Nobel da Paz fala do mundo interligado, problemas e soluções

Por Marco Antonio L.

Do Sul 21

Mohamed ElBaradei: “Diálogo é a única alternativa para conflitos”

ElBaradei ficou mundialmente conhecido por sua atuação como diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Natália Otto

Em um mundo cada vez mais interligado, as ameaças não têm mais fronteiras e questões de segurança nacional já não dizem respeito a apenas um Estado. A única solução possível para os desafios da humanidade é o diálogo e a atuação conjunta de uma comunidade internacional baseada nos mesmos valores. Esta é a mensagem deixada pelo diplomata egípcio Mohamed ElBaradei, vencedor do Nobel da Paz em 2005, aos presentes em sua palestra no ciclo Fronteiras do Pensamento, no Salão de Atos da UFRGS, nesta quarta-feira (31).

ElBaradei ficou mundialmente conhecido por sua atuação como diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), principalmente durante o processo que antecedeu a invasão do Iraque pelos Estados Unidos, em 2003. O diplomata e sua equipe lideraram avaliações no país de Saddam Hussein e declararam, em nome das Nações Unidas, que o estado não possuía armas de destruição em massa. Apesar de não terem conseguido dissuadir o governo Bush de invadir o Iraque, ele e a AIEA receberam o Nobel da Paz por seu trabalho em 2005.

Com um discurso que iniciou enumerando os vários problemas compartilhados por praticamente todas as nações – conflitos militares, desigualdade social, mudanças climáticas – mas marcado pelo otimismo, ElBaradei falou ao público sobre a nova conjuntura de segurança no mundo, os conflitos no Oriente Médio e a questão das armas nucleares.

Mohamed ElBaradei: “poder militar está cada vez mais obsoleto na busca pela segurança nacional” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Do poder militar para o soft power

O diplomata é um crítico ferrenho do uso de poderio militar para resolver conflitos internacionais. “O mundo está mudando em uma velocidade incrível. Nem mesmo o melhor dos profetas poderia prever todos os eventos que vão surgir e é impossível dizer as consequências que os próximos cinco anos terão na humanidade”, contextualizou. “Mas de uma coisa sabemos: o poder militar está cada vez mais obsoleto na busca pela segurança nacional”.

Ele usou como exemplo os Estados Unidos, maior potência militar do mundo. As duas recentes guerras iniciadas pelo país (no Afeganistão, em 2001, e no Iraque, em 2003) tornaram-se conflitos arrastados, sem resolução ou vitória clara por parte dos americanos. “O que isso nos diz sobre supremacia militar?”, provocou ElBaradei.

Para o diplomata, é preciso investir no soft power – ou “poder brando”, em português – uma técnica de relações internacionais que investe em atributos não militares para resolver conflitos. Um estado que possui muito soft power é uma nação admirada e influente internacionalmente.

Ameaças não possuem fronteiras, segundo ElBaradei, que defende uso do soft power por órgãos como a ONU | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

“Quando você consegue convencer os outros a concordar com suas ideias, não precisa usar a força”, explicou. “A sedução é mais forte do que qualquer poder militar. E valores como os direitos humanos são muito sedutores”, afirmou, explicando que o país que busca desenvolver um poder brando deve investir na promoção de valores comuns a todos a humanidade, como liberdade e dignidade.

Mohamed ElBaradei afirma também que osoft power é melhor empregado quando praticado por uma comunidade internacional organizada, como a Organização das Nações Unidas. Isso porque, como referiu em vários momentos de sua fala, as ameaças não possuem fronteiras. “O que é um conflito em algum país, logo se torna motivo de conflito em todos. Por isso precisamos sempre investir no diálogo”, insiste.

É preciso pôr fim a todas as armas nucleares

Após de uma trajetória de 20 anos na AIEA, ElBaradei desaprova completamente o uso e a posse de armas nucleares por parte de qualquer governo. “Não acho que verei o mundo livre de armas de destruição em massa tão cedo, mas espero que meus filhos possam viver em um mundo assim”, disse, otimista.

Para ele, a atual disposição de armas nucleares no mundo, na qual alguns países possuem armas e outros não, é insustentável. “As potências precisam entender que não pode haver um mundo em que alguns têm poder nuclear e outros não. Se alguns estados têm, você sempre terá outras nações buscando este poder, principalmente em áreas de conflito”, afirmou.

O diplomata pontuou que “não por coincidência” os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU – França, EUA, Rússica, China e Inglaterra – possuem armas de destruição em massa. “Elas concedem prestígio ao país”, disse.

O maior perigo da posse de armas nucleares é a possibilidade de que elas acabem nas mãos de grupos extremistas que não se preocupam com a segurança nacional e estariam dispostos a fazer sacrifícios em nome de uma causa. O diplomata explicou que esta é a possibilidade que mais motiva a comunidade internacional na luta contra o armamento nuclear.

ElBaradei acredita que é preciso estabelecer um tratado global pelo banimento das armas nucleares, como ocorreu com as químicas e as biológicas.

Busca de armas nucleares pelo Irã parte de um histórico de exploração 

No centro da questão nuclear da atualidade está o Irã. Para ElBaradei, “há um desejo do país de ser reconhecido na região como uma potência e uma ideia de que se o estado possuir tecnologia nuclear, outros não irão atacá-lo”.

Mohamed ElBaradei: invasão do Irã seria “um desastre completo” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Para entender as supostas aspirações iranianas, o diplomata alerta para a contexto histórico das relações do país com outras nações. “O Irã tem uma longa história de exploração de seus recursos por estrangeiros, que também apoiaram o regime violento do Xá até 1979”, explicou. “Não é surpreende que o país se sinta ameaçado”.

O diálogo, novamente, se mostra a única alternativa para a resolução do impasse. “Se o Irã fosse invadido seria um desastre completo. O Oriente Médio entraria em guerra e o preço do petróleo subiria muito”, explicou. “Só se pode resolver isso com negociação. Os Estados Unidos e o Irã precisam sentar lado a lado e resolver a desconfiança histórica que mina a relação dos dois”.

Balanço da revolução do Egito é positivo 

Além de seu papel na AIEA, ElBaradei também foi um nome importante na Primavera Árabe e, especificamente, na política doméstica do Egito, tendo sido cogitado por opositores do regime como possível sucessor de Hosni Mubarak. Após a queda do ditador, o diplomata fundou o Partido da Constituição, que une todas as forças liberais do país e tem o objetivo de promover uma mudança nas nova geração política do Egito.

Apesar da recente estagnação da revolução no país, onde as eleições foram controladas pelo exército e os cidadãos ainda não colheram os frutos dos protestos na praça Tahir, ElBaradei declara-se otimista. “Precisamos observar que o Egito viveu 60 anos em um regime totalitário, então as pessoas não sabem como uma democracia funciona. Será um processo lento”, ponderou.

Para ele, neste primeiro momento é preciso cuidar das necessidades básicas da população, a fim de evitar uma revolta popular. “Apesar de tudo, acho que a cultura do medo acabou. As pessoas estão na rua exigindo seus direitos”, comemorou. “É um caminho sem volta. As revoluções nunca são lineares e temos um longo caminho pela frente”, afirmou.

“Preciso agradecer ao Brasil por nos mostrar que transição da ditadura para a democracia, embora difícil, é possível” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Conflitos do Oriente Médio permanecem enraizados na questão Palestina

O diplomata afirmou que o recente levante da população árabe em países no Oriente Médio não conseguiu tocar na “ferida aberta” da região, o conflito entre Israel e Palestina. “Este é o centro de instabilidade da região. E como eu disse, a segurança dos países está interligada”, pontuou. Para ele, os milhões investidos em poderio militar na região, devido à instabilidade – que parte, em sua maioria, do histórico conflito com o estado judaico – poderiam ser investidos nas necessidades da população.

Apesar disso, ElBaradei está otimista com a possibilidade de paz no Oriente Médio. “Primeiro, porque a alternativa é a catástrofe. E segundo, porque já foi feito em outros lugares”, enumerou. Ele usou o Brasil e demais países da América do Sul como exemplo de uma região devastada por ditaduras militares nos anos 70 e que, hoje, funciona democraticamente, além de ter reduzido os níveis de pobreza em 70%.

“Preciso agradecer ao Brasil por nos mostrar que essa transição, embora difícil, é possível”, afirmou. “Sei que foi um processo lento e doloroso, mas espero que o Oriente Médio possa seguir o exemplo um dia”.

Para Nobel da Paz, é preciso estabelecer estados israelense e palestino e reconhecer direitos de ambos | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

ElBaradei usou a União Europeia como outro exemplo de região que foi destruída por guerras entre países vizinhos no século passado e que, hoje, vive em paz. “Hoje, um conflito armado entre os membros é impensável. Eles atingiram isso através de uma aposta no respeito mútuo e no foco nas coisas que os uniam, e não que os dividiam”, explicou. Para ele, o resultado prova que a integração humana é mais importante que idiomas ou fronteiras.

“Mas este processo não funcionará no Oriente Médio se a política não for inclusiva e pragmática, com o banimento das armas nucleares e a resolução do conflito palestino-israelense”, alertou. O egípcio afirmou que é preciso estabelecer dois estados, um palestino e um israelense, conceder direitos aos palestinos e também estabelecer um acordo que reconheça que Israel tem direito de existir nas fronteiras legalmente estabelecidas de 1948 sem sofrer ameaças.

ElBaradei afirmou também que o Oriente Médio é outro exemplo de que exércitos fortes não garantem a segurança de uma região, visto que países árabes fortemente militarizados vivem em constante conflito. “Segurança não é uma questão militar, e sim uma questão de acreditar que países podem viver em paz com seus vizinhos”, sentenciou.


Luis Nassif

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