Síria, a refundação energética do Oriente Médio

Refundação energética do Oriente Médio : A placa tectônica Síria.

por Stéphan Bry, Terça, 24 de Julho de 2012 às 10:37 ·

 Quando os ricos fazem a guerra, são os pobres quem morrem

Jean-Paul Sartre

 

Produção mundial de gás natural.

Um conflito que dura há 16 meses e que teria feito milhares de mortos segundo uma contabilidade estabelecida com cuidado pela mídia ocidental que atribui estas vítimas unicamente ao regime de Damasco e não aos rebeldes fortemente armados pelo ocidente com o dinheiro dos pequenos reis do Golfo Persico. Os cristãos têm medo de servir de variáveis de ajustamento num conflito que os ultrapasse. Este conflito, um século depois dos acordos de Sykes-Picot, tem os mesmos atores com os Estados Unidos,  a Rússia , a China e… Israel a mais. Os vestígios são sempre os mesmos, os dirigentes árabes, covardes que continuam se estripando para o bem do Império e de seus vassalos. Com desta vez, um freio a tentação do Império da parte das potencias asiáticas que estão se afirmando.

O que esta realmente acontecendo, e porque Assad não cai apesar dos comunicados triunfalistas apresentando as personalidades que deixaram o poder, o general Tlass, o embaixador da Síria no Iraque que fugiu para o Qatar… Outra rodada de negociações sobre uma saída pacifica na Síria ocorreu secretamente em Moscou recentemente.  Desta vez, o ministro das relações exteriores da Rússia convidou o presidente do conselho Nacional Sírio (CNS) Abdel Basset Sayda. Mas não houve aproximações das posições. Também o emissário internacional de Kofi Annan, que continua sua viagem no Irã, encontrou Bachar al-Assad na Síria para tentar encontrar uma saída para o conflito no país. Anunciou na segunda-feira dia 9 de julho de 2012 ter concordado com o presidente Bachar al-Assad a respeito de uma opção que ele apresentará aos rebeldes sírios.

A demonização da Síria pela mídia ocidental às ordens do Império.

E se a versão divulgada todos os dias pela mídia francesa não fosse a verdade? É a opinião do cientista politico Gérard Chalian num programa de televisão no dia 14 de junho de 2012 (C dans l’air, France 5). O que ele afirma é que não é só a história de um mau contra os bons moços, e que a vontade de intervir e as hesitações dos Ocidentais não estão necessariamente ligadas à sentimentos puramente humanistas. Segundo ele, uma intervenção implicaria muitas consequências geopolíticas. Ele considera que o que esta acontecendo na Síria é antes de tudo  uma questão política e não humanitária. É, na verdade, a exacerbação do conflito artificial sunitas/xiitas, com do lado sunita a Arábia Saudita, o Qatar, a União Europeia, os Estados Unidos e Israel, e do lado xiita, os Alauitas apoiados pelo Irã. O objetivo desta manipulação é quebrar o Irã e vencer o Hezbollah.

Veremos que existe também o argumento energético. O testemunho de uma Francesa, esposa de um Franco-Sírio, que estava na Síria do dia 19 de maio até o dia 12 de junho é edificante: “este país oferecia uma segurança total, mas os “Amigos da Síria” espalharam a violência. Em Alep, bandos armados apareceram durante o segundo semestre de 2011: raptos, pedidos de resgate… Uma máfia muito lucrativa. Tivemos conhecimento de muitas histórias de raptos a qualquer hora e em qualquer lugar num ritmo quase diário. As crianças têm que ligar para os pais assim que chegam ou saiam da escola. Os militares e os policiais são os alvos preferidos de aqueles que são pagos para matar.  Um comandante de 35 anos foi morto com dois tiros na cabeça uma manhã enquanto ele comprava pão. Os comerciantes fecham as lojas sob as ordens de homens armados ameaçando queimar tudo.  O dia 2 de junho, na medina (mercado) tudo estava fechado. A mídia francesa fala então de greve geral contra o regime. Durante as manifestações pro Bachar, homens armados  se infiltram e começam atirando assim que a multidão fica densa.  Isso é filmado e mandado para os canais de televisão. O poder aconselha não fazer manifestações de apoio ao regime para evitar estas matanças. A população, confrontada aos raptos, bombas, tem dificuldades de abastecimento em combustível. Não há penúria na Síria, mas os veículos de transporte são assaltados e queimados nas estradas.”

“Para os estrangeiros que querem ajudar, é impossível mandar dinheiro e sacar dinheiro de uma conta estrangeira. Em Damasco, tudo parece como antes, a vida, apesar das ameaças das bombas. No entanto muitos hotéis fecharam. O turismo não existe mais. Em Homs, um único bairro continua ocupado pelos rebeldes. Os habitantes foram se refugiar nos vilarejos ao redor, nas casas de familiares ou amigos. Nos grandes eixos rodoviários, a ASL (Exercito Sírio Livre, os rebeldes) fiscaliza e mata na hora qualquer militar presente. (…) Não há guerra civil na Síria, as comunidades continuam vivendo em harmonia.  Há atos de barbárie e violência por parte dos mercenários da ASL  contra as minorias para provocar uma guerra civil. (…) O senhor Sarkosy falou para o patriarca maronita que os cristãos do Oriente deveriam deixar o país para os muçulmanos e que o futuro deles esta na Europa. O Ocidente usa na Síria o mesmo esquema que no Iraque ou na Líbia. (…) A oposição síria participa de forma legal às mudanças. As pessoas estão enojadas pela falta de objetividade da mídia francesa. A única fonte, a Osdh, baseada em Londres, é dirigida por um Irmão muçulmano pago pelos serviços secretos britânicos.”

