Rumo à Teocracia?
Deltan Dallagnol e a erosão da laicidade inconclusa do Estado Brasileiro
por Epaminondas Demócrito d’Ávila
Aufklärung ist der Ausgang des Menschen aus seiner selbst verschuldeten Unmündig-keit. Unmündigkeit ist das Unvermögen, sich seines Verstandes ohne Leitung eines anderen zu bedienen. Selbