Advocacia Criminal brada: Um basta ao autoritarismo!

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Jornal GGN – A Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) divulgou neste domingo, dia 17, Carta ao Brasil. No texto, um alerta diante de tantas dificuldades colocadas no caminho do exercício profissional, com a derrocada da presunção de inocência, o entrave à ampla defesa e ao contraditório e, por fim, à questão do juiz natural. Tudo isso, entende a Abracrim, vem na esteira da Operação Lava Jato, colocando em risco o Estado de Direito.
 
Leia a Carta a seguir.

Um basta ao autoritarismo! ABRACRIM aprova manifesto

CARTA DO BRASIL 2017 DA ADVOCACIA CRIMINAL

Os advogados criminalistas, por sua ABRACRIM – Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas e seus presidentes nacional e estaduais, que firmam a presente, em face das inúmeras dificuldades enfrentadas no exercício profissional durante o ano de 2017, resolvem proclamar à Nação o que segue, esperando a elevada apreciação de todos:

I. Os procedimentos penais liberais, subordinados aos princípios constitucionais democráticos da presunção de inocência, da ampla defesa, do contraditório, da proibição da prova ilícita, da proteção da intimidade, do juiz natural e, principalmente, da dignidade da pessoa humana, vêm sofrendo no país, a partir da chamada operação Lava Jato, uma série de violações que colocam em risco o Estado de Direito.
Se o Estado moderno tem o poder de investigar infrações à lei penal e conduzir procedimentos judiciais corretos para determinar a responsabilidade de seus autores, sob a égide daqueles princípios constitucionais, perde, porém, sua legitimidade para fazê-lo à medida que situa os acusados na condição de inimigos do sistema e contra os quais exerça as mais extremas medidas de coerção e execração.

II. Contribui para incentivar e manter o estado de inconstitucionalidade e ilegalidade dos órgãos da persecução criminal e seu modo truculento de agir – não raro criminoso – sua exaltação perpetrada, diariamente, pelos meios de comunicação, os quais, em sua maioria esmagadora, os têm justificado sob o pretexto de estarem a serviço do combate à corrupção.
Se a corrupção, por um lado, constitui uma grave infração contra a administração pública, que deve merecer o extremo e rigoroso controle por parte dos órgãos de fiscalização e persecução, não pode, por outro, justificar a quebra de competência e de todas as garantias processuais, mediante a institucionalização de um sistema de juizado universal, que solapa a confiança dos cidadãos na ordem jurídica e enaltece o punitivismo. A “cultura da ilegalidade persecutória”, divulgada por todo o país como forma de sua salvação, é incompatível com um regime centrado na defesa da cidadania.

III. Convém observar que a persecução penal dos chamados crimes do colarinho branco, ainda que valorada ao extremo como instrumento de edificação nacional, da mesma forma como deve ocorrer com todos os demais procedimentos, não pode ser realizada por meios violadores das normas constitucionais e legais. Não importa quem seja o acusado e nem a qualidade do fato cometido, o Judiciário tem o dever de lhe assegurar todas as garantias e direitos. É preciso lembrar também que, se a prisão de políticos e altos dirigentes do país, mesmo fora das condições de legitimidade, pode entusiasmar grande parcela da população, que erroneamente começa a acreditar na fertilidade do direito penal para solucionar os mais candentes problemas nacionais, os mesmos meios coercitivos ilegais fortalecem também, e cada vez mais, como consequência imediata de seus efeitos latentes, a criminalização da pobreza.

IV. A prática abusiva dos órgãos de persecução penal, incrementada pelo exercício arbitrário da jurisdição, com a chancela das cortes de apelação, está a merecer um efetivo controle por parte do Supremo Tribunal Federal, que, como guardião da Constituição e, portanto, dos direitos fundamentais, não pode coonestar com a perpetuação da ilegalidade, nem admitir que os direitos civis e políticos dos cidadãos submetidos a um procedimento penal possam ser descartados em proveito de uma quimérica e seletiva oferta de preceitos morais ou religiosos.

V. O Estado Democrático de Direito está ancorado não apenas nos poderes tradicionais da República, como também no livre exercício profissional. Uma sociedade não se compõe, portanto, só dos órgãos estatais. Nesse aspecto, o advogado é elemento essencial na organização da justiça, cabendo-lhe o destacado papel de defender os direitos da pessoa humana diante do poder do Estado. Para tanto, não pode ter cerceados seus direitos e prerrogativas, nem criminalizada sua atividade, sob qualquer condição ou pretexto. Tanto o Poder Judiciário como o Ministério Público têm o dever de respeitar suas atribuições, bem como resguardar o sigilo de seus arquivos, escritórios e de suas comunicações.

VI. Ao contrário do que se divulga e se quer demonstrar, o Brasil de nossos dias tem se destacado, sobremaneira, por uma quantidade extravagante de prisões provisórias e de condenações. Essa sanha punitivista nos coloca entre os três países que detêm o mais elevado índice de encarceramento, sem que isso tenha qualquer reflexo no controle da criminalidade. O encarceramento desmedido, que deve ser limitado pelo Supremo Tribunal Federal, consoante as normas internacionais, conduz também a uma execução da pena em condições desumanas, degeneradas, degradantes e diretamente ofensivas à dignidade humana.

Aos advogados criminalistas, aos quais compete lutar contra esse estado de coisas, deve ser assegurado o pleno exercício de todos os direitos de intervir no processo de execução penal, bem como dar aos seus clientes, em qualquer estabelecimento prisional, a devida assistência, a qual envolve também o direito de com eles se entrevistarem, de maneira reservada, sem se submeterem a qualquer tipo de revista, constrangimento ou violação de privacidade.

VII. As funções exponenciais dos órgãos jurisdicionais não excluem aquelas de todos os demais órgãos que intervêm na persecução penal, mormente aqueles da Polícia Judiciária e do Ministério Público, sempre no sentido do dever e da obrigação de respeitar e tornar vivos os princípios e as regras que fundam a República Federativa do Brasil e, antes de tudo, os direitos e garantias individuais. Sob tal perspectiva, a polícia não pode ser usada como instrumento de extermínio, cabendo ao Ministério Público coibir esses atos e determinar a responsabilidade de seus autores.

VIII. A advocacia criminal deve ser exercida dentro dos padrões de legalidade e de ética social. O advogado tem a obrigação de manejar em favor de seu cliente todos os recursos que lhe são legalmente disponíveis, mas, cônscio de suas relevantes funções na ordem jurídica democrática, não deve servir de instrumento da polícia judiciária e do Ministério Público, nem substituir suas atividades de profissional liberal pelas de assessoria daqueles órgãos.

IX. Diante da proliferação dos atos de delação na Justiça Criminal, com graves e irreparáveis prejuízos aos delatados, de um lado, e benefícios ilegais e extremos aos delatores, de outro, conclama-se ao Congresso Nacional a editar uma lei específica sobre o tema, no sentido de lhe impor correções e rigorosos limites. No mesmo sentido, em face dos manifestos atentados ao exercício da advocacia, conclama-se do mesmo modo à Câmara dos Deputados a dar seguimento à votação imediata da Lei de Abuso de Autoridade, como condição de estabelecer uma paridade de atuação de todos os órgãos e assegurar o respeito aos direitos fundamentais do cidadão.

Curitiba, 17 de dezembro de 2017

Elias Matar Assad
Presidente Nacional

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Presidente

 

 

Lourdes Nassif

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