O terrorismo e a extrema-direita, o mundo em explosão

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

Por Assis Ribeiro

Ato em Moscou em solidariedade às vítimas do atentado em Paris

As sociedades experimentam padrões de vida em deterioração, crescente insegurança social e pessoal e decadência dos serviços públicos enquanto as minorias abastadas prosperam cada vez mais.

A resposta subjetiva a estas condições tem sido as revoltas esporádicas que podem ganhar uma musculatura incontrolável pela fraqueza e lentidão das respostas dadas pelos governos. Em outras palavras, as condições objetivas não têm sido acompanhadas pelo crescimento das forças subjetivas capazes de transformar o Estado ou a sociedade.

Nos últimos anos uma série de movimentos de ruas iniciou o que pode se tornar algo próximo dos acontecimentos da década de 1960.

Movimentos das populações negras também surgem nos EUA após o “incidente” de Ferguson quando Michael Brown, um jovem negro, foi assassinado por Darren Wilson, um policial branco.  Esse acontecimento provocou o crescimento das manifestações e tornou-se símbolo da violência contra negros nos Estados Unidos.

Os problemas da intolerância contra os LGBT têm desencadeado uma série de protestos por parte das populações mundiais.

A intolerância aos imigrantes segue esse mesmo rastro.

Da Rede Brasil Atual

O terrorismo, a extrema-direita e o suicídio europeu, um continente em explosão

Por Flávio Aguiar

De um lado, fanáticos que reivindicam uma versão do islamismo incompatível com o próprio Islã. Do outro, neofascistas intolerantes. O futuro da Europa promete ser sombrio

O ato terrorista contra os jornalistas do francês Charlie Hebdo, em Paris, que também provocou ontem (7) a morte de um funcionário da revista, de dois policiais no ato e possivelmente de mais um em tiroteio posterior – num total de 12 mortos –, é mais uma face da grande ameaça que paira sobre a Europa.

O continente inteiro está assentado sobre uma bomba-relógio. Não é uma bomba comum, porque casos como o do Charlie Hebdo mostram que ela já está explodindo. Nas pontas da bomba estão duas forças antagônicas, com práticas diferentes, porém com um traço em comum: a intolerância herdeira dos métodos fascistas de antigamente – e de sempre.

De um lado, estão pessoas e grupos fanatizados que reivindicam uma versão do islamismo incompatível com o próprio Islã e o Corão, mas que agem em nome de ambos. Os contornos e o perfil desses grupos estão passando por uma transformação – o que aconteceu também nos Estados Unidos, no atentado em Boston, durante a maratona, e no Canadá, no ataque ao Parlamento, em Ottawa. Cada vez mais aparecem “iniciativas individuais” nas ações perpetradas.

Esse tipo de terrorismo se fragmentou em pequenos grupos – muitas vezes de familiares – que agem “à la cria”, como se dizia, em ações que parecem “espontâneas” e até “amalucadas”, mas que obedecem a princípios e uma lógica cuja versão mais elaborada, para além da “franquia” em que a Al-Qaïda se transformou, é o Estado Islâmico, que se estruturou graças à desestruturação do Iraque e da Síria. São fanáticos que negam a política consuetudinária como meio de expressão de reivindicações e direitos: negam, no fundo, a própria ideia de “direitos”, inclusive o direito à vida, como fica claro no gesto assassino que vitimou o Charlie Hebdo.

Do outro, estão os neofascistas – ou antigos redivivos – que se agarram à bandeira do anti-islamismo também fanático como meio de arregimentar “as massas” em torno de si e de suas propostas. Agem de acordo com as características próprias dos países em que atuam, mobilizando, de acordo com as circunstâncias, as palavras adequadas.

No Reino Unido, criaram o United Kingdom Independence Party – UKIP, Partido da Independência do Reino Unido, nome malandro que oculta e ao mesmo tempo carrega a ojeriza pela União Europeia. Na França têm a Front Nationale, da família Le Pen, que mobiliza o velho chauvinismo francês – que lateja o tempo todo desde o caso Dreyfus, ainda no século 19.

Na Alemanha é feio ser nacionalista alemão, desde o fim da Segunda Guerra. Então, criou-se um movimento – Pegida – que se declara de “Patriotas Europeus contra a Islamização do Ocidente”, procurando uma fachada pseudamente universalista para seus preconceitos anti-Islã e anti-imigrantes.

