A distorção de funções na Justiça brasileira, por Nilo Filho

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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A distorção de funções na Justiça brasileira

Por Nilo Filho

Comentário ao post: O MPF se tornou um partido político?

INVESTIGAÇÃO – ACUSAÇÃO – JULGAMENTO

Desde o primórdio dos tempos a grande preocupação das sociedades organizadas era a construção de um sistema de solução dos conflitos.

Chegou-se, assim, a figura de um “terceiro superior” (Juiz) e estranho aos conflitantes.

No início, esse “terceiro superior” acumulava as funções de investigação, acusação e julgamento.

Surgiu, então, a necessidade de que esse “terceiro superior” fosse um alguém neutro e imparcial (quem de nós não almeja um julgamento proferido por um Juiz neutro e imparcial?)

Essa neutralidade e imparcialidade se daria pela separação das funções: quem investiga não acusa nem julga; quem acusa não investiga nem julga; e quem julga não investiga e nem acusa.

É indubitável que quem investiga, e quem acusa, tenha interesse que suas posições sejam confirmadas no julgamento.

A psicologia jurídica e inúmeras passagens do dia-a-dia confirmam esse subjetivo interior – e nem sempre percebido – interesse dos operadores do direito (Attavilla, Carnelutti e outros).

Daí a origem do MP que – como órgão do Estado auxiliar da Justiça – se encarregaria da acusação, assegurando – juntamente com a Defesa de outro lado (em pé de igualdade) – uma maior independência, neutralidade e imparcialidade do Juiz Julgador.

Forma-se, assim, o triple: as partes Acusação (a cargo do MP) e Defesa (a cargo do Advogado) ambas em igualdade de condições e, acima delas, o Juiz Julgador (“terceiro superior”).

Surgiram dois grandes sistemas: o Acusatório (separação completa das funções) e o Inquisitorial (o Juiz teria, ainda, algumas funções investigativas e acusatórias).

Não é necessário acentuar que aquele é mais afeto aos regimes políticos democráticos, e garantistas, e este último, aos regimes políticos absolutistas, autoritários e ditatoriais (Carmignani, G.;Lucchini, L.; Carrara, F.; Cordero, F; Ferrajoli, L.).

Existem ainda sistemas mistos, com preponderância de aspectos acusatórios sobre os inquisitórios.

No Brasil o sistema é uma “colcha de retalhos”. É acusatório, inquisitorial, corporativo e (marcantemente) ditatorial.

Tomemos, por exemplo (para ser bem atual), o art 28 do Cód. de Processo Penal, fundamento do Min. Teori para arquivar o IP instaurado para apurar prováveis ilícitos de Aécio Neves. Ora, esse artigo foi ditado à época do Estado Novo (1941) e, hoje, contraria valores e princípios fundantes do Estado Democrático de Direito por nós adotados e inscritos na Constituição Federal cidadã de 1988. Não vale, portanto, a regra do art. 28 do CPP mesmo porque o MP é “titular” da ação penal e não “dono” da ação penal.

Um bom exemplo do sistema acusatório onde se busca ao máximo assegurar a neutralidade e imparcialidade do Juiz Julgador, é o sistema francês.

COMO É NA FRANÇA 

A pedido do MP ou da vítima (que querendo, para tanto, se constitui em Parte Civil), um Juiz de Instrução faz toda a investigação do caso.

Ao final das investigações, as parte (MP, vítima – Parte Civil -, investigado e advogados) podem requerer a produção de outras provas complementares.

Completadas assim as investigações (não havendo situação de pronto arquivamento), o Juiz de Instrução encaminha o processo para outros Juizes (em outro Juízo) que julgarão o caso (três juizes – coletivamente – proferem o julgamento após ouvir as partes em audiência).

As investigações são secretas: mas o investigado pode abrir mão do segredo (o processo é guardado em armário fechado à chave pelo Juiz em sua própria sala onde trabalha apenas sua secretária-datilógrafa).

O segredo é mantido não apenas em razão do princípio da presunção de inocência mas também em defesa do princípio da imparcialidade evitando que possíveis pressões exteriores (de qualquer espécie como, por exemplo, o da mídia) influenciem o animo do julgador.

As partes podem recorrer dos atos do Juiz de Instrução.

O Juiz de Instrução não tem o poder de determinar a prisão do investigado. Esta, só pode ser autorizada por um outro Juiz, o das Liberdades e das Detenções.

Destarte, na França procura-se resguardar ao máximo a neutralidade e imparcialidade do(s) Juiz(es)  Julgador(es): o Juiz que faz as investigações, não prende, não acusa e nem julga.

 

A CONSTITUINTE. O MP. ANORMALIDADES

Reportamo-nos à votação do Capítulo IV, seção I da CF na Constituinte de 1988.

Havia uma aguerrida disputa entre o MP e os Delegados de Polícia para a ocupação de espaços. A Magistratura, de lado, passiva, assistia a disputa e se posicionava em não ter nenhuma dessas instituições atrelada a ela.     

Havia um jogo de interesses corporativos.

O texto original seguia o das Constituições Federais anteriores e era encampado pela grande maioria dos parlamentares (Centrão).

Até à noite anterior à votação, essa era a posição amplamente dominante. Os Delegados de Polícia presentes no Congresso – naquela noite – chegaram a comemorar a vitória num hotel da cidade. Porém, naquela mesma noite, comandados por Nelson Jobim (professor da Escola do MP do Rio Grande do Sul) e Ibsen Pinheiro (Promotor Público, RGS) ocorreu uma reunião de líderes partidários e foi aprovado o texto atual. Na plenária, sem qualquer debate, os parlamentares constituintes votaram conforme a indicação de seus lideres partidários.

Notas:

1. O lobby do MP paulista era comandado pelo promotor público Fleury Filho, então Secretário de Segurança Pública de Orestes Quércia a quem substituiu como governador de SP (há uma foto história da equipe de lobistas o MP com Ulisses Guimarães).

2. Sepúlveda Pertence, Procurador Geral da República à época da Constituinte quando se despediu da função declarou: “Eu não sou o Golbery, mas também criei um monstro”.  Atuou como lobista.

3. Não se discuta o poder de Jobim na Constituinte: acusado de intruduzir artigos na Constituição Federal, Jobim admitiu ao jornal O Globo ter inserido, sem submeter ao Plenário, dois artigos na Constituição. Um deles (revelou) era sobre a independência dos poderes. Sobre o outro artigo, ele nada explicou.

 

REFORMA URGENTE DO SISTEMA

É evidente que nosso sistema não funciona por distorção essencial das funções de investigação, de acusação e de julgamento o que gera principalmente um desequilíbrio entre as partes (MP e Defesa) e perigosa ofensa à garantia de imparcialidade.

Temos ainda agravadas essas disfunções pelo ativismo massivo de nossa mídia, de via única, a querer manipular os julgamentos.

URGE, portanto, uma imediata reforma do sistema de investigação, de acusação e de julgamento garantindo-se – ao máximo possível – a paridade entre as partes e a necessária imparcialidade do Juiz Julgador, tristemente tingida por figuras como Moro, agentes da Força Tarefa do MPF, Conserino e outros. 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

8 Comentários

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  1. Outro dia perguntei, em um

    Outro dia perguntei, em um posto do Nassif, se era a única a se espantar com a naturalidade do uso da expressão “Força Tarefa da Lava Jato – PF, MP e Moro”, inclusive usada pelo próprio dono do blog.

  2. Se não fizer nada, a Dilma cai…

    É como se a LAVA-JATO BUSCASSE DAR SUBSÍDIOS PARA LEGITMAR UMA AÇÃO DE UM OUTRO MEMBRO GOLPISTA!

    A fase agora é no TSE, e advinha onde a Lava-jato está atuando?

    Nas contas da campanha do PT!

    É incrível!

    Quem acredita em coincidência em politca?

  3. Este artigo confirma o que já

    Este artigo confirma o que já comentei no blog: a necessidade urgente, imediata de convocação de um Congresso Constituinte. O mais revelador do artigo e caráter (ou a falta dele) e dos interesses corporativos do MP e do seu então ‘ilustre’ representante, Nelson Jobim.

  4. Agora sim senhores.
    Estamos

    Agora sim senhores.

    Estamos diante de um texto razoável e ponderado que trata da “justiça” (*)brasileira.

    (*) prefiro o nome órgão do poder judiciário a “Justiça”. Justiça é outra coisa nem sempre “alcançada” pela “justiça” brasileira. Mas isso é longa história.

    Voltando.

