Delação sobre esquema de Temer nos portos é recheada de “eu acho” e “ouvi dizer”

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Foto: Lula Marques/Folhapress
 
 
Jornal GGN – Não será de se estranhar se num futuro não muito distante a denúncia contra Michel Temer em função do escândalo dos portos for desacreditada até mesmo pelo Judiciário ou próprio Ministério Público Federal. Já aconteceu em outras vezes, quando a delação aceita revelou-se, posteriormente, um amontoado de palavras sem provas correspondentes. É o que acontece com os relatos de Lúcio Funaro sobre Temer e os favorecimentos à empresa Rodrimar.
 
O relacionamento de ambos se arrasta há décadas e já foi, inclusive, objeto de investigação sob a batuta do Supremo Tribunal Federal. Rodrigo Janot, ex-procurador-geral da República, quis desenterrar o caso e aceitou a colaboração de Funaro, operado do PMDB, para atingir esse e outros objetivos.
 
Só que o vídeo que a Folha de S. Paulo publicou sobre o que Funaro diz sobre Temer e Rodrimar é recheado de “Eduardo Cunha me disse”, “eu acho”, “não tenho provas, mas acho que sim”. E quando os procuradores perguntam como o grupo de Temer e Cunha recebia a propina das empresas defendidas no Congresso, o delato só soube dizer que era por meio de doações oficiais.
 
Veja, por exemplo, o diálogo abaixo.
 
PGR: Michel Temer tem influência sobre a Rodrimar?
 
Funaro: Eu acho que ele tem grande apreço pelos pleitos da Rodrimar. Ou ele ou as pessoas que ele determina para que vejam quais os interesses seus…
 
PGR: Mas qual o envolvimento dele com a empresa Rodrimar?
 
Funaro: Que eu sei, pediu para que fossem defendidos os interesses da Rodrimar na MP dos Portos.
 
PGR: Mas ele tinha relação com o proprietário, algo assim?
 
Funaro: Eu acho que ele tinha. Não tenho provas disso, mas acho que ele tinha.
 
PGR: Você mencionou MP 595/13. Qual foi o fato que envolveu essa MP e em que ponto isso alcançava Michel Temer?
 
Funaro: Bom, essa MP foi feita para a reforma do setor portuário e ela ia trazer grande prejuízo para grupo Libra, que é grupo aliado de Cunha e um dos grandes doadores de Michel Temer. O grupo Libra não ia poder renovar mais suas concessões portuárias, porque ele tinha vários débitos fiscais inscritos em dívida ativa. Cunha pôs dentro dessa MP uma cláusula que empresas que possuiam dívidas ativa inscrita poderiam renovar seus contratos desde que ajuizassem a arbitragem para discutir esse débito tributário.
 
PGR: Michel Temer teve influência nisso?
 
Funaro: Eu acho que ele deve ter feito pedidos para Eduardo Cunha, que era quem estava conduzindo todo o processo, protegesse os interesses.
 
PGR: Por que você diz isso?
 
Funaro: Porque tanto a Eldorado [da J&F] quanto a Rodrimar tinham interesses, e na época Cunha me narrou que Temer pediu isso e aquilo, para a coisa não sair de controle.
 
PGR: Depois da aprovação dessa MP, houve recebimento de comissão pelo PMDB?
 
Funaro: Por doação política, tenho certeza. Seria a propina disfarçada de doação oficial. Outros tipos de recebimento, não tenho conhecimento.
 
PGR: Você tomou conhecimento disso por meio de Cunha?
 
Funaro: Por relatos exclusivamente de Eduardo Cunha em almoços comigo, reuniões comigo. Uma vez ele me relatou que tinha ido jantar na casa do Daniel Dantas, no Rio de Janeiro, para resolver problemas dos portos. O Daniel é acionista da Santos Brasil. Então, ele me relatava estes fatos.
 
***
 
Funaro ainda disse frases como “Temer interesse em atender todos os pedidos” de empresários do setor de portos e “Em São Paulo, todos sabem que o Porto de Santos é área de influência de Michel Temer.”
 
Ele mencionou também que Temer não concentrava os esquemas nas mãos de uma mesma pessoa, e citou o uso de José Yunes como operador como fato de seu conhecimento. Mas a parceria com o coronel Lima, Funaro afirma que só tomou conhecimento pela imprensa. 
 
Além disso, o operador do PMDB afirmou que Yunes lavava o dinheiro de Temer aplicando em imóveis. A edição da Folha não permite saber se ele foi cobrado sobre as provas. Se não foi, parte substancial da delação entra para a lista de diversos outros acordos firmados pela Procuradoria que só serviram para oferecer regalias aos delatores em troca de pouca ou nenhuma efetividade na condenção dos delatados.
 
Funaro diz que operador de Temer lava dinheiro com imóveis
 
Para Funaro, o dinheiro recebido por Yunes era investido em imóveis da incorporadora que pertence à família do advogado, a Yuny. O operador disse ainda que, pela sua experiência de 25 anos no mercado financeiro, sabe que a maneira mais fácil de lavar dinheiro é por meio de aquisição de imóveis.
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

6 Comentários

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  1. E essa eh so uma das razoes

    E essa eh so uma das razoes que eu nao uso “eu acho” exceto em rarssimas circunstancias.  Enfraquece tudo que se segue.

  2. Podia escalar o pessoal de

    Podia escalar o pessoal de Curitiba – pau pra toda obra – para fazer o mesmo que estão fazendo com o Lula. Não há provas mas como foi publicado na grande midida e saiu no JN, é o bastante para condenar esses a cento e tantos anos de prisão.

  3. Fica cada vez mais clara a
    Fica cada vez mais clara a real utilidade da delação premiada tupiniquim: perpetuar o delito para enriquecer juízes e procuradores. Comete-se o crime, prende-se os suspeitos de sempre, julgam os juízes de sempre, condenam-se alguns desafetos desavisados, e soltam os delatores de sempre, para uma nova rodada de delitos, e assim por diante. Enquanto isso, o butim (multas, honorários, e sabe-se lá mais o quê) vai engordando os moros,dallagnois, e Carlos fernandos da vida.

  4. então…

    O MPF deverá dizer ao Funaro que ouviu falar de determinadas premiações em determinadas delações – se comprovadas, mas que acha que o Funaro não apresenta delação nenhuma….

  5. *

    Com profissionais não se brinca.

    Ainda mais do crime organizado.

    Nessas horas, a histeria do MP não serve para nada. Talvez com essa PF houvesse um empate.

    De quebra, desviam o foco e insinuam que a “propriedade” de um triplex e de um sítio é uma prova de lavagem de dinheiro.

  6. O país levará anos, talvez

    O país levará anos, talvez até décadas, para se recuperar do papel deletério do instituto da delação premiada em razão tanto do desvirtuamento na sua aplicação como os reflexos na operacionalidade e funcionalidade do sistema de repressão. 

    Por esse aspecto, o que se observa é uma acomodação, indolência e passividade dos agentes públicos responsáveis pelas investigações e formulação de denúncias(PF e MP, respectivamente). Daí a fragilidade das peças incriminatórias dado que ancoradas na confissão de delatores mais empenhados em se safarem do que propriamente colaborarem com a Lei. 

    Para corrigir o despautério a saída seria ou a extinção dessa monstruosidade ou, no mínimo, a revisão dos seus termos. Por exemplo: todas as denúncias de delatores teriam, obrigatoriamente, de serem acompanhadas de provas materiais reconhecidas como legais. Declarações contendo expressões de cunho subjetivo do tipo “eu acho”, “eu soube”, “fulano me disse”, “é bem provável”, “suponho”, e correlatas, deveriam ser sumariamente rejeitadas até mesmo como indícios. 

    O mais importante: tais peças só poderiam ser repassadas para a imprensa quando já formuladas as denúncias pelo Ministério Público,  e não ainda na fase de inquérito, como se dá nos moldes atuais quando reputações são destroçadas só com base em indícios colhidos de delações e depoimentos frágeis ou mesmo falsos. 

    Quantas tragédias iguais ao suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier serão necessárias para que o país repense essas práticas nefastas?

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