A censura ao Estadão

Do Estadão

Juiz do TO censura ‘Estado’ em caso de corrupção que cita governador

Decisão proíbe divulgação de qualquer dado sobre investigação a respeito de participação de Carlos Gaguim em grupo criminoso

Fausto Macedo e Bruno Tavares, de O Estado de S.Paulo

SÃO PAULO – O desembargador Liberato Póvoa, do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins (TRE-TO), decretou censura ao Estado e a outros 83 veículos de imprensa, proibindo-os liminarmente de divulgar qualquer informação a respeito de investigação do Ministério Público de São Paulo que cita o governador Carlos Gaguim (PMDB) como integrante de organização criminosa para fraudes em licitações.

A mordaça, em 9 páginas, foi imposta sexta-feira e acolhe pedido em ação de investigação judicial eleitoral da coligação Força do Povo, formada por 11 partidos, inclusive o PT, que apoia Gaguim. Na campanha pela reeleição, Gaguim tem recebido no palanque a companhia do presidente Lula e da candidata petista à Presidência, Dilma Rousseff.

O desembargador arbitrou “para o caso de descumprimento desta decisão” multa diária no valor de R$ 10 mil. Ele veta, ainda, publicação de dados sobre o lobista Maurício Manduca. Aliado e amigo do governador, Manduca está preso há 10 dias. A censura atinge 8 jornais, 11 emissoras de TV, 5 sites, 40 rádios comunitárias e 20 comerciais.

O diretor de Conteúdo do Grupo Estado, Ricardo Gandour, considera um “absurdo a decisão judicial de censurar jornais”. Ele ressalta que a medida, “além de afrontar a Constituição, se revela mais uma tentativa de impedir a imprensa de cumprir seu papel histórico de fiscalizar a gestão pública”.

O gerente jurídico do Estado, Olavo Torrano, disse que a decisão “causa preocupação e perplexidade”. O jornal vai recorrer.

A ação foi proposta contra a coligação Tocantins Levado a Sério, de Siqueira Campos (PSDB), opositor de Gaguim, que estaria veiculando “material ofensivo, inverídico e calunioso”. O ponto crucial do despacho de Póvoa é o furto de um computador do Ministério Público paulista em Campinas. Os promotores investigam empresários por fraudes de R$ 615 milhões em licitações dirigidas em 11 prefeituras de São Paulo e no Tocantins.

Na madrugada de quinta-feira, uma sala da promotoria foi arrombada. O único item levado foi a CPU que armazenava arquivos da operação que revela os movimentos e negócios do lobista e sua aliança com Gaguim.

O desembargador assinala que a investigação corre sob segredo de Justiça e sustenta que os dados sobre o governador foram publicados a partir do roubo do computador – desde sábado, 18, cinco dias antes do roubo, o Estado vem noticiando o caso.

O desembargador reputa “levianas as divulgações difamatórias e atentatórias” a Gaguim. Segundo ele, “o que se veicula maliciosamente é fruto de informação obtida por meio ilícito que, por si só, deveria ser rechaçado pela mídia”. “A liberdade de expressão não autoriza a veiculação de propaganda irresponsável, que não se saiba a origem, a fonte. Tudo fora disso fere a Constituição e atinge profundamente o Estado Democrático.”

“Por essas razões tenho que essa balbúrdia deve cessar”, afirma. “Determino que todos os meios de comunicação abstenham-se da utilização, de qualquer forma, direta ou indireta, ou publicação dos dados relativos ao candidato (Gaguim) ou qualquer membro de sua equipe de governo, quanto aos fatos investigados.” 

”O que vai impedir que amanhã toda a imprensa seja censurada?”

Eugênio Bucci, jornalista e professor da Escola de Comunicações e Artes da USP

27 de setembro de 2010 | 0h 00 

Cley Scholz – O Estado de S.Paulo

A censura judicial imposta a 84 veículos de imprensa do País pelo desembargador Liberato Póvoa, do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins (TRE-TO), representa o “enlouquecimento” de setores da Justiça, na opinião do professor de jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da USP Eugênio Bucci. “É um absurdo do ponto de vista jurídico, da lógica, da política”, afirma ele. “O que impede que amanhã toda a imprensa seja vítima da mesma censura?”

Como o sr. vê mais este caso de censura judicial?

É importante que o Estado publique o quanto antes e da melhor maneira possível todas as informações sobre mais este caso de censura judicial, antes que outra autoridade do Judiciário proíba todos os veículos do País de comentarem o que aconteceu. Esta decisão revela a que ponto isso pode chegar. É quase um enlouquecimento do organismo responsável por emitir decisões judiciais. Não do Poder Judiciário como um todo, pois ainda acredito firmemente na capacidade de se fazer justiça e garantir o funcionamento da democracia no Brasil.

A liminar ameaça a liberdade de imprensa?

Mesmo para quem acompanha, como eu, essas decisões relativas à liberdade de imprensa e de censura judicial, essa medida liminar é uma coisa inimaginável. Em geral as decisões vitimam um único veículo de imprensa e mesmo assim já representam uma forma de violência contra a liberdade de informação. Esta vale para 84 jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão. Eu jamais poderia imaginar que isso pudesse ir tão longe.

O que pode ser feito contra esta ameaça?

A primeira providência é recorrer a todas as medidas no âmbito da Justiça para garantir o direito à informação. O mais importante neste momento é deixar claro que as vítimas não são apenas os veículos de informação que deixam de publicar as notícias censuradas. Esta é uma visão equivocada. A grande vítima da mordaça é toda a sociedade brasileira, que deixa de ter acesso a informações que são de interesse público.

Qual o risco de novas decisões semelhantes virem a ser adotadas contra a imprensa?

Se uma decisão como essa que censura 84 veículos de comunicação é possível, o que impedirá que amanhã a imprensa toda não venha a ser amordaçada por uma decisão semelhante, mais abrangente? É um absurdo do ponto de vista jurídico, da lógica, da política. A instituição do Poder Judiciário precisa fazer um exame de consciência do que está acontecendo e onde isso vai parar. Se esse procedimento for estendido a um âmbito maior de assuntos, amanhã é possível que todo o noticiário tenha de ser submetido a algum tipo de censura prévia judicial.

Os jornais devem recorrer à Justiça contra a liminar, mas neste caso a censura envolve candidatos que concorrem à eleição de domingo que vem. A decisão não pode chegar tarde demais?

Neste caso, como o processo corre na Justiça Eleitoral, podemos acalentar a esperança de que o julgamento seja rápido. Uma das características dos tribunais eleitorais é a rapidez nas suas decisões. Existe um ditado popular que diz que a Justiça tarda, mas não falha. Neste caso, às vésperas da eleição, se a Justiça tardar, ela falha. Nos casos em que o direito à informação está em causa, sempre que a decisão judicial demorar, ela terá falhado, pois a sociedade ficará privada de informações que impedem uma decisão baseada em todos os elementos que devem ser considerados.

Os casos de censura judicial estão se tornando rotineiros?

Independentemente do aspecto quantitativo, sabemos que essa ameaça atinge veículos grandes e pequenos em todo o País. Temos dois casos importantes que atingem mais recentemente o jornal O Estado de S. Paulo e o Diário do Grande ABC. A questão mais importante é o aspecto antidemocrático de todas essas decisões. Sob o pretexto de proteger a honra pessoal de algumas pessoas elas eliminam um bem superior que é o direito de toda a sociedade de ter acesso a informações que são de interesse público. Isso é inaceitável, um absurdo sob todos os aspectos. 

Luis Nassif

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