Papa critica “economia da exclusão e da desigual­dade social”

Sugerido por jvicente

Da site Agência Ecclesia

EXORTAÇÃO APOSTÓLICA

EVANGELII GAUDIUM DO PAPA FRANCISCO

Não a uma economia da exclusão

Assim como o mandamento “não matar” põe um limite claro para assegurar o valor da vida humana, assim também hoje devemos dizer “não a uma economia da exclusão e da desigual­dade social”. Esta economia mata. Não é possível que a morte por enregelamento dum idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na Bolsa. Isto é exclusão. Não se pode tolerar mais o facto de se lançar comida no lixo, quando há pessoas que passam fome. Isto é desigualdade social. Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco. Em consequên­cia desta situação, grandes massas da população vêem-se excluídas e marginalizadas: sem traba­lho, sem perspectivas, num beco sem saída. O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lan­çar fora. Assim teve início a cultura do “descar­tável”, que aliás chega a ser promovida. Já não se trata simplesmente do fenómeno de exploração e opressão, mas duma realidade nova: com a ex­clusão, fere-se, na própria raiz, a pertença à so­ciedade onde se vive, pois quem vive nas favelas, na periferia ou sem poder já não está nela, mas fora. Os excluídos não são “explorados”, mas re­síduos, “sobras”.

Neste contexto, alguns defendem ainda as teorias da «recaída favorável» que pressupõem que todo o crescimento económico, favorecido pelo livre mercado, consegue por si mesmo pro­duzir maior equidade e inclusão social no mun­do. Esta opinião, que nunca foi confirmada pelos factos, exprime uma confiança vaga e ingénua na bondade daqueles que detêm o poder económico e nos mecanismos sacralizados do sistema eco­nómico reinante. Entretanto, os excluídos con­tinuam a esperar. Para se poder apoiar um estilo de vida que exclui os outros ou mesmo entu-siasmar-se com este ideal egoísta, desenvolveu–se uma globalização da indiferença. Quase sem nos dar conta, tornamo-nos incapazes de nos compadecer ao ouvir os clamores alheios, já não choramos à vista do drama dos outros, nem nos interessamos por cuidar deles, como se tudo fos­se uma responsabilidade de outrem, que não nos incumbe. A cultura do bem-estar anestesia-nos, aponto de perdermos a serenidade se o mercado oferece algo que ainda não compramos, enquan­to todas estas vidas ceifadas por falta de possibi­lidades nos parecem um mero espectáculo que não nos incomoda de forma alguma.

Não à nova idolatria do dinheiro

Uma das causas desta situação está na rela­ção estabelecida com o dinheiro, porque aceita­mos pacificamente o seu domínio sobre nós e as nossas sociedades. A crise financeira que atraves­samos faz-nos esquecer que, na sua origem, há uma crise antropológica profunda: a negação da primazia do ser humano. Criámos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de ouro (cf. Ex 32, 1-35) encontrou uma nova e cruel versão no fetichismo do dinheiro e na ditadura duma eco­nomia sem rosto e sem um objectivo verdadeira­mente humano. A crise mundial, que investe as finanças e a economia, põe a descoberto os seus próprios desequilíbrios e sobretudo a grave ca­rência duma orientação antropológica que reduz o ser humano apenas a uma das suas necessida­des: o consumo.

Enquanto os lucros de poucos crescem exponencialmente, os da maioria situam-se cada vez mais longe do bem-estar daquela minoria fe­liz. Tal desequilíbrio provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira. Por isso, negam o di­reito de controle dos Estados, encarregados develar pela tutela do bem comum. Instaura-se uma nova tirania invisível, às vezes virtual, que impõe, de forma unilateral e implacável, as suas leis e as suas regras. Além disso, a dívida e os respectivos juros afastam os países das possibilidades viáveis da sua economia, e os cidadãos do seu real po­der de compra. A tudo isto vem juntar-se uma corrupção ramificada e uma evasão fiscal egoísta, que assumiram dimensões mundiais. A ambição do poder e do ter não conhece limites. Neste sis­tema que tende a fagocitar tudo para aumentar os benefícios, qualquer realidade que seja frágil, como o meio ambiente, fica indefesa face aos in­teresses do mercado divinizado, transformados em regra absoluta

Não a um dinheiro que governa em vez de servir

Por detrás desta atitude, escondem-se a re­jeição da ética e a recusa de Deus. Para a ética, olha-se habitualmente com um certo desprezo sarcástico; é considerada contraproducente, de­masiado humana, porque relativiza o dinheiro e o poder. É sentida como uma ameaça, porque con­dena a manipulação e degradação da pessoa. Em última instância, a ética leva a Deus que espera uma resposta comprometida que está fora das categorias do mercado. Para estas, se absolutiza­das, Deus é incontrolável, não manipulável e até mesmo perigoso, na medida em que chama o ser humano à sua plena realização e à independência de qualquer tipo de escravidão. A ética – uma éti­ca não ideologizada – permite criar um equilíbrio e uma ordem social mais humana. Neste senti­do, animo os peritos financeiros e os governan­tes dos vários países a considerarem as palavras dum sábio da antiguidade: «Não fazer os pobres participar dos seus próprios bens é roubá-los e tirar-lhes a vida. Não são nossos, mas deles, os bens que aferrolhamos».55

Uma reforma financeira que tivesse em conta a ética exigiria uma vigorosa mudança de atitudes por parte dos dirigentes políticos, a quem exorto a enfrentar este desafio com determina­ção e clarividência, sem esquecer naturalmente a especificidade de cada contexto. O dinheiro deve servir, e não governar! O Papa ama a todos, ri­cos e pobres, mas tem a obrigação, em nome de Cristo, de lembrar que os ricos devem ajudar os pobres, respeitá-los e promovê-los. Exorto-vos a uma solidariedade desinteressada e a um regresso da economia e das finanças a uma ética propícia ao ser humano.

