A omissão do judiciário permanece impune

Comentário ao post “a moçada condenou todos os símbolos de poder

Nassif,

Uma ótima análise; parabéns. Acho que, entretanto, falta um elemento nesta inequação. Aquele que deveria, por séculos, ser nosso “poder moderador” – a fim de não permitir que a atuação do Legislativo ou Executivo saíssem do controle e se tornassem estas máquinas operantes à serviço de seus titulares – , ficou e fica na moita. Até agora, não deu um pio: o Judiciário. Por séculos, tem sido um poder que é caudatário, senão áulico do executivo. Tem sido também um poder que troca favores e que, por seus mecanismos legais e burocráticos, tem permitido que os muitos desmandos se perpetuem. Tal prática chegou até o Supremos, no qual, a AP 470 segue aos trancos e barrancos, enquanto o colarinho branco representado pelo Daniel Dantas anda solto por aí.

Certamente, o Judiciário poderá sempre pretextar que sua imobilidade decorre de sua natureza inerte, que só age quando provocado, que não pode atuar de ofício, etc. etc, mas, venhamos e convenhamos, todos estes anos, senão séculos têm demonstrado que, seja lá para onde se direcione o poder, este se acomodará. Foi assim com a Revolução de 30, assim foi repetido com o golpe de 64, assim ocorre em muitos tribunais estaduais, entre eles, claro, o da Bahia, onde vivo. Ademais, podemos acrescentar que o Judiciário tem a seu dispor enorme cabedal normativo para agir quando a crise social ou o relevante caso jurídico o exigem, mas, no mais das vezes, tem se utilizado deste a fim de passar adiante as decisões de maior peso político, seja para burocraticamente exigir mais um trâmite processual para não decidir, seja alegar enorme carga de trabalho para mandar a decisão às calendas gregas.

Agregue-se a este problema a estrutura processual (burocrática) do direito brasileiro, ou seja, a conhecida e, muitas vezes, trágica obsessão do jurista Latino-Americano pelo raciocínio, pelas reflexões filosóficas (em detrimento da resolução de problemas práticos), pensamentos estes que são alimento intelectual de muitos deles e que são apropriados para se buscar, num interminável desenrolar de criações doutrinárias, inúmeros meandros para não fazer algo que somente pode ser realizado na atuação decisória, sujeita a erros e acertos que fazem parte da atividade jurisdicional, e da vida. Adicione-se a isto a recusa do Direito (como doutrina) em reconhecer-se como instrumento de poder de natureza claramente classista, para não dizer partidária. Alegam estes senhores a neutralidade de um campo de conhecimento (que não é ciência) moldado segundo as carências econômicas, sociais e políticas de qualquer sociedade e, que, no mais das vezes existe para perpetuar estruturas de poder. Gostemos ou não, por exemplo, foi elogiada pelos doutos a Constituição de 1988, ao estabelecer o final do processo judicial apenas em seu trânsito em julgado, permitiu-se que, primeiro, as questões demorem a ser decididas (se o forem) e, segundo, que a realização do próprio direito decorra, principalmente, do poder econômico (setor privado) ou institucional (setor público) do litigante. Pergunta-se: onde fica o cidadão comum ?

O mais irônico de toda esta situação é que, enquanto se fala aos brados da corrupção política, um dos poderes da República, nem é citado, porque, talvez invisível. Uma caixa preta. Pouco se sabe do sistema de troca de favores, das vendas de sentença, das inúmeras propinas feitas a incontáveis funcionários para que um processo seja movido desta àquela prateleira. Além disso, pouco se sabe de punições no judiciário, e não falo das remoções com os (in)devidos vencimentos, que são a regra; quero ver mesmo é o juiz ser destogado sem nada levar, nem mesmo para a aposentadoria; ou se preferir, não se veem muitos processos adminstrativos para a remoção dos serventuários corruptos, pois estes processos nem sempre terminam. E há mais: a resistência dos juízes em repassar suas planilhas salariais ou mesmo não contratar parentes já se tornou lendária. Atos como estes deveriam estar na boca de todos os que se manifestam, mas que nem sabem que isto acontece.

Enquanto o Executivo e o Legislativo têm que pagar por sua ação, a omissão do judiciário permanece impune; isto em um mundo cuja velcidade não nos mais nos permite que fiquemos aqui a discutir se cabe agravo, apelação ou embargo neste e ou naquele trâmite processual, ou muito menos em uma sociedade onde as demandas se tornaram tão urgentes que o princípio da inércia é destrutivo, para dizer o mínimo. Que ninguém se engane: a necessidade de respostas rápidas já começa a esvaziar as funções do judiciário, haja vista o surgimento dos tribunais de arbitragem (também muito caros para o cidadão comum) e o surgimento das agências reguladoras que, capturadas e ineficientes que se tornaram, ainda assim são capazes de responder a demandas de maneira mais direta. Que desperte o Judiciário neste não tão admirável mundo novo, caso contrário, será relegado a cuidar de inventários e partilhas.

Luis Nassif

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