2016: Quando a “mentira jurídica” começou a violar os direitos de Lula

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
[email protected]

O dia 4 de março de 2016, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sofria um dos primeiros ilícitos flagrantes da Operação Lava Jato, sendo levado ao aeroporto em condução coercitiva.

Foto: Reprodução/Arquivo 2016

Jornal GGN – Eram 6 horas da manhã do dia 4 de março de 2016, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sofria um dos primeiros ilícitos flagrantes da Operação Lava Jato e fora levado da porta de sua casa, com 4 carros de policiais federais armados e um da Receita Federal, até o aeroporto de Congonhas, obrigando-o a prestar depoimento, em uma condução coercitiva.

De fora, a cena parecia um ensaio para prender o ex-presidente da República, o que viria a ocorrer dois anos depois. “Me senti prisioneiro”, dizia Lula. Enquanto juristas apontavam o ilícito (relembre também aqui, aqui e aqui), políticos até da oposição se assustavam – se aconteceu com Lula, era terra de ninguém – e especialistas das mais diversas áreas criticavam a atuação da Lava Jato, os procuradores defendiam cada uma das atuações.

Naquela mesma tarde, um membro da força-tarefa afirmava que estavam “desmantelando” toda “a organização criminosa dentro do Governo Federal, que se utilizou da Petrobras e outras empresas para financiamento politico e apropriação pessoal”.

Era a primeira grande violação contra os direitos de Lula, usando como pretexto que as acusações contra o ex-presidente tinham relação com a Petrobras. Nesta segunda-feira (08), quase 5 anos depois, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, atesta que as acusações contra o político não tinham nenhuma relação contra a Petrobras e considerando que a Vara de Curitiba era incompetende para o julgar.

Também prévio à condução, um gesto da imprensa chamou a atenção: a capa da IstoÉ, publicada um dia antes da condução coercitiva, estampava o senador Delcídio do Amaral com trechos de seu acordo de delação premiada, acusando Lula.

Momentos depois, ainda naquele 4 de março de 2016, ao conferir os documentos que avalizaram a coercitiva de Lula, dentro do processo judicial, verifica-se que os próprios procuradores não pediram a condução coercitiva, mas que, mesmo assim, o então juiz Sergio Moro havia concedido.

O GGN acessou, à época, o documento de 113 páginas do força-tarefa. O MPF não solicitava o ato de obrigar Lula a prestar depoimento, sendo levado por quatro carros de policiais armados. Os procuradores pediam somente medidas cautelares de busca e apreensão e de quebra de sigilo telemático.

Magistrados analisam condução coercitiva
Foto: Reprodução Márcio Fernandes/Arquivo 2016

E admitiam: “a priori, não há algo de ilícito em realizar palestras e receber por elas, assim como doações oficiais a entidades com fins sociais são perfeitamente legais e, da mesma forma, contratos de consultoria são lícitos.”

“O problema surge quando há indicativos ou provas de que as doações, os contratos e os serviços foram usados para esconder a natureza real de pagamentos de propina”, continuavam. Foi com base nisso, sem provas e sem nenhuma comprovação, pediram a quebra de sigilo e buscas e apreensões.

Moro, contudo, concluía: “Embora o ex-Presidente mereça todo o respeito, em virtude da dignidade do cargo que ocupou (sem prejuízo do respeito devido a qualquer pessoa), isso não significa que está imune à investigação.”

Questionado pela falta do pedido, posteriormente, o juiz disse que o pedido de coercitiva teria sido “pleiteado em separado” pelos procuradores. Mas naquele despacho, Moro planejava todo o cronograma da condução do ex-presidente.

Com o intuito de evitar “tumulto provocado por militantes políticos”, Sergio Moro determinou colher “o depoimento mediante condução coercitiva”, justificando que, assim, “são menores as probabilidades de que algo semelhante ocorra, já que essas manifestações não aparentam ser totalmente espontâneas”.

Ou seja, a coercitiva foi decidida à critério de Moro, sem pedidos da força-tarefa, para evitar reações de apoiadores de Lula. Havia suspeitas, ainda, de que uma aeronave da Aeronáutica estava preparada, no aeroporto de Congonhas, para levar o ex-presidente a Curitiba, em um claro crime de sequestro, caso executado.

Foto: Marcos Bizzotto / Raw Image / Arquivo 2016

Já decidido como a coercitiva contra o ex-presidente seria feita, o então procurador federal Carlos Fernando dos Santos Lima apoiava as palavras de Moro, em coletiva de imprensa ainda naquela sexta-feira: “Nós verificamos que há muita polarização, e se tivessemos marcado o depoimento com antecedência, isso teria levado movimentos sociais pró e contra a usar esse momento para a violência”.

E afirmava que a violação contra os direitos de Lula era, na verdade, para o proteger.

Os direitos, como mostrados pelos juristas e especialistas, estavam a favor do ex-presidente. A utilização da coercitiva é instrumento utilizado somente quando o investigado é chamado a prestar depoimento, em data e horários previamente acordados, e não compareça ou informe que irá resistir.

“Eu já fui prestar vários depoimentos à Polícia Federal, ao Ministério Público. No dia 5 de janeiro, eu estava de férias e suspendi para ir à Brasília prestar um depoimento à convite da Polícia Federal”, lembrava Lula. “Se o juiz Moro ou o Ministério Público quisesse me ouvir, era só ter mandado um ofício que eu ia, como eu sempre fui prestar esclarecimento, porque não devo e não temo”, dizia Lula, já reunido com apoiadores no Diretório Nacional do PT, após passar 3 horas trancado com delegados da PF, no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao encerrar discurso em que questionou a Operação Lava Jato - Juca Rodrigues/Framephoto/Estadão Conteúdo
Lula, após encerrar discurso no Diretório Nacional, após ser solto pela PF – Foto: Juca Rodrigues/Framephoto/Arquivo 2016

Quase 5 anos depois, as palavras do líder político, que ainda passou 580 dias preso, são um resumo do que ocorreu desde aquele 2016 até então: “Fui vítima da maior mentira jurídica contada em 500 anos de história.”

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador