A interpretação amiga da lei em favor de Bretas, por Marcelo Auler

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Foto: Câmara Municipal do RJ

Por Marcelo Auler

A “interpretação amiga” a favor de Bretas

Ao justificar o recebimento, junto com sua esposa, a também juíza Simone de Fátima Diniz Bretas, de um duplo auxílio-moradia, Marcelo da Costa Bretas, titular da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro e, como tal, juiz de parte da Lava Jato que o transformou “em agente da moralidade pública” – como definiu Elio Gaspari no artigo O Judiciário resolveu ser réu (Folha de S. Paulo -31/01) – alegou ter obtido o direito ao penduricalho em uma decisão judicial.

Para ele, isso demonstra a legalidade do ganho pelo casal de duas ajuda de custo com a mesma finalidade: pagar a casa em que ambos residem, provavelmente, casa própria. São R$ 8.755,46 mensais.

Concedido liminarmente pela juíza federal Fabíola Utzig Haselof (2/12/2014) e por sentença pela juíza Elizabeth Mendes (27/08/2015), a extensão do benefício para Bretas não só foi fruto de uma decisão classificada por muitos – a começar pelo deputado Federal Paulo Teixeira (PT-SP) – como “corporativa”. Contou ainda com a ajuda de “uma interpretação amiga” do Código de Processo Civil (CPC).

Pelo artigo 496 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (o novo CPC), “está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença (I) proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público”. Ou seja, quando a decisão de primeira instância é contrária ao Tesouro Nacional – como no caso – torna-se obrigatório o recurso a um Tribunal.

Verdade que a própria Lei nº 13.105 isenta desta obrigatoriedade “se a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a: I – 1.000 (mil) salários mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público“.

Informação inverídica nos autos  – No caso do Processo nº. 0168069-35.2014.4.02.5101 que Bretas e outros quatro magistrados federais – Paulo César Morais Espírito Santo, Anelisa Pozzer Libonati de Abreu, Erik Navarro Wolkart e Maria Luiza Jansen Sá Freire Solter – ajuizaram na 24ª Vara Federal do Rio de Janeiro reivindicando o direito de também receberem o auxílio-moradia já percebido pelos respectivos cônjuges, o dispêndio do Tesouro Nacional, mensalmente, ficou em R$ 21.888, 65.

Valor bem aquém dos mil salários mínimos vigentes à época (R$ 788,00). Mas, trata-se de uma decisão permanente, que por ano gerou – e continua gerando – um gasto de R$ 262.663. De lá (setembro 2014, pois a decisão foi retroativa) para cá (dezembro de 2017) já consumiu R$ 875.546. Isto não computando outros servidores que possam ter se aproveitado da decisão.

Não deixa de ser curioso, porém, que no próprio processo fala-se que houve recurso. Mas ele não aconteceu. Na mesma página do site da Justiça Federal do Rio em que aparece a sentença da juíza Frana há o registro de que o processo seguiu para recurso da Advocacia Geral da União (AGU) em 04 de setembro de 2015. Consta ainda que foi encaminhado ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), em 5 de outubro do mesmo ano, “por motivo de Processar e Julgar Recurso“.

Por onde o processo andou não se sabe. O certo, porém, é que Em alguma prateleira ele adormeceu já que o “recurso” anunciado, não foi impetrado Isto o Blog constatou não apenas na consulta ao site do TRF-2 mas, também através da assessoria de comunicação do mesmo. A resposta ao questionamento que fizemos confirmou nossa suspeita:

“Na verdade, houve um equívoco no lançamento da informação no sistema processual Apolo, da primeira instância. Não houve, então, recurso da AGU para o Tribunal. A ação transitou em julgado, cumprido o prazo necessário após a sentença de primeiro grau, e foi arquivada, como você pode verificar nos andamentos processuais subsequentes. Esta é a razão pela qual não é encontrada apelação no TRF2″.

Continue lendo aqui.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

6 Comentários

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  1. Aí tem!

    ““Na verdade, houve um equívoco no lançamento da informação no sistema processual Apolo, da primeira instância. Não houve, então, recurso da AGU para o Tribunal. A ação transitou em julgado, cumprido o prazo necessário após a sentença de primeiro grau, e foi arquivada, como você pode verificar nos andamentos processuais subsequentes. Esta é a razão pela qual não é encontrada apelação no TRF2″.”

     

    Não sei porque, quando acabei de ler este ultimo parágrafo, me lembrei de uma palavra muito utilizada por um sjeito injustamente condenado e que pode ser preso em razão desta injustiça.

    Só não consigo lembrar a palavra completa, alguem pode ajudar?

    É mais ou menos marac…não sei o que…rsrsr

  2. Escândalos do Judiciário e tarefas no Pós-Golpe.

    Ação entre amigos no “Escândalo Bretas”, ação entre amigos no “mercado de delações” de Curitiba.

    Quantas ações entre amigos ainda estão por aparecer? Aquela dos “amigos de Curitiba” com o Departamento de Justiça estadunidense parece ser a primeira de uma longa fila que deverá ser investigada por um governo Pós-Golpe. Existe também a “blindagem” do Golpista pelo “imparcial” de Curitiba quando dos depoimentos incômodos de Eduardo Cunha, e muitas outras de um grande novelo de sujeiras ainda submersas na trama do Golpe.

    Além de arrumar a bagunça feita pelos golpistas na legislação trabalhista, recuperar o Pré-Sal para o Brasil e democratizar a mídia, abrir a “caixa-preta” do Judiciário brasileiro.

    Realmente, um governo Pós-Golpe terá um mandato bastante trabalhoso.

  3.  
    Se o duplo grau de

     

    Se o duplo grau de juristição for necessário, não há o trânsito em julgado da sentença. O TRF2 deve avocar esse processo.

  4.   Interpretação MAIS que

      Interpretação MAIS que amiga. O autor do texto atirou no que viu, acertou no que não viu.

      Os leigos não costumam saber desses detalhes (Cadê o Dr. Fábio? Tira essa de letra), mas o atual CPC apenas entrou em vigor em 16 DE MARÇO DE 2016, ou seja, a sentença foi proferida (27.08.2015) e dela intimada a União (04.09.2015) ainda NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO ANTERIOR, a Lei 5.869/73.

      E O QUE DIZ A LEI 5.869/73, especificamente em seu art. 475, em sua redação dada pela Lei 10.352/01?

    Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:      (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)

    I – proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público;       (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)

    II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI).       (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)

    § 1o Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.        (Incluído pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)

    § 2o Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.       (Incluído pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)

    § 3o Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.    (Incluído pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)

     

    Pois bem, APENAS NÃO ESTÁ SUJEITA AO SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO a condenação ou direito controvertido NÃO EXCEDENTE a 60 salários mínimos, limite muito abaixo do caso do juiz Bretas. Ou seja, é caso do chamado REEXAME NECESSÁRIO, que tem esse nome justamente por NÃO PRECISAR DE APELAÇÃO DA PARTE, no caso, a União Federal.

    Para não dizer que a juíza PREVARICOU, direi apenas QUE ELA É MUITO RUIM, não conhece o próprio CPC nem o manjado princípio do “tempus regit actum”.

    No nosso mundo pós-Lavajato, a juíza, o representante da União (membro da AGU) e o presidente do TRF iriam todos em “condução coercitiva” para a cadeia, mas no mundo Judiciário esse é apenas um leve e desculpável lapso. É só dinheiro público mesmo.

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