Delação é chave de entrada e de saída da cadeia, por Antonio Mariz

Do Estadão

Delação, chave de entrada e chave de saída da cadeia

ANTONIO CLÁUDIO MARIZ DE OLIVEIRA 

O título deste texto, que também poderia denominar-se Traição a serviço da ‘Justiça’, reflete, alegoricamente, o real significado da delação premiada, um instituto ligado, na verdade, ao aprisionamento sem culpa e a uma distorcida ideia de Justiça, e não ao escopo declarado em lei, qual seja o de constituir um instrumento para o esclarecimento da verdade real sobre o crime e seus autores. A primeira objeção a ser posta diante do instituto da delação premiada se refere à insegurança jurídica que é por ele gerada.

O acusado preso sofre um rebaixamento no seu senso ético e moral, sendo atingidas as noções do certo e do errado, do justo e do injusto, do bem e do mal. Fragilizado, o colaborador fica sujeito a qualquer tipo de estímulo para ver minimizado o sofrimento imposto pela sua estada no cárcere. E atualmente a delação premiada, incentivada pelas autoridades, se apresenta como o mais viável meio de alcance da liberdade.

O encarcerado, com apoio na verdade ou falseando-a, passa a acusar companheiros de empreitada criminosa e a narrar situações ilícitas até então desconhecidas. É obvio que a sua conduta não é inspirada por motivos ligados ao civismo, à cidadania, ao interesse público ou a quaisquer outros nobres sentimentos. Seu interesse imediato é alcançar a liberdade, bem como benefícios outros que vão desde o perdão judicial até a diminuição da pena e o menor rigor em seu cumprimento.

Lembre-se de que, em face desses motivos meramente utilitários, egoísticos, a delação poderá atingir pessoas inocentes ou mesmo aquelas que, embora participantes do crime, tenham uma responsabilidade menor do que a apontada. Lamentavelmente, este injustificável efeito da colaboração premiada vem ocorrendo nos nossos dias e provoca evidente insegurança jurídica no que diz respeito à justiça penal.

De acordo com a Lei n.º 12.850/13, sobre organização criminosa, que editou normas específicas e mais abrangentes a respeito de colaboração, existem duas condicionantes para que a colaboração tenha validade jurídica: a efetividade das denúncias e a voluntariedade na opção do delator. Quanto à efetividade, o legislador pretende que o conteúdo da delação produza efeitos concretos para que o crime, os seus outros autores e as suas demais circunstâncias possam ser esclarecidos. Cabe, acerca deste aspecto, uma advertência: a efetividade da colaboração não pode ser avaliada apenas sob o prisma do seu conteúdo, mas é necessária a comprovação da sua veracidade, sem o que não haverá efetividade e legitimidade da própria função jurisdicional, pois não há Justiça Penal sem verdade.

A voluntariedade, segundo requisito da legitimidade da colaboração, tem sido escandalosamente desrespeitada, com a complacência da mídia, da sociedade e – o que é mais grave – de autoridades ligadas à distribuição da Justiça Penal. 

A partir da denominada Operação Lava Jato, as prisões preventivas passaram a ser decretadas para obrigar o acusado a delatar para obter a liberdade. Assim, prende-se para delatar e se solta porque se delatou.

Note-se que o escopo exclusivo da prisão é rigorosamente a delação. A custódia é decretada sem o exame de sua necessidade.

Deve ser realçado, ainda, que a necessidade constitui requisito fundamental para que a prisão antecipada se legitime perante a Constituição federal, em face do princípio da presunção de inocência, que proíbe a aplicação de pena até o trânsito em julgado da decisão respectiva, salvo em casos excepcionais de comprovada necessidade.

Prisão para forçar a delação é uma medida cruel, verdadeira tortura, de nefastas consequências. Portanto, quem delata porque está preso não age voluntariamente. Estivesse em liberdade, sem pressão ou coação, a sua opção seria voluntária e merecedora de credibilidade. Encarcerado, porém, a sua palavra estará sempre sob suspeita.

O ético e juridicamente correto seria que a lei só desse valor à palavra do delator que estivesse fora da prisão e proibisse a delação daquele que se encontra encarcerado.

Como afirmou, com a propriedade de sempre, o advogado Arnaldo Malheiros Filho, ao comentar uma delação feita nos Estados Unidos que atingiu uma pessoa inocente e isentou o delator homicida de maiores consequências penais, “quem pode comprar a liberdade com a palavra dirá a palavra que quiserem ouvir”.

É preciso salientar que a delação premiada, tal como vem sendo implementada no processo brasileiro, representa a derrogação de princípios basilares da nossa jurisdição penal, a começar pelo próprio afastamento da jurisdição na aplicação da sanção penal. Uma vez fixados os termos do acordo entre acusador e acusado, incluindo a pena e seu cumprimento, o juiz terá papel meramente homologatório. O advogado, por sua vez, será simples fiscal do acordo, porque diante da delação o direito de defesa se torna dispensável.

