem receber ordens para reprimir, e quando ela chega, reprimem brutalmente. A maioria das vítimas é de civis inocentes. Dezenas de outros inocentes são presos. A TV russa filma tudo e imediatamente as imagens vão ao ar nos canais controlados pela oposição ucraniana. Resultado: o povo chega à Praça da Independência, se instala em barracas e cerca os tribunais de justiça. As forças policiais já pareciam seguras de que todos os manifestantes eram extremistas, e atacam prontamente, enquanto os demais já não duvidam que os policiais antidistúrbios são carrascos sanguinários, provavelmente mercenários russos vestidos como policiais ucranianos.

5. Em 11 de dezembro, quando a tensão baixa gradativamente, organizam-se “mesas redondas”, chegam muitos emissários europeus oferecendo intermediação e parece que todos estão a ponto de chegar a um acordo. A polícia ucraniana, sem maior entusiasmo, realiza uma tentativa de desocupar a Praça da Independência, e o faz com bastante cautela e sem atacar ninguém. Em resposta, por toda a cidade tocam os sinos das igrejas e o povo sai de casa às duas horas de uma madrugada gelada para defender a praça. O transporte público já não funcionava, e os taxistas levam as pessoas ao centro gratuitamente. Ao final, o povo, que já estava perdendo o entusiasmo inicial, se anima novamente e constrói barricadas de três metros. Os chefes policiais ficam incomodados porque não receberam ordens para reprimir.

6: Passa quase um mês. O Presidente Yanukovich viaja a Moscou e recebe de Putin a promessa de um crédito de 15 bilhões de dólares. Passadas as festas de Ano Novo, o povo está cansado, e na Praça nota-se uma certa desilusão e esgotamento. De repente, em 16 de janeiro, o parlamento ucraniano, violando todas as normas, aprova as chamadas “Leis da Ditadura”, que proíbem de forma estrita todas as manifestações públicas. O povo recebe a notícia e não pode acreditar. Todos novamente se despejam nas praças e no centro da cidade. A oposição política se vê cada vez mais passiva e indecisa.

Em 19 de janeiro, os mesmos jovens que foram os provocadores do 1º de dezembro (a mesma idade, os mesmos refrões e os mesmos métodos) atacam absurdamente, num domingo, o Palácio do Governo vazio, e com muita violência agridem novamente a polícia e as tropas especiais. O povo, exausto com a passividade da oposição política, cai na provocação e também participa, lançando coquetéis molotov nos representantes do poder. Começam os combates de rua, o resultado: 40 policiais e militares e centenas de civis feridos. O governo determina o uso de carros lança-água contra a multidão, mesmo com uma temperatura de 5oC abaixo de zero. Um dos líderes da oposição, o boxeador Vitali Klichko, tenta se reunir com o Presidente, que trata de ganhar tempo e não o recebe. Os ódios de ambos os lados crescem.

7. A partir desse momento, aparecem maciçamente nas ruas jovens musculosos, muitos deles com passado delitivo, contratados pelo governo para amedrontar os manifestantes. Os ativistas radicais começam a caçá-los, levando alguns deles à Praça da Independência para surrá-los, ainda que sem maior selvageria, mostrando-os à imprensa. No dia 22 de janeiro, Dia da União da Ucrânia, novo feriado do país, franco-atiradores desconhecidos matam cinco pessoas. Todos os disparos foram feitos por profissionais, diretamente no coração ou na cabeça das vítimas. Carros sem placa começam a sequestrar ativistas e transeuntes casuais, suspeitos de simpatizar com Maidan. Torturam selvagemente dezenas destas pessoas, as desnudam e as atiram na neve. Também queimam os carros de muitos ativistas. Os canais de televisão controlados pela oposição mostram os mortos e a brutalidade policial. Pela Internet, todo o país vê um vídeo que começa a circular, em que policiais, depois de torturar, desnudam na neve um ativista e, em seguida, tiram fotos com ele. Matam um conhecido líder social, doutor em ciências…

Alguém invisível parece muito interessado em dividir-nos e enfrentar-nos…

* Igor Storchak é diretor de cinema ucraniano

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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