Cada vez fica mais difícil acreditar em nosso Sistema de Justiça Criminal, por Afrânio Silva Jardim

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do Empório do Direito

Cada vez fica mais difícil acreditar em nosso Sistema de Justiça Criminal

por Afrânio Silva Jardim

É um absurdo o que está acontecendo neste país em relação ao ex-presidente Lula!!!

Ao que parece, os magistrados que participaram dos vários julgamentos que envolveram o ex-presidente Lula se deixaram influenciar por suas ideologias antagônicas à defendida publicamente por este grande líder popular.

Na verdade, sempre que a questão ideológica estiver presente, em um processo judicial, a neutralidade dos julgadores ficará seriamente comprometida. O nosso Poder Judiciário e o próprio Ministério Público são instituições conservadoras e temem perder seus vários privilégios com um governo verdadeiramente popular.

Em uma sociedade rigidamente dividida em classes, as instituições de cúpula deste Estado têm a tendência natural de pugnar pela manutenção do “status quo”.

Tudo isto pode explicar, ao menos em parte, a perseguição a que está sendo submetido o ex-presidente Lula pelo sistema de justiça criminal, conforme resumimos abaixo:

1) Condenação surreal no primeiro grau de jurisdição, com processo repleto de nulidades e por juízo absolutamente incompetente. Condenação esta (caso Triplex) repudiada por quase toda a comunidade acadêmica.

2) Decisão bizarra no Tribunal Federal Regional, com aumento da pena para burlar a prescrição da pretensão punitiva, ao arrepio das regras do Cod. Penal que tratam do tema.

3) Decisão do S.T.J. denegando Habeas Corpus em favor do ex-presidente, a qual simplesmente desconhece a vigência das regras do art.283 do Cod. Proc. Penal e do art.105 da Lei de Execução Penal. Para fugir do enfrentamento desta questão, o tribunal assevera que tem de seguir o que já decidiu S.T.F. Todos sabem que o S.T.F. já tem entendimento diverso e que eles estão julgando contra a Constituição e as regras ora mencionadas !!!

4) O Ministro Fachin, sabendo que a segunda turma do S.T.F. é contra a execução provisória da pena, tira o julgamento do Habeas Corpus do seu “juiz natural” e remete o processo para o plenário do S.T.F.

5) A presidenta do S.T.F. não coloca o processo em pauta para ser julgado, embora os Habeas Corpus tenham preferência legal. Cinismo.

Por tudo isso, a população está estarrecida e revoltada, embora (in)devidamente contida. Há sempre uma esperança de que o Poder Judiciário irá voltar a afirmar a sua indispensável dignidade.

Custa a crer que esta imoral perseguição continue a acontecer. Chego a ficar meio desesperado. Algo precisa acontecer para fazer cessar esta tremenda injustiça que está sendo perpetrada contra o maior líder popular de toda a nossa história.

Na verdade, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Habeas Corpus impetrado pelo ex-presidente Lula, acabou de fingir que não percebeu que o Supremo Tribunal Federal fingiu que não existem as regras do artigo 283 do Cod. Proc. Penal e artigo 105 da Lei de Execução Penal.

Assim, embora não declarados inconstitucionais ou revogados, estes artigos não existem para o ex-presidente Lula !!!

“Artigo. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória TRANSITADA EM JULGADO, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011)”

“Artigo 105. TRANSITANDO EM JULGADO a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução.”

Diante destas claras e cogentes regras legais, que são corolários lógicos do princípio constitucional da presunção de inocência, chega a beirar um grande cinismo a aceitação da execução provisória em nosso país. Uma coisa é o que gostaríamos que a ordem jurídica dissesse e outra coisa é o que ela efetivamente dispõe.

Sem boa-fé e honestidade intelectual não é possível o diálogo e fica impossível a realização concreta do valor justiça.

O chamado ativismo judicial resulta de um perigoso autoritarismo do Poder Judiciário. O voluntarismo no ato de julgar leva a uma perigosa insegurança jurídica !!!

Ainda dizem que estamos no Estado Democrático de Direito. Até nisto a Constituição da República não é respeitada.

Afrânio Silva Jardim é Professor associado de Direito Processual Penal da Uerj. Mestre e Livre-Docente de Direito Processual (Uerj). Procurador de Justiça (aposentado) do Ministério Público do E.R.J.

 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

3 Comentários

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  1. País Judicial

    O desequilibro

    Brasil é um paraíso para as categorias que dependem do sistema de justiça, desde tempos imemoriáveis. Se uma nação optasse em forma desenfreada pelas obras públicas e investimentos em infraestrutura, proliferariam as carreiras de engenharia. Se esta nação assumisse que a educação é a sua prioridade, pois então teríamos os professores mais bem pagos do mundo e proliferariam as faculdades de pedagogia. Ainda, se a opção fosse pela saúde, teríamos grandes hospitais, centros de atendimento e mais médicos que em Cuba, atendendo por todo o Brasil.

    Uma nação desenvolvida teria o equilíbrio entre as diversas atividades.

    A ditadura do judiciário

    Mas, nada disso aconteceu aqui. As elites brasileiras têm permitido apenas a judicialização do nosso cotidiano, com viés claramente ganancioso e não de “justiça”. Vivemos uma ditadura do judiciário, com milhares de páginas e páginas de leis, decretos, artigos, procedimentos, jurisprudências e etc.. Embora atendendo uma pequena parcela da população brasileira, o esquema de justiça opera com três conjuntos de advogados: os que acusam; os que defendem e os que julgam. O butim é distribuído entre eles, abertamente ou por fora (como dizia o Tacla Duran).

