Condução coercitiva de investigado é violação sim, por Afrânio Silva Jardim

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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A condução coercitiva do réu ou do indiciado

por Afrânio Silva Jardim

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Discordo inteiramente de parecer do procurador-geral da República (vejam o link).

Oportunamente, faremos um estudo mais técnico sobre esta questão jurídica. Por ora, apresentamos uma análise superficial, tendo em vista a ausência circunstancial de mais tempo.

1 – Se o réu ou indiciado tem o direito de ficar calado, por que conduzi-lo contra a sua vontade, à presença do Delegado de Polícia? Seria para tomar um “cafezinho” com a autoridade policial?

2 – É muito controvertido o chamado “poder geral de cautela” no processo penal. De qualquer forma, se o conduzido não está obrigado a falar, a decisão judicial deveria dizer, expressamente e fundamentadamente, que outra prova a condução coercitiva teria como objetivo trazer aos autos do processo.

3 – Não vale o argumento de que é uma medida menos gravosa do que as prisões provisórias. Se uma dessas prisões fosse cabível, deveria ser decretada, mediante devida fundamentação. A condução coercitiva jamais impediria que o conduzido praticasse quaisquer dos atos que legitimariam tal prisão cautelar pois, após “tomar o cafezinho com o delegado”, ele volta para a sua casa.
A prevalecer este entendimento, sob o pretexto de não prender o réu ou o indiciado, o Estado poderia quase tudo. Sempre diria: isto é menos gravoso do que sua prisão… Eu poderia (deveria, então) prendê-lo, mas como “eu sou bonzinho”, lhe crio outras restrições e constrangimentos, embora não previstos em lei. Seria uma forma cínica de abandonar o princípio da legalidade.

4 – O réu ou indiciado não pode ser impedido de assistir à busca domiciliar em sua residência (até para fiscalizá-la) ou de se comunicar, previamente, com seus advogados ou mesmo outros réus ou investigados. O cidadão em liberdade pode falar com quem quer que seja …

5 – Acho até que não se trata de inconstitucionalidade do art. 260 do Cod. Proc. Penal. Entendo que ele foi revogado pela Constituição de 1988, sendo incompatível com o sistema processual acusatório e várias outras regras e princípios constitucionais.

6 – Nada disso vale para a condução coercitiva das testemunhas, que têm o dever de prestar depoimentos. Calar a verdade é crime de falso testemunho (como mentir também).

7 – De qualquer forma, pela regra processual mencionada, a condução coercitiva, em qualquer hipótese, pressupõe uma intimação prévia e que ela tenha sido desatendida.

Acho incompatível com o Estado Democrático de Direito que se permita acordar uma pessoa às seis horas da manhã (para mim, já uma tortura …) e forçá-la, até fisicamente, a comparecer a uma delegacia, em um carro da polícia, tudo na frente dos filhos, cônjuge e vizinhos. Um constrangimento absurdo, até por que ele é presumido inocente pela Constituição.

Nem cabe aqui elencar outros danos que isto pode causar a esta pessoa. Imagine perder uma viagem ao exterior, onde tinha um relevante compromisso, apenas para tomar um cafezinho com o Dr.Delegado …

Na democracia, os fins não podem justificar os meios. Não é valioso postergar garantias conquistadas pelo nosso processo civilizatório, criando instabilidade e insegurança na população, apenas para mais rapidamente tentar obter uma prova. Dias sombrios estes nossos…

Afranio Silva Jardim, professor associado de Direito Processual Penal. Mestre e Livre-Docente em Direito Proc .Penal (Uerj).

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

7 Comentários

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  1. Concordo com todas as

    Concordo com todas as ponderações do professor Jardim. Entretanto, rememorando as circunstâncias da condução coercitiva do presidente Lula, ficou-me evidente de que a mesma foi apenasuma cilada. Explico. Moro havia autorizado sua interceptação telefônica e a manteve mesmo após decidir pela condução de Lula, o que, em si, já me parece contraditório. Como um juiz autoriza condução ou prisão de alguém que ainda está sendo interceptado em suas comunicações? O lógico seria suspendê-la, assim que decretou a prisão ou condução coercitva do investigado porque o mesmo terá suas comunicações limitadas após a prisão. Mas, talvez por isso mesmo, Moro não mandou prender Lula e sim conduzi-lo coercitivamente. Após prestar seus esclarecimentos, Lula foi liberado e, naturalmente, começou a falar ao telefone com diversas autoridades e amigos, preocupados com a situação. Assim, flagrou-se Lula em conversas com a presidenta, com ministros de Estado, com advogados, violando sua intimidade, em uma episódio “jurídico” maquiavelicamente arquitetado, para expor Lula e as autoridades envolvidas. A partir deste fato – condução coercitiva -, nada foi obtido como prova de cometimento de ilícitos por parte do ex-presidente, mas as interceptações de dezenas de conversas e sua posterior divulgação preparou o ambiente para o linchamento público de Lula, a convocação de manifestações e o impeachment da presidenta Dilma.

  2. data venia

    Com a maxima venia, não acho nenhum elogio dizer que a tal “analise superficial” ESPANCA as falacias fascistas dos ativistas da lava jato TRÊS ANOS APÓS toda essa chacrinha.

  3. O que ele escreveu é o básico

    O que ele escreveu é o básico do básico, nem precisa ser jurista ou ADEVOGADO, para saber isso.

    Infelizmente o País está se perdendo.

  4. O Direito Penal – processual

    O Direito Penal – processual e material – restringe a violência do Estado.

    Corretíssima a análise acima.

    Não se olvide, outrossim, a forma em que a polícia federal tem agido: antes mesmo da alvorada, com aparato policial exibicionista, cobertura midiática e toda sorte mais de excessos humilhantes e constrangedores que se tem visto… 

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