    Como ia dizendo o autor em apertadíssima síntese conseguiu  nos passar uma análise, digamos, panorâmica do que seria o nosso “poder judiciário”. 

    E ao final, sugeriu uma reforma, o que é também louvável.

    O detalhe é que a “reforma” será feita por quem? Como? Onde? O “lobby” agora será exercido por quem?

    Vale a pena pensar nisso porque o que temos aqui é fruto de “nossa sociedade” que, em tese, deveria possibilitar os SUFRÁGIO UNIVERSAL ( votar e ser votado) exatamente para alternar o uso do poder a fim de fazer as “reformas” que atendam a maioria, sem “matar” a minoria.

    Note, no entanto, que a alternância do uso do poder parece ser uma  FALÁCIA no Brasil.

    Se não me engano , na administração pública estadual do Estado de SP,  há um bom exemplo de “alternância de poder, certo?

     

    Saudações 

     

  5. A lógica e a justiça

    Com os recursos cada dia maior da inteligência artificial, destinada a invadir todas as áreas do trabalho humano, já está na hora de iniciar a implantação de uma revisão geral de todas as leis, dentro da ótica da lógica e da justiça. Semelhante revisão geral das leis, teria que ser ralizada por juristas junto com matemáticos ou engenheiros. A partir daí, as leis deixariam de ser os verdadeiros cipoais, de múltiplas interpretações, cheio de duvidas e de saídas, entregues as interpretações das cabeças dos juizes, em sua maioria, nada preparados.

    Ou seja, deixar tudo dentro da lógica, até onde possível, deixaria os processos a cargo da inteligência artificial especializada, restando para os juiz, eventuais retoques, nos casos mais complicados. Este aprimoramento é possível e exequivel. Os julgamentos passariam a ser rápidos, precisos e honestos. Um dia a civilização chegará a este nível, Acreditem. Até lá, ficaremos entregues à pura sorte de ser julgado por um verdadeiro juiz, apesar da conhecida morosidade. Mas, na maioria das vezes, os simples mortais serão julgados por gente imcompetente e ou desonesta. É a Justiça que conhecemos, de há muito tempo. 

  6. ótima visão panoramica dessa

    ótima visão panoramica dessa questão..

    ou reforma-se o mpf-judiciário  ou ficaremos submissos a segmemntos

    que podem fazer o que quiser sem nenhuma garantia dos direitos das

    pessoas, um paradoxo, uma vez que vivemos numa sociedsde democratica

    ou pelo menos dizem que é isso….

  7. Exemplo do dia-a-dia de

    Exemplo do dia-a-dia de atentado ao instituto e garantia da Imparcialidade: de órgão auxiliar à Justiça – que asseguraria a neutralidade do Juiz – passa-se a sabotador da justiça

     

     

    http://www.ocafezinho.com/2016/02/22/a-doenca-do-promotor-politico-midiatico-se-espalha/

     

    ***

    Nota de Esclarecimento sobre a ação civil pública anunciada pelo Ministério Público

    Em relação à ação civil pública anunciada pelo Ministério Público, a Prefeitura de São Paulo esclarece:

     

    * O fato de convocar a imprensa e distribuir a petição inicial antes de ajuizar a ação indica o viés político do promotor Marcelo Milani.

     

    * O promotor teve atitude semelhante na ação civil pública sobre as multas de trânsito e produziu petição tão inconsistente que o juiz mandou que ele corrigisse a peça antes de prosseguir com o pleito. O promotor acabou perdendo o pedido liminar de improbidade em relação aos agentes públicos (prefeito e secretários) e nem sequer recorreu disso. Ou seja, queria apenas atacar a Prefeitura pela imprensa.

     

    * Ainda em relação às multas, o promotor entrou com ação praticamente idêntica contra o Estado, mas não deu entrevista nem entrou com pedido de improbidade contra o governador e seus secretários (apesar de o juiz daquele caso também ter determinado a correção da inicial, que estava malfeita).

    * Em relação a mais esta ação claramente política, a Prefeitura vai aguardar o recebimento oficial da peça para se manifestar, lembrando que todos os outros pleitos do MP contra as ciclovias foram rechaçados pelo Judiciário. Todos os processos dessa ciclovia estão em análise pelo Tribunal de Contas do Município.

     

    Secretaria de Comunicação da Prefeitura de São Paulo

     

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