A modernidade duvidosa de Ellen Gracie

Tatiane Correia
Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.
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Temendo que o julgamento dos embargos infringentes interpostos pelos advogados de defesa dos réus do mensalão possa reverter algumas condenações, a ex-ministra Ellen Grace, do alto do conservadorismo elitista que orienta suas posições, manifestou publicamente seu apoio à posição de Joaquim Barbosa: “A lei dos embargos infringentes não existe mais; a legislação mudou, foi atualizada e terminou com essa figura jurídica. A sociedade se modernizou e o julgamento valeu.”
 
A advogada aí, usa a ideia ‘modernização da sociedade’ como justificação da sua escolha, que é a de negar aos réus o uso do direito da ampla defesa e de lhes suprimir a garantia do princípio do contraditório, ambos abrigados na Constituição Federal. A única relação direta que a modernidade tem com a possibilidade jurisdicional de manejo de recursos diz respeito ao fato de que o Direito, como toda ciência e respectiva tecnologia, é uma maneira de pensar e de agir que estrutura a própria identidade da modernidade. Nesse sentido, a sociedade se moderniza na exata medida em que as ciências se aperfeiçoam com suporte em seus fundamentos.
 
Se a intensão (sic) do legislador com a nova lei foi a de extinguir o recurso dos embargos infringentes, privando aos inconformados de exercer o direito de revisão de seus julgados, incorreu-se em grave equívoco: o fundamento do direito de recurso tem por suporte uma lei da natureza: “a falibilidade humana”. De fato, quem faz erra, só não erra quem não faz. Querer superar essa condição humana, por meio de uma regra que expressa a vontade de uma maioria representativa, manifestada na fugacidade de um breve tempo e um lugar, é o mesmo que querer assumir uma esfera de sabedoria e de poder que só a Deus é admissível alcançar e exercer.
 
Não é porque uma nova lei nacional e infraconstitucional tenha omitido mencionar o direito de revisão da decisão judicial primária e única que o cidadão esteja colocado a nu em desamparo diante do erro quanto a compreensão dos fatos, quanto a escolha, interpretação e aplicação da lei, ou quanto ao devido processo legal. Para proteger a pessoa quanto ao erro, à subjetividade e ao arbítrio do julgador o ordenamento jurídico é completo e eficaz. Vale aplicar os princípios constitucionais e vale, também, aplicar as normas dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil. O artigo 8º do Pacto de San José de Costa Rica, em sua alínea h, é norma atual, válida e eficaz que garante o direito de o cidadão recorrer da decisão judicial com a qual manifesta inconformismo.
 
Não fosse a estrutura de vigência universal dessas convenções internacionais, as conquistas da Civilização Ocidental facilmente sucumbiriam ao autoritarismo de raiz fascio-nazista que identifica operadores técnicos que só estudam direito, direito que se esgota nos limites das regras positivas postas pelo parlamento, sob influxo dos interesses do mercado.
 
Por alexpontes
 
Muito bom e preciso comentário.
 
acrescentaria apenas uma conclusão que me parece correta e que já tive oportunidade de enviar a respeito da tal revogação implícita dos embargos infringentes.
 
Entender que a lei 8038 revogou implicitamente o ristf é uma interpretação manfiestamente contra a lei, em específico a norma que rege a matéria , o art. 2o, p. 1o, da Lei de introdução às normas do direito brasileiro, que cuida da questão da revogação implícita de uma lei por outra:
 
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
 
Assim, na medida em que a 8038 não declara expressamente revogar o ristf, e muito menos regula inteiramente a matéria nele contida (tanto que nem menciona os embargos infringentes, e muito menos o simples e corriqueiro embargos de declaração), apenas se a 8038 fosse incompatível com o ristf é que se poderia cogitar de revogação implícita. Isso é o que a norma do ordenamento jurídico brasileiro que cuida da questão diz expressamente.
 
Ocorre que não existe qualquer tipo de incompatibilidade entre ambas as leis, muito ao contrário, houve apenas uma complementariedade, se definindo com mais precisão o procedimento da ação penal originária na 8038.
 
Tal constatação, a de total compatibilidade entre a 8038 e o ristf, fica ainda mais patente e cristalina quando a própria 8038 prevê, no seu art. 12, que: Art. 12 – Finda a instrução, o Tribunal procederá ao julgamento, na forma determinada pelo regimento interno, observando-se o seguinte.(…)
 
Ora, se a própria 8038 remete ao ristf quando cita o procedimento para o julgamento da ação enxergar a incompatibilidade normativa exigida pelo ordenamento jurídico para a revogação implícita seria algo inteiramente teratológico. Com efeito, uma lei incompatível com outra nunca poderia remeter à essa a normatização de preceitos que ela mesmo deixa de efetuar. Quando faz isso se chama complementariedade, não incompatibilidade!!
Tatiane Correia

Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.

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