O argumento energético.

O professor Imad Fawzi Shueibi analisa as causas e as consequências da recente posição da Rússia no Conselho de Segurança da ONU. O apoio de Moscou não é uma postura herdada da guerra fria, mas o resultado de uma profunda análise da evolução das relações de força global. A atual crise vai cristalizar uma nova configuração internacional que, de um modelo unipolar oriundo da queda da União Soviética, vai evoluir para outro tipo de sistema que resta a ser definido. Sem dúvida, esta transição vai mergulhar o mundo num período de turbulências geopolíticas. O ataque midiático e militar contra a Síria é diretamente ligado a competição mundial para a energia, explica o professor Imad Shueibi. (2)

 “Com a queda da União Soviética, os Russos perceberam que a corrida armamentista os tinha esgotados, sobretudo com a falta de abastecimento da energia necessária a qualquer país industrializado. Ao contrário, os Estados Unidos conseguiram se desenvolver e decidir a política internacional sem muita dificuldade graças à sua presença nas zonas de petróleo desde varias décadas. É a razão pela qual os Russos decidiram se posicionar nas fontes de energia, tanto o petróleo como o gás. (…) Moscou aposta no gás, sua produção, seu transporte et sua comercialização em larga escala. Esta estratégia começou em 1995 quando Vladimir Putin elaborou a estratégia da Gazprom. (…) Com certeza os projetos Nord Stream e South Stream testemunharão do mérito e dos esforços de Vladimir Putin para colocar de novo a Rússia na cena internacional e influenciar a economia europeia que dependerá durante as futuras décadas do gás como alternativa ou complemento do petróleo, com uma nítida preferência pelo gás. A partir daí, ficava urgente para Washington criar o projeto concorrente Nabuco para rivalizar com os projetos russos e esperar ter um papel no que vai determinar a estratégia e a política dos cem próximos anos. O fato é que o gás vai ser a principal fonte de energia do século XXI, tanto como alternativa à diminuição das reservas mundiais de petróleo, quanto como fonte de energia limpa. (…) Moscou desenvolveu dois eixos estratégicos: um projeto sino-russo de longo prazo baseado no crescimento econômico do Bloco de Shangaï ; o controle dos recursos de gás. É assim que foram criadas as bases dos projetos Nord Stream e South Stream para contrabalancear o projeto US Nabuco, apoiado pela União Europeia, cujo objetivo era o gás do Mar Negro e do Azerbaijão. Resultou destes projetos uma corrida estratégica para o controle da Europa e dos recursos de gás.

O projeto Nord Stream ligado diretamente à Rússia à Alemanha passando pelo mar Báltico até Weinberg e Sassnitz, sem passar pela Bielorrússia. O projeto South Stream começa na Rússia, atravessa o mar Negro até a Bulgária e é dividido entre  de um lado a Grécia e a Itália, e do outro lado, a Hungria e a Áustria.”

“Para os Estados Unidos, explica o professor Imad, o projeto Nabuco sai da Ásia central e dos arredores do mar Negro, passa na Turquia e devia passar na Grécia, mas esta ideia foi abandonada sob a pressão turca. Este projeto esta em apuros, escreve o professor Imad. A partir daí, a batalha do gás se tornou a favor do projeto russo. Em julho de 2011, o Irã assinou vários acordos sobre o transporte de seu gás via o Iraque e a Síria. Consequentemente, é a Síria que se torna o principal centro de estocagem e de produção, em ligação com as reservas do Líbano. É então um novo espaço geográfico, estratégico e energético que se abra, incluindo o Irão, o Iraque , a Síria e o Líbano. Os empecilhos a este projeto desde mais de um ano mostram a intensidade da luta para o controle da Síria e do Líbano. Mostram também o papel da França que considera o mediterrâneo oriental como sua zone histórica de influência que deve eternamente servir os seus interesses, e onde deve remediar à sua ausência desde a segunda guerra mundial. Em outros termos, a França quer ter um papel no mundo do gás onde ela adquiriu um “plano de saúde” na Líbia e quer doravante um “seguro de vida” pela Síria e o Líbano. (…) A pressa da coalisão Otan-Estados Unidos-França para acabar com os obstáculos aos interesses do gás na região, em particular na Síria e no Líbano, é devida ao fato que é necessário assegurar a estabilidade e a benevolência do ambiente quando se trata de infraestruturas e de investimento na área do gás. A resposta síria foi assinar um contrato para transferir no seu território o gás iraniano passando pelo Iraq. Desta forma, é sobre o gás sírio e libanês que esta batalha esta sendo focalizada.”