Em resumo, estamos diante de aplicação de sanção penal sem processo, este entendido como instrumento de aplicação do Direito Penal, regido pelos princípios do contraditório, da obrigatoriedade da ação penal, da presunção de inocência, do devido processo legal e da ampla defesa, que passam a constituir letra morta, um nada jurídico.

Esse novo método de “descoberta da verdade”, longe de revelá-la, tem provocado injustiças e, como se apontou, uma inconcebível violação de princípios e de postulados constitucionais, cuja inserção em nosso ordenamento jurídico significou uma evolução civilizatória digna de orgulho e envaidecimento, pelo que representou de avanço em prol da democracia e da defesa das liberdades individuais.

Lembre-se que não se faz justiça com o sacrifício da dignidade e da liberdade.

*Antonio Cláudio Mariz de Oliveira é advogado criminal

Redação

10 Comentários

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    1. E um bandido é sempre um
      E um bandido é sempre um bandido, pouco importa a “força” que pense que tem para resistir a entregar outros bandidos. Pois se fosse forte mesmo resistiria à tentação de cometer crimes para início de conversa.

  1. “É inacreditável

    Tudo claro e lógico, mas agem justamente no sentido contrário. Inacreditável o qeu estão fazendo. Oab, STF, qualquer nível do judiciário: socorro!

  2. Delação premiada supõe que o

    Delação premiada supõe que o réu  tenha propensão a delatar em troca de  privilégios. Contudo, o advogado  do réu  nem sempre concorda com essa opção e por vezes, abandona  a causa,o que já ocorreu  ao longo da operação “lava -jato”.O réu, decide,pressionado ou não,pela autoridade coatora,o que supõe ser melhor para si e para  a causa. Ao advogado cabe apenas concordar ou desistir.

    A delação premiada  guarda parentesco com o “domínio do fato”,pela extensão do arbítrio  contido nelas,eivadas de subjetividades.

  3. Medieval

    Há toda uma trama para que o réu aceite a delatar, e se resume basicamente em, num primeiro momento, torturá-lo e, depois, oferecer-lhe um prêmio para dizer que o Moro quer ouvir, assim, com a adjuda da Dra. Catta Preta, rainha da delação premiada, estará livre depois de uns 10 meses de cadeia sem que tenha existido  justificativa para tal, vai ai um desenho, é claro que a delação forçada, sic premiada, instrumento medieval que é, só pode ser entendido se colocada no contexto do Direito Penal do Inimigo

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=rX8l6JJKl7s%5D

     

     

    1. Ilustrissimo Doutor Nelio
      Ilustrissimo Doutor Nelio Machado, notório defensor de bicheiros, traficantes e banqueiros bandidos no RJ, mentor da proeza de melar a Satiagraha em conjunto com Gilmar Dantas e que entre outros feitos escapou da morte miraculosamente ao resolver, num passeio de carro pela lagoa, trocar de lugar com seu motorista que foi fuzilado sem piedade num crime pra lá de esquisito. Se ele diz que a delação é um instrumento medieval e autoritário eu acredito, pois se tem alguém acostumado a trabalhar para criminosos de práticas bem “medievais” e pouco “democráticas” para eliminar a concorrência, esse alguém é o Dr. Machado. Que aliás mostrou que aprendeu muito com os antigos patrões, que o diga a forma como acabou com a carreira do Delegado Protogenes, do Paulo Lacerda e do juiz De Sanctis, sem contar a desmoralização completa da Abin cujos escritórios foram invadidos pela PF graças às denúncias falsas de Machado na mídia, devidamente reverberadas por seu amigo Gilmarzao no STF. Esse é o nível da turma incensada aqui como paladinos da democracia contra o Estado policial. Chamem o ladrão!

  4. Arenga fútil e vil.

    Em primeiro lugar, o advogado fala em insegurança jurídica decorrente da delação premiada. Sua denúncia é falsa, pois delação sem provas não vale absolutamente nada, e mesmo que o juiz seja insensível a isso o acusado ainda pode recorrer a instâncias superiores para revogar sua pena. Ninguém foi condenado na Lava Jato com base apenas no depoimento de outrem e o advogado sabe disso. A Insegurança jurídica que prevalece no país há séculos é oriunda da impunidade, não da delação premiada. É a impunidade que afasta e inibe a ação do servidor público honesto e do empresário sério, além de disseminar a descrença na Justiça e o desprezo pela lei e pelas instituições.

    Em segundo lugar, o advogado afirma que as condições da prisão induzem o réu a delatar, dando a entender que ele até mentiria para se livrar do cárcere. Acontece que em qualquer democracia o réu tem sim o “direito” de dizer o que quiser à Justiça, inclusive mentir (embora possa ser punido por isso se descoberto), e é óbvio que qualquer pessoa confrontada com a perda de sua liberdade terá um incentivo a cooperar com a Justiça. Não há absolutamente nada de errado com isso, pelo contrário, um dos propósitos elementares das penas é justamente incentivar o cumprimento da lei a priori por meio da coerção, e não apenas punir a posteriori sua transgressão. O que interessa, pois, é assegurar condições para que o réu possa provar sua inocência frente aos delitos que lhe são imputados, ou, caso confesse a autoria destes e delate a outros criminosos, que também seja exigida a comprovação de sua delação.

    O réu que se sabe inocente mesmo diante da delação premiada tem todos os meios de provar sua inocência recorrendo a instâncias superiores se preciso, e o réu que se sabe culpado pode até tentar inventar o que quiser, mas sua delação só será de fato premiada com o abreviamento da pena se ele puder comprovar o que diz. Desconhece-se caso no Brasil onde o réu tenha sido punido injustamente pela delação premiada, haja vista o advogado ser obrigado a citar um caso da Justiça americana, cujo funcionamento é bem diferente da nossa (em especial, a decisão do juiz de 1ª instância é muito mais valorizada do que aqui).

    Em terceiro lugar, a voluntariedade a que se refere o advogado quando fala de delação para o combate a organizações criminosas se refere à decisão soberana do acusado de fazer um acordo de delação, que nunca esteve ameaçada. O réu tem todas condições de provar sua inocência ou pelo menos sua disposição de colaborar coma  Justiça e não oferecer obstáculo à investigação, pois a delação não é suficiente para manter-lhe encarcerado. Se permanece preso, é porque não pode provar sua inocência nem que sua liberdade não representa ameaça à investigação, no entendimento não apenas do juiz mas também das instâncias superiores. Sua prisão tem justificativa nos delitos que lhe são imputados e no risco que representa à sociedade e à condução das investigações contra si e outros acusados. É absurdo afirmar que a prisão se presta a fazê-lo delatar, pois, de novo, é impossível manter um acusado preso indefinidamente sem provas. A não ser que se esteja afirmando aqui que a Justiça brasileira é corrupta e arbitrária em todos seus níveis e que não há a quem o acusado possa recorrer para reverter sua situação. Se não é o caso (o advogado não chegou a essa conclusão bombástica), então é óbvio que a prisão é legítima. E, neste caso, se o acusado decide delatar para poupar seu sofrimento, isso é um direito dele, que nada retira sua voluntariedade. Em suma, ao criticar o ato de prender para forçar delação o advogado está criticando não só um juiz, mas todo o sistema jurídico penal do país. Ou comprova o que diz com fatos (Justiça americana não conta, sorry), ou reconhece que passou dos limites em sua arenga infeliz. 

    Em quarto lugar, afirmar que a delação premiada torna ociosa a função do advogado, o jurista falou um absurdo que lança dúvida sobre sua seriedade ou seu conhecimento da profissão. Não existe delação premiada que não tenha sido negociada com o auxílio ou anuência do advogado em nenhuma democracia do mundo. Se algum advogado americano ou italiano lesse o que o sujeito escreveu daria um pulo na cadeira diante de tamanha insendatez. O acordo de delação é negociado por definição, e é óbvio que o advogado é a pessoa melhor instruída e mais interessada em participar dessa negociação em benefício de seu cliente, até para rejeitá-lo caso considere seus termos desfavoráveis. O papel do advogado é central nesse acordo, seja na definição dos termos, seja no acompanhamento dos depoimentos para assegurar que seu cliente não informe nada além do acordado que possa lhe trazer prejuízo futuro, além de zelar pelo cumprimento dos termos do acordo. E, mesmo que rejeite os termos de um acordo para seu cliente ou que seja confrontado pela delação de outro réu, o advogado ainda deve conhecer os termos dessas delações para que possa definir qual a melhor estratégia de defesa. Em suma, o acordo de delação oferece uma alternativa vantajosa ao membro menos relevante na organização criminosa que, de outro modo, teria de suportar todo o peso da lei sobre os crimes que lhe foram imputados, sem que a sociedade atingisse o bem maior de desarticular essa organização e desestimular o surgimento de grupos similares a partir da prisão de sua cúpula.

    Em suma, o advogado fala um monte de falácias descrevendo situações que não aconteceram na Lava Jato, quando não faz acusações levianas contra todo o Judiciário do país. Fala em injustiças e violação de direitos, mas não é capaz de apontar um caso concreto sequer. Ele pode sim estar certo, mas é melhor estar muito bem embasado antes de investir dessa forma contra o mesmo sistema que sempre funcionou de modo vantajoso a seus clientes, o que aliás explica sua excelente reputação no mercado. Eu aguardo pelos fatos, pois da arenga dele não tirei nada além de falácias e absurdos.

  5. A verdade é que a delação faz

    A verdade é que a delação faz parte de um dos muitos institutos que estão criando no Brasil, para criar um Estado Policial, do tipo previsto por George Orwel, para controlar a população e atacar ferozmente aqueles que se contrapõem ao chamado Estado Big Brother. Me parece qua alguns juízes e autoridades, fizeram cursos nos EUA, e vão ser usados por eles quando se fizerem necessários.

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