CNJ não resolveu abusos de juízes nas redes sociais, só criou diferenças em julgamentos reais

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia emitiu nota nesta terça-feira (19) afirmando que o Provimento nº 71/2018 do CNJ (Conselho Nacional de Justila) não resolve os “excessos e abusos cometidos por alguns juízes e juízas nas redes sociais”, mas cria outro problema ao tornar nebulosa a concepção do que pode ou não ser manifestado na internet. Na prática, o texto dúbil pode viabilizar que casos reais sejam julgados de maneira distintas, a depender da ideologia que está sendo apoiada pelo magistrado.
 
“Longe de ser esclarecedor ou de estabelecer parâmetros para evitar, de fato, que magistrados abusem do poder, o que poderia ser de alguma serventia social, o texto tenta regular a manifestação pública de juízes e juízas por meio de expressões vagas e dúbias, como ‘atividade com viés político-partidário’ ou ‘situações que evidenciem apoio público a candidato ou a partido político’. As lacunas interpretativas mostram-se, de um lado, capazes de tolher a liberdade de expressão de juízes e juízas e, de outro, criar uma diferença de tratamento na hora de se julgar casos concretos.”
 
Em entrevista ao Justificando, o juiz de Direito Marcelo Semer lembrou que o autor do Provimento, ministro João Otávio Noronha, inclusive, instaurou processos contra magistrados que denunciaram o golpe do impeahcment de Dilma nas redes sociais. Mas nada fez contra juízes que participaram das manifestações de grupos que pediram a saída da presidente, nas ruas de várias capitais brasileiras.
 
Leia, abaixo, a nota completa.
 
Nota pública sobre o Provimento nº 71/CNJ 
 
No dia 13 de junho de 2018, o Corregedor do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, ministro João Otávio Noronha, publicou provimento visando dispor sobre o uso do e-mail institucional pelos membros e servidores do Poder Judiciário, e sobre a manifestação de magistrados e magistradas nas redes sociais.
 
Preliminarmente, é necessário reconhecer que, quando o parágrafo único, do art. 95, da Constituição Federal de 1988 proíbe aos juízes e juízas “dedicarem-se a atividade político-partidária” está tratando de militância nas instâncias de um partido. Disso se extrai, em princípio, que não cabe a um ato administrativo de natureza vinculada estabelecer uma interpretação que amplia o sentido e conteúdo do dispositivo constitucional.
 
A liberdade de expressão é um valor. Por óbvio, juízes e juízas são sujeitos sociais e portadores do exercício de cidadania ativa. Desse modo, como qualquer cidadão e cidadã, têm todo o direito de se manifestar, externar seu pensamento e participar de movimentos legítimos, que não lhes sejam vedados expressamente.  Manifestações de opinião, nas redes sociais ou fora delas, não se confundem com dedicação a atividades partidárias. Os limites a serem respeitados, nessa atuação, são os mesmos estendidos a cada pessoa ou coletivo.
 
Não se desconhece que alguns magistrados e magistradas usam as redes sociais indevidamente, para manifestações contrárias a normas e princípios, indicando posturas preconceituosas, racistas, machistas, xenófobas, homofóbicas ou, ainda, como espaço ampliado de sua atuação jurisdicional, tratando publicamente de casos de autos em que atuam, confundindo claramente independência funcional com liberdade para agir de acordo com sua autodeterminação na relação com outros cidadãos e cidadãs.
 
Em concreto, a liberdade de expressão é um direito assegurado em inúmeros tratados internacionais, na premissa de que sua garantia deve assegurar as vozes dissonantes, a multiplicidade de pensamentos, independentemente do establishment e das forças que operam o Estado, o que, em nenhuma hipótese, pode dar guarida à ordem do discurso. A normatização dos limites não está fora dos padrões democráticos.
 
Ocorre que o Provimento nº 71/2018 do CNJ não se presta a atacar, de fato, os excessos e abusos cometidos por alguns juízes e juízas nas redes sociais, com vistas a evitar comportamento desviante de normas. Longe de ser esclarecedor ou de estabelecer parâmetros para evitar, de fato, que magistrados abusem do poder, o que poderia ser de alguma serventia social, o texto tenta regular a manifestação pública de juízes e juízas por meio de expressões vagas e dúbias, como “atividade com viés político-partidário” ou “situações que evidenciem apoio público a candidato ou a partido político”. 
 
As lacunas interpretativas mostram-se, de um lado, capazes de tolher a liberdade de expressão de juízes e juízas e, de outro, criar uma diferença de tratamento na hora de se julgar casos concretos.
 
É nesse sentido que a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD, como defensora das liberdades e dos princípios constitucionais fundantes do Estado Democrático de Direito, vem a público manifestar-se acerca da inconstitucionalidade formal e material do Provimento nº 71/CNJ e defender sua revogação e retirada do mundo jurídico.
 
Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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