“A cooperação sino-russa na área energética é o motor da parceria estratégica dos dois gigantes, continua o professor Imad. Trata-se, segundo os peritos, da “base” de seu duplo veto a favor da Síria. Simultaneamente, a Rússia mostra a sua flexibilidade em relação ao preço do gás, com a condição de ter a autorização de acessar ao proveitoso mercado interno chinês. (…) Consequentemente, as preocupações dos dois países se encontram no momento em que Washington reaviva sua estratégia na Ásia central, isto é, na Rota da Seda. (…) Estes mecanismos da luta internacional atual permite que tenhamos uma ideia do processo de formação da nova ordem internacional, baseada na luta pela supremacia militar e cuja chave é a energia, e em primeiro lugar, o gás. A “revolução síria” é uma isca midiática para esconder a intervenção militar ocidental rumo a conquista do gás. Quando Israel empreendeu a extração de petróleo e de gás a partir de 2009, era claro que a bacia mediterrânea tinha entrado no jogo e que ou a Síria seria atacada ou toda a região poderia se beneficiar da paz, pois o século XXI era suposto ser aquele da energia limpa. Segundo o Washington Instituto for Near East Policy (Winep), a bacia mediterrânea contem as maiores reservas de gás e é na Síria que seriam as mais importantes. A revelação do segredo do gás sírio dá uma ideia de sua importância. Quem controla a Síria poderá controlar o Oriente médio.

O argumento religioso: Sunitas versus Xiitas.

Outro argumento de baixa intensidade é o conflito artificial sunita/xiita. O conflito na Síria se tornou, escreve Bernard Haykel, especialista do Oriente Médio na universidade de Princeton, uma guerra por procuração entre Riyad e Teerã. Durante longos anos, o salafismo foi o vetor de influencia da Arábia Saudita. Mas esta doutrina criou monstros, notadamente Al-Qaeda, que se voltou contra o regime dos Al Saud. Hoje, o anti-xiismo e o discurso contra o Irã são usados pela monarquia para que os Sauditas, a 90% sunitas, apoiam o regime. Isto poderia ser a nova base das relações com os Estados Unidos. Ele mostrou como o regime saudita está tentando se aproveitar da grande revolução da primavera árabe.”

 Mas é a Síria que está no centro das atenções da Arábia Saudita. O rei se pronunciou contra o regime de Bachar el-Assad.  Retirou seu embaixador em Damasco. Os Sauditas consideram hoje que o Irã é uma ameaça real para o país. Eles pensam que se Bachar Al-Assad for destituído, será uma diminuição da influência iraniana na região. Tem então muito dinheiro saudita para tentar radicalizar os sunitas sírios, como em 2006-2007 no Líbano quando se tratava de radicalizar os sunitas locais contra o Hezbollah. Riyad não considera mais que uma mudança na região é ruim. Enfim, ela tente promover esta visão em Washington. A Arábia Saudita está sob proteção militar dos Estados Unidos, conclui Bernard Haykel. Estes dois países têm relações comerciais fortes, dominadas pelos hidrocarbonetos e as vendas de armas.”

Qual é finalmente o objetivo da mídia que mente não dando uma informação honesta, alinhada à estratégia do Império e de seus vassalos e que é aquela da interferência a qualquer preço nos assuntos internos dos países? Quem são os vencedores e os perdedores? O grande perdedor é, antes de tudo, o povo sírio que paga o preço alto de uma guerra feita por outros. Fica claro que a chave do sucesso econômico e da dominação política está no controle da energia do século XXI; o gás. E porque ela se encontra no coração da mais colossal reserva de gás do planeta, a Síria esta numa placa tectônica energética.  Uma nova era esta começando, a era das guerras da energia. O grande vencedor é de qualquer forma Israel que consegue, sem participar, enfraquecer seus adversários, o Irã, os países árabes que não contam mais e o Hezbollah. Dá para perceber, a paz na Síria não é próxima, infelizmente.

 

1) http://www.afrique-asie.fr/nous-ecrire/27-actualite32/3216-desinformation-mais-que-se-passe-t-il-en-syrie.html3/07/12

2) Imad Fawzi Shueibi8 mai 2012 http://www.voltairenet.org/La-Syrie-centre-de-la-guerre-du

3) Bernard Haykel : Le conflit en Syrie est devenu une guerre par procuration entre Riyadh et Téhéran. Conférence École des Hautes études en sciences sociales, Paris, terça-feira 22 de maio de 2012

Prof. emérito Chems Eddine Chitour

Ecole Polytechnique Alger enp-edu.dz

fonte : http://www.agoravox.fr/tribune-libre/article/refondation-energetique-du-moyen-120019

Traduzido do francês por Stéphan Bry

https://www.facebook.com/notes/st%C3%A9phan-bry/refunda%C3%A7%C3%A3o-energ%C3%A9tica-do-oriente-medio-a-placa-tect%C3%B3nica-s%C3%ADria/505017719513926

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