Declarações de Bolsonaro podem prejudicar relações econômicas com a Alemanha

Presidente do Brasil também coloca em riscos acordo entre Mercosul e União Europeia que ainda precisa ser ratificado pelos membros dos dois blocos

Bolsonaro durante sua campanha eleitoral, em 7 de outubro de 2018, no Rio de Janeiro. Foto: MAURO PIMENTEL/AFP

Jornal GGN – As declarações do presidente Jair Bolsonaro colocam em risco o acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia, a tentativa do país de entrar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e ainda pode fazer o Brasil sofrer sanções da Alemanha. Essa é a avaliação de especialistas ouvidos em matéria da DW Brasil.

Reportagem divulgada nesta quarta-feira (21) destaca que, há cerca de uma década, em 2008, o Brasil e a Alemanha comemoravam o fortalecimento das relações comerciais. Na época, o Brasil despontava como o principal parceiro comercial do país europeu na América Latina.

Entre 1998 e 2008, as transações entre os dois países mais que dobrou, passando de 8,4 bilhões de euros para 18 bilhões de euros. Mas, de 2008 até 2018, o movimento assistido foi o inverso, e o comércio entre Brasil e Alemanha caiu para 16,9 bilhões de euros, segundo dados do Departamento Federal de Estatísticas da Alemanha (Destatis). O órgão do governo alemão teme que os resultados piorem na gestão Bolsonaro por conta dos atritos diplomáticos.

No período entre 2008 e 2018, a venda de produtos brasileiros para a Alemanha caiu de 8,8 bilhões de dólares para 5,2 bilhões, mesmo com a desvalorização do real diante do dólar. O saldo negativo de um ano para o outro é equivalente a 5,3 bilhões de dólares hoje, corrigido pelo índice de inflação no período entre 2008 e 2018.

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Já as importações de produtos alemães para o Brasil caíram de 12 bilhões de dólares para 10 bilhões de dólares no período – saldo de 3,8 bilhões de dólares corrigindo a inflação.

Preocupado com a mudança na gestão do Fundo Amazônia, promovida unilateralmente pelo governo Bolsonaro, o Ministério do Meio Ambiente da Alemanha anunciou no início de agosto a suspensão de 35 bilhões de euros (cerca de 157 milhões de reais) que seriam doados para financiar projetos de proteção à Amazônia.

Em resposta à decisão, Bolsonaro disse que o Brasil “não precisa” do dinheiro. “Ela [Alemanha] não vai mais comprar a Amazônia, vai deixar de comprar a prestações a Amazônia. Pode fazer bom uso dessa grana. O Brasil não precisa disso”.

Alguns dias depois dessa declaração, o presidente brasileiro voltou a criticar a Alemanha. “Eu queria até mandar recado para a senhora querida [chanceler federal da Alemanha] Angela Merkel, que suspendeu 80 milhões de dólares para a Amazônia. Pegue essa grana e refloreste a Alemanha, tá ok? Lá tá precisando muito mais do que aqui”.

Poucos dias depois do anúncio da Alemanha, ministro do Clima e Meio Ambiente da Noruega, Ola Elvestuen, divulgou a decisão do país de suspender o repasse de 300 milhões de coroas norueguesas (133 milhões de reais) que seriam destinados ao Fundo Amazônia. E, mais uma vez, Bolsonaro respondeu em tom de deboche:

“A Noruega não é aquela que mata baleia lá em cima, no Polo Norte, não? Que explora petróleo também lá? Não tem nada a oferecer para nós. Pega a grana e ajuda a Angela Merkel a reflorestar a Alemanha”.

A DW ressalta que a embaixada alemã em Brasília já admitiu que o impasse pode provocar o fim do fundo. Em relação ao impacto sobre as relações comerciais Brasil-Alemanha, o professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, Oliver Stunkel respondeu ao jornal que a postura de Bolsonaro tende a isolar o Brasil no cenário internacional.

“O Fundo Amazônia é um dos pilares dessa relação, e agora ele caiu. É indício de que pode haver redução de pontos de diálogo. Tenho dúvidas de quantas vezes ainda terá diálogo em áreas como ciência e tecnologia. Vejo que o país passará por um momento bem difícil”, disse prevendo, em seguida, riscos ao acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia que ainda precisa ser ratificado pelos parlamentares de todos os países-membros dos dois blocos.

No sábado, o jornal alemão Der Spiegel divulgou um editorial com o título “Chegou a hora de impor sanções contra o Brasil”.

“Chegou a hora de se pensar em sanções diplomáticas e econômicas contra o Brasil. Os produtos agrícolas brasileiros devem desaparecer dos supermercados da UE se não for possível comprovar que foram produzidos em condições ambientalmente justas. Os poderosos grandes fazendeiros, que apoiam decisivamente Bolsonaro, devem sentir que sua atitude tem um preço. Porque seu ídolo não só inflige danos imensuráveis a seu próprio país, mas ao mundo todo”, pontuou a mídia.

Já para Betina Sachsse, gerente para o Brasil da Lateinamerika Verein, associação de empresas alemãs com foco na América Latina, as farpas diplomáticas podem levar tempo para impactar nas relações comerciais, isso porque a Alemanha costuma tratar política e economia de maneira separada.

Atualmente o Brasil é o 29º no ranking comercial da Alemanha, perdendo o posto de primeiro lugar na América Latina para o México. Em 2008 a posição do Brasil no ranking dos parceiros econômicos da Alemanha era a 21ª.

Sachsse ressalta que os fatores que fizeram o Brasil perder posições foram a instabilidade política do país nos últimos anos e o crescimento da China, país que ampliou a participação comercial tanto com a Alemanha quanto com o Brasil. Ela ainda destaca que o Brasil segue como mercado atrativo às empresas alemãs, sobretudo nos segmentos de remédios e equipamentos médicos.

“Se esquecer as discussões políticas e observar os números da economia, está todo mundo em posição de espera”, diz Sachsse. Por outro lado, a representante da Lateinamerika Verein pondera que se as declarações de Bolsonaro atingirem a área de direitos humanos, o comércio entre os dois países poderá ser diretamente afetado.

“Em 2016, o governo alemão adotou o Plano de Ação Nacional para Implementação dos Princípios das Nações Unidas para as Empresas e os Direitos Humanos (NAP, na sigla em alemão), com diretrizes para orientar as empresas do país a respeitarem os direitos humanos e o meio ambiente em toda a cadeia produtiva. Aderir ao plano, por enquanto, é um ato voluntário, mas Sachsse afirma que deve se tornar obrigatório. Nesse caso, empresas alemãs com negócios no Brasil poderiam sofrer penalizações caso se relacionassem com fornecedores brasileiros que descumpram essas diretrizes”, escreve Cristian Edel Weiss que assina a matéria.

A reportagem da DW destaca ainda que companhias alemãs aguardam com interesse as reformas da previdência e tributária para investirem no Brasil.

*Clique aqui para ler a matéria na íntegra.

Redação

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