    O anterior é tão certo que, atualmente, existem no Brasil mais faculdades de direito que em todo o mundo ocidental somado. Existem no Brasil mais advogados que o exército inteiro da China, Rússia, Coreia do Norte e França somados. São mais de 1 milhão e cinquenta mil advogados e entre 3 a 4 milhões de bacharéis, espalhados pelo Brasil e atendendo o andar de cima da população.

    A defesa do mercado e a fuga dos empresários

    Antigos empresários, de qualquer tipo, sublimaram-se para o setor financeiro, justamente para não ser depenados por esta categoria judicial. O velho capitalismo fugiu para uma nuvem financeira onde raramente paga imposto ou é importunado pela turminha togada. Ao invés de ter uma padaria, o antigo empresário prefere ter uma casa e alugar para outro corajoso que enfrente os gananciosos do esquema.

    Embora com toda essa quantidade de operadores do direito, o esquema funciona apenas para quem puder pagar advogado e evitar o constrangimento de ter que mentir diante de um Juiz (já o advogado pode). Apenas uma pequena parcela da população convive nestes ambientes com ar condicionado, onde milhões mudam de mão a cada martelada de Juiz. Ontem, pelo que foi noticiado, os juízes federais estiveram em greve e não apenas ninguém ficou sabendo na prática, mais, o Brasil ficou mais rico ao não ter – durante a greve – nenhuma das suas repartições públicas ou empresas estatais depenadas pela martelada de um Juiz.

    E o andar de baixo?

    As pessoas do andar de baixo (mais de 90% da população) não tem dinheiro para entrar no esquema e, mesmo quando explorados ou lesados, são tratados como bandidos e encurralados nas suas comunidades. Essa parte da população conhece outro lado do esquema, o esquema repressivo, aplicado a quem não consegue pagar para azeitar as engrenagens do “judiciário”, assim como o cantor Belo, que sai da cadeia no final de semana para fazer show e juntar grana para pagar ao advogado que o estava depenando. O povão conhece da justiça apenas o policial de rua e o delegado. Hoje, essa população é tratada a bala, com soldados do exército.

    O problema atual

    O maior problema do judiciário foi justamente o holofote e o palco que evitaram durante séculos e que hoje, por vaidade, quiseram aparecer e se expor, mostrando serviço para quem manda mesmo no Brasil. Assim é que, graças a essa exposição, ficamos sabendo hoje dos seus podres, da filha do juiz que furou a fila de promoção, a casa comprada em Miami e etc.

    O judiciário está hoje encurralado, em forma corporativa, na defesa dos seus centenários privilégios e com o cuidado de manter em silencio os eventuais delatores vindos do setor da elite, pois, como se tem dito, o assunto é “com Supremo, com tudo”. Bastou ao Wesley e Joesley mencionar que iriam delatar juízes e já estão soltos. O mesmo acontece com tucanos, principalmente, que durante muitos anos tem compartilhado coquetéis, festas e banhos de sauna com esta parte da elite togada.

    Por isso toda essa injustiça, de liberar tucano e condenar o PT, seguindo um script encomendado pelo poder global.

    O Futuro que deverá vir

    O judiciário fará de tudo para manter privilégios, para manter o Brazil colônia que lhe garante os privilégios e para manter o mercado para milhões dos seus colegas sem toga. Para isso, continuará até o final a sua tarefa de condenar um inocente que conseguiu mostrar para o povo que o judiciário está nu. Com uma mão acima do Lula e com a outra mão escondendo podres de quem poderia delatar aos próprios juízes.

    Pobre o país que tem professores mal pagos, falta de médicos onde são mais necessários e engenheiros pilotando Uber, enquanto o judiciário distribui milhões a cada martelada.

    Um novo governo popular poderá trazer de volta as prioridades de uma nação que ainda nem começou a ser construída e, nesse novo Brasil, começarão a chegar a cargos meritocráticos pessoas vindas do Brejo da Cruz, que sentirão orgulho de onde viram e para onde poderão levar o resto da população junto com eles.

  2. Lição

    Todos nós sabemos que juizes permanentes adquirem um “esprit de corps”, que estão sujeitos a serem tentados por suborno, que são desencaminhados por favores, relações, espírito partidário, devoção ao poder executivo ou legislativo…É por esse motivo que, nos Estados Unidos, há mais de 200 anos, quem diz se o acusado é culpado ou não é o juri – a representação popular na área da Justiça. Nunca um juiz. Por sinal, a primeira frase deste comentário é de Thomas Jefferson, e foi escrita em Paris, em 19 de julho de 1789. Quando vamos aprender com os pais da democracia?

  3. O pior inimigo é o que consegue se esconder.

    Só não consigo enxergar absurdo nem cinismo. Enxergo prevaricação, que vem sendo praticada faz tanto tempo que a gente chega a achar natural.

    Bem que os professores de Direito podiam dar sua contribuição criando uma cadeira que se chamasse “O Direito de que se fala e o Direito que realmente se vive”. Ou, num exercício “ad argumentandum tantum”, escrever a Constituição como ela é realmente aplicada.

    O pior inimigo é o que a gente não vê, por mais esforço que se faça não tem como ser combatido.

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