Não à desigualdade social que gera violência

Hoje, em muitas partes, reclama-se maior segurança. Mas, enquanto não se eliminar a ex­clusão e a desigualdade dentro da sociedade e en­tre os vários povos será impossível desarreigar a violência. Acusam-se da violência os pobres e as populações mais pobres, mas, sem igualdade de oportunidades, as várias formas de agressão e de guerra encontrarão um terreno fértil que, mais cedo ou mais tarde, há-de provocar a explosão. Quando a sociedade – local, nacional ou mun­dial – abandona na periferia uma parte de si mes­ma, não há programas políticos, nem forças da ordem ou serviços secretos que possam garantir indefinidamente a tranquilidade. Isto não aconte­ce apenas porque a desigualdade social provoca a reacção violenta de quantos são excluídos do sis­tema, mas porque o sistema social e económico é injusto na sua raiz. Assim como o bem tende a difundir-se, assim também o mal consentido, que é a injustiça, tende a expandir a sua força nociva e a minar, silenciosamente, as bases de qualquer sistema político e social, por mais sólido que pareça. Se cada acção tem consequências, um mal embrenhado nas estruturas duma sociedade sempre contém um potencial de dissolução e de morte. É o mal cristalizado nas estruturas sociais injustas, a partir do qual não podemos esperar um futuro melhor. Estamos longe do chamado “fim da história”, já que as condições dum desen­volvimento sustentável e pacífico ainda não estão adequadamente implantadas e realizadas.

Os mecanismos da economia actual pro­movem uma exacerbação do consumo, mas sa­be-se que o consumismo desenfreado, aliado à desigualdade social, é duplamente daninho para o tecido social. Assim, mais cedo ou mais tarde, a desigualdade social gera uma violência que as corridas armamentistas não resolvem nem po­derão resolver jamais. Servem apenas para tentar enganar aqueles que reclamam maior segurança, como se hoje não se soubesse que as armas e a re­pressão violenta, mais do que dar solução, criam novos e piores conflitos. Alguns comprazem-se simplesmente em culpar, dos próprios males, os pobres e os países pobres, com generaliza­ções indevidas, e pretendem encontrar a solução numa “educação” que os tranquilize e transforme em seres domesticados e inofensivos. Isto tor­na-se ainda mais irritante, quando os excluídos vêem crescer este câncer social que é a corrupção profundamente radicada em muitos países – nos seus Governos, empresários e instituições – seja qual for a ideologia política dos governantes.

Luis Nassif

8 Comentários

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  1. Agora que o Papa plagiou um

    Agora que o Papa plagiou um discurso de Fidel/Chavez mudando somente o título para “Exortação Apostólica”, podemos oficializar o pensamento de que “Deus não abençoa a América” ?

    É lógico que sempre há uma saída. Segundo o Evo, “o único país do mundo que não sofre golpe de Estado são os EUA… porque lá não existem embaixadas americanas”. Alguém sabe a quantas anda a embaixada americana no vaticano?

  2. Dilma e o Papa

    O Deus mercado, o Deus dinheiro, esse Deus dsobre todas as coisas, sobre as vidas humanas.

    O dinheiro concentrado que mata, não sustenta a sociedade do capital.

    O capital deve ser generoso. Como isso dói para os louvadores do Deus mercado.

    Dá-lhe Francisco. Cuidado Papa Francisco, Papa João Paulo I durou dias no papado, entendeu.

  3. Excelente

    Espero que o papa lembre-se que e’ o lider de uma instituicao que tem um poder fenomenal. Falar e’ bom, porque ele tem audiencia garantida e se so’ uma pequena parte de quem ouve se sensibilizar, ja pode haver uma melhora significativa. Mas fazer e’ melhor ainda. Ta na hora de botar a igreja catolica a servico desta mudanca. Com o poder economico que a igreja tem, a capacidade de efetivar mudancas reais e’ muito grande.

    Que este papa tenha uma vida longa e um desejo forte o suficiente para poder fazer esta mudanca.

     

  4. Esta aí um trecho que faria

    Esta aí um trecho que faria alguns cristãos corarem de vergonha (Reinaldo Azevedo teve que rebolar para citar este trecho).

    ” … Enquanto os lucros de poucos crescem exponencialmente, os da maioria situam-se cada vez mais longe do bem-estar daquela minoria fe­liz. Tal desequilíbrio provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira. Por isso, negam o di­reito de controle dos Estados, encarregados develar pela tutela do bem comum. …” (grifo meu).

    Por outro lado, esclarece a alguns “não cristãos” que insistem, preconceituosamente, em julgar a Igreja pelos seus pastores, esquecendo que os maus exemplos (pedófilos, inquisidores, apoiadores de ditaduras) e os bons exemplos (Dom Elder Camara, Frei Beto, Pe Júlio Lancellotti, etc) fazem parte da mesma igreja, mas tem trajetórias e histórias diferentes.

  5. Tive uma tentação (só pode

    Tive uma tentação (só pode ser coisa do demonio embora não acredite nele), de dizer que a concorrência, afinal havia funcionado, e o PAPA, isso mesmo, em maiusculas, vendo a igreja acossada pelos evangélicos, estava querendo levar a Igreja novamene ao bom caminho, depois dos desvarios de seus dois antecessores. Entretanto, deistí da ironia.A par de comemoramos, sinceramente ser o PAPA, um hermano argentino, cabe-nos acrediar na sua sinceridade e no seu humanismo. Benvindo à luta Francisco.

    ebrantino

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