A carreira na Polícia Militar

Tenho parentes que são policiais militares. Mais especificamente, eles são praças (ocupantes dos cargos mais baixos na hierarquia: soldados, cabos, sargentos e subtenentes). Também tenho conhecidos que atuam nesta área. A simplicidade, até mesmo penúria financeira em que vivem, atesta que são honestos. Policial desonesto não precisa fazer greve. Eles já sobrevivem do seu “empreendedorismo”, como atestam as práticas de corrupção no RJ, levadas às telas do cinema nos filmes Tropa de Elite. Está na moda ser empreendedor, afinal de contas. Por outro lado, o filme mostra que quem é honesto, é violento. O Capitão Nascimento é um herói nacional. Por que tanto aplauso para a violência exibida nas telas? Porque estamos em uma sociedade violenta, que louva a repressão brutal a quem quer que tente subverter a ordem, sejam “ladrões de galinha”, pequenos traficantes ou grevistas. Mas, filme é filme. Se por um lado nem todos os policiais militares são corruptos, que se locupletam às custas do mau exercício de suas funções, por outro nem todos são torturadores ferozes.

Muitas das pessoas que se posicionam contra as reivindicações dos PMs alegam que eles não merecem apoio popular para suas greves por não atuarem em consonância com outras manifestações salariais. Lembram, exemplificando, que a PM sempre reprime duramente as greves de professores. Mas as coisas não têm essa simplicidade toda. Na verdade a PM não vai para cima de greve nenhuma por vontade própria. Por trás da PM há um governador, que é seu chefe máximo, a tomar decisões de massacrar essa greve, aquele movimento social, etc. A presente greve na Bahia é comprada pelo PSDB – e pelo PSOL, não esqueçamos – mais ou menos do mesmo modo que outras greves foram compradas por quem hoje está no poder, nos tempos em que estes apoiavam greves. A tática de desmerecer a greve simplesmente por ser de “oposição a um governo popular” é inconsistente. Repete argumentos de que se valiam os outrora donos do poder. É mais do mesmo, repetido por quem se propôs a remover o atraso do caminho do Brasil rumo ao progresso.

Ao final desta greve, a PM não será desmilitarizada, os salários dos policiais não melhorarão e nem a qualidade do material humano será aperfeiçoada. Há uma série de desapropriações para serem feitas para construir as obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Mais do que isso, há todo um passivo social que se precisa empurrar para baixo do tapete. É essa polícia, no triste formato que conhecemos, que dará cumprimento às ordens judiciais pedidas pelos governadores, prefeitos e outros políticos, custe o que custar, ou seja, na base da porrada. É ela quem sustentará a (des)ordem vigente em nosso país. É essa PM que mantém o povo quietinho, que impede que os indignados de que falou aquele correspondente do “El Pais”, Juan Arias, apareçam. Os indignados da favela Pinheirinho foram atropelados pelo PM, por ordem do Poder Judiciário, este último a serviço de interesses imobiliários. A violência da PM é muito funcional para os políticos. Sejam eles quem forem, tucanos ou “progressistas”.

O nível intelectual da PM é rasteiro, de um modo geral, especialmente considerando os praças. Reclama-se muito da polícia do Ceará, de Pernambuco e da Bahia, por exemplo. Mas nem sempre o caso é tão desolador. Dizem moradores do Distrito Federal, pelo menos os que conheço, que a polícia de lá é razoavelmente civilizada. O salário de ingresso é de cerca de R$ 3500,00, o que nem é tanto dinheiro assim para a realidade do DF. O fato é que vi pessoas consideravelmente educadas viajando para Brasília na tentativa de ser policiais por lá. Nível de escolaridade exigido: superior completo. Parece que há alguma correlação entre salário, escolaridade exigida e qualidade do serviço prestado.

Aliás, mencionei que tenho conhecidos que atuam na polícia militar. Falemos sobre um exemplo deles. Tenho uma colega de trabalho que já foi policial. Uma moça super educada e gentil, dotada de grande esclarecimento. O que aconteceu com ela? Viu que não havia perspectivas na PM, prestou outro concurso e foi embora da vida militar. Será que esse mais do que justo “carreirismo”, que é muito mais frequente do que imagina o senso comum, é interessante para a boa prestação do serviço policial? Pela dificuldade que a classe média tem encontrado para se colocar no mercado de trabalho, muita gente com bom nível entra na PM dos estados, atualmente. Pelo menos aqui no nordeste um fenômeno interessantíssimo está a ocorrer: o “concurseiro” tomou de assalto a corporação. É o cara que vê aquilo como um degrau necessário para alçar voos mais altos em concursos que julgam mais condizentes com suas aptidões intelectuais. Este camarada não irá dar o sangue pela corporação, por motivos óbvios. Seu sangue será aplicado em coisas, digamos, mais cerebrais do que arriscar a vida correndo atrás de bandidos, colocando em xeque a própria credibilidade moral, já que para muitas pessoas ser policial é sinônimo de ser bandido, o que quase sempre não é verdade. A polícia perde dos seus quadros, diariamente, boas pessoas. Quem tem bom nível intelectual sempre planeja a sua vida ao longo de 20, 30 anos. As perspectivas de carreira na polícia são tristemente limitadas, seja do ponto de vista remuneratório, seja do ponto de vista de satisfação pessoal.

Para dar um exemplo mais rumoroso, amplamente conhecido, podemos citar o famoso Rodrigo Pimentel, idealizador do famigerado herói nacional Capitão Nascimento, que deu o fora do oficialato da PM/RJ rumo ao empreendedorismo (sem aspas, pois trata-se do legítimo).

A proposta da PEC/300, que de modo geral visa tomar como parâmetro a remuneração do DF para a implementação de um salário nacional para os policiais, é o pesadelo dos governadores, que alegam não ter recursos financeiros para tanto, o que é aceito por muitas pessoas comuns como justo e verdadeiro. Essas mesmas pessoas comuns entendem que é razoável querer ter uma polícia com o nível do Distrito Federal pagando salários de Rio de Janeiro, o que não encontra amparo lógico no mundo capitalista. A presidenta Dilma Roussef diz que sua meta é atrelar os aumentos do salário mínimo ao aumento de produtividade de nossa economia. Seria justo que um incremento na qualidade do serviço policial fosse acompanhado por um incremento remuneratório, ou mesmo incentivado por um salário condizente com a importância da função policial e das responsabilidades a ela inerentes. O salário é um importante incentivo para melhoria da qualidade.

Mas não é isso que ocorre com os policiais. Estes são incentivados a buscar melhorias salariais fora da corporação. Os que podem se dispõe a estudar e rumam para outras carreiras, conforme exemplifiquei. Com a saída dos bons policiais que ingressam na instituição, considerando a formação intelectual, pereniza-se o baixo nível educacional da mesma. Com as consequências que estão expostas no presente momento.

Os governantes dizem ser impossível a implementação da PEC/300, por inviabilidade orçamentária. Pode ser verdade. Mas mais verdadeira ainda é a inviabilidade de ter uma polícia com a qualidade do DF, a melhor do Brasil, praticando-se os salários do RJ, os piores. A fatura das escolhas dos governantes é paga pela sociedade, como sempre. Ao que parece estes só estão preocupados com o que diga respeito à Copa do Mundo ou às Olimpíadas, eventos para os quais sobram recursos.

Luis Nassif

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