Essa, aliás, é a bandeira comum desses movimentos: fazer do imigrante ou do refugiado político ou econômico o bode expiatório da situação de crise que o continente vive, assim como no passado se fez com o judeu e ainda hoje se faz com os roma e sinti (ditos ciganos).

Na Itália, esse fascismo latente se organiza com o nome de “Liga Norte”, mobilizando o preconceito social contra o sul italiano, tradicionalmente mais empobrecido. São movimentos que, embora busquem por vezes o espaço da política partidária, como é o caso do Ukip e da Front Nationale, ou mesmo da Liga Norte, têm como cosmovisão a negação da política como espaço universal de manifestação de direitos e reivindicações.

Negam a política como campo de manifestação das diferenças, barrando ao que consideram como alteridade o direito à expressão ou mesmo aos direitos comuns da cidadania. O exemplo histórico mais acabado disso foi o próprio nazismo que, chegando ao poder pelas urnas, fechou-as em seguida.

O caldo de cultura em que vicejam tais pinças contrárias à vigência dos princípios democráticos é o de uma crise econômico-financeira que se institucionalizou como paisagem social. Na Europa, a tradição é a de que crises desse tipo levam a saídas pela direita. O crescimento do Ukip e da Front Nationale, partidos mais votados nas respectivas eleições para o Parlamento Europeu, em maio de 2013, é eloquente nesse sentido.

Na Alemanha, as manifestações de rua do Pegida vêm crescendo sistematicamente, atingindo o número de 18 mil pessoas na última delas, na cidade de Dresden, reduto tradicional de manifestações nostálgicas em relação ao passado nazismo devido a ter sido o alvo (também criminoso) de um bombardeio ao fim da Segunda Guerra pelos britânicos.

Deve-se notar, como fator de esperança, que manifestações contra essas formas de intolerância – o terrorismo que reivindica o Islã como inspiração e os movimentos de extrema-direita – têm tomado corpo também. Houve manifestações de solidariedade aos mortos na França em várias cidades europeias e, na Alemanha, manifestações contra o Pegida reuniram milhares de pessoas em diferentes cidades.

Mas pelo lado da extrema-direita cresce a aceitação de suas palavras de ordem na frente institucional (líderes do novo partido alemão Alternative für Deutschland têm acolhido reivindicações do Pegida) e junto à opinião pública. Na Alemanha, recente pesquisa trouxe à baila o dado preocupante de que 61% dos entrevistados se declararam “anti-islâmicos”.

Como ficou feio alegar motivos racistas, o que se alega agora no lado intolerante é a “defesa da religião” ou a “incompatibilidade cultural”. Os assassinos do Charlie Hebdo gritavam – segundo testemunhas – estarem “vingando o profeta”, referência a caricaturas de Maomé consideradas ofensivas.

Na outra ponta, jovens da Front Nationale, também no ano passado,  recusavam a pecha de racistas e declaravam aceitar o mundo muçulmano – em “seus territórios”, não na Europa agora dita “judaico-cristã”, puxando para seu aprisco a etnia ou religião que a extrema-direita europeia antes condenava ao ostracismo, ao campo de concentração e ao extermínio.

Os partidos e políticos tradicionais, em sua maioria, estão brincando com fogo, sem se dar conta, talvez. Não aceitam o reconhecimento, por exemplo, que grupos por eles apoiados na Ucrânia são declaradamente fascistas, homofóbicos e até antissemitas. Preferem exacerbar o sentimento antirrusso e anti-Putin.

Durante mais de uma década as duas agências do serviço secreto alemão concentraram-se em esmiuçar a vida dos partidos e grupos de esquerda (além dos possíveis terroristas islâmicos) e negligenciaram criminosamente o controle sobre os grupos e terroristas alemães.

No momento, o “grande terror” que se alastra no establishment europeu não é o de que a extrema-direita esteja em ascensão, embora isso também preocupe, mas é o provocado pela possibilidade de que um partido de esquerda, o Syriza, vença as eleições na Grécia (marcadas para dia 25 deste mês), forme um governo, e assim ponha em risco os sacrossantos pilares dos planos de austeridade.

Nega-se o pilar da democracia: contra o Syriza agitam-se as ameaças de expulsão da Grécia da zona do euro e até da União Europeia; ou seja, procura-se castrar a livre manifestação do povo grego através da chantagem política e econômica.

Se as coisas continuarem como estão, poderemos estar assistindo o suicídio da Europa que conhecemos. O que nascerá desses escombros ainda se está por ver, mas boa coisa não será, nem para a Europa, nem para o mundo.

10 Comentários

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  1. A maneira como os supostos

    A maneira como os supostos terroristas foram prontamente mortos segue o padrão do ataque em Boston, muita ingenuidade não perceber a quem interessa esse recrudescimento das tensões. Como a Rússia não quis entrar no joguinho de guerra fria, apelaram para o velho e bom radicalismo islâmico, que emprega os mesmos métodos fascistas que a extrema direita, no poder em muitos países ocidentais.

    Vamos aguardar o Patriot Act europeu, “solução” para a crise econômica e o caos social da austeridade financista-ortodoxa.

  2. No Brasil, a eleição do

    No Brasil, a eleição do Congresso mais conservador em décadas foi produto das “jornadas de junho”, por sua vez concebida pelas experiências de desestabilização da Primavera Árabe. Jair Bolsonaro, com sua votação record, é a cara desses movimentos.

  3. boa coisa não será.
    a

    boa coisa não será.

    a hegemonia conservadora que defende entre outros interesses a financeirização

    da economia e a posse do estado por estes financistas,

    certamente aprontará suas técnicas terroristas  

    para combater o terrorismo…dos outros..

    como fez, aliás, o bush filho, que aprendeu com o pai, claro.

     

  4. Deus!

    Agarrar-se a um deus dá nisso!

    Quando a humanidade vai entender que a invencionice de a ele creditar sua existência  não traz nada a ninguém.

    Quando entenderão que a fé conjugada com a realidade não passa num “teste” lógico do jardim primário.

    Quando acreditaremos que somos exclusivamente o que realizamos e jamais o que se pressupõe foi escrito e que constam de todas as escrituras.

    Quando aplacaremos nossas dores por nossas consciências? e não na famigerada palavra esperança.

    Fé e esperança, uma uma nefasta patologia da ignorância.

    Essa  é letal para a humanidade!

     

     

  5. Nem tudo é o que parece. Quem paga a conta?

    Por trás desse fascismo aparentemente espontáneo alguém paga a conta.

    Em dólares. 

    Na Ucrania, na Siria, na Venezuela. 

    No Brasil.

    Provavelmente os mesmos paguem as contas na Europa.

     

    A coisa é complexa.

    Só interesses geopoliticos?

    Ou algo mais?

     

    Não se pode esquecer do grupo Bildenberg.

    E outras sociedades mais herméticas,  com muito dinheiro.

    Sociedades manipuladoras de gente muito muito rica.

    Nem tudo é o que parece. 

  6. Condenamos o Nazismo porque

    Condenamos o Nazismo porque eles desconsideraram raças. Podemos muito bem condenar da mesma maneira os muçulmanos, igual fizemos com o Nazismo, pois eles desconsideram mulheres. Mulheres para eles é somente um meio de reprodução e nada mais. Elas são violentadas, apedrejadas, enforcadas etc. Isto é inadmissível. Sugiro tratar esse assunto com o mesmo grau que é tratado o Nazismo.

  7. Não há diferença entre o

    Não há diferença entre o terrorismo e a extrema-direita. Os radicais islâmicos tem a mesma ideologia dos conservadores, a diferença é que recebem ajuda financeira dos EUA e por isso conseguem realizar os atos terroristas. Se os brasileiros que espalham o ódio e a intolerância pelas redes sociais e nas bancadas fascistas (disfarçadas de religiosas), recebessem o apoio financeiro que os conservadores islâmicos tem, também cometeriam os mesmos atos, basta conhecer a história do “mito” dessa gente, para saber do que são capazes. Os muçulmanos são como todos nós, uma minoria é que causa problemas e usa a religião para espalhar o ódio, igualzinho aos cristãos.

  8. Não sei porque mas me lembrei
    Não sei porque mas me lembrei do apoio incondicional às vozes de junho de 2013 – e extrema visibilidade e condições materiais dadas aos grpos – e também aos “saudosos do regime” em 2014. Se estão contra nossos adversários, apoiemos. Depois a gente pensa em como conter o radicalismo, o niilismo, a violência se a coisa sair do controle; negamos qualquer vínculo, juramos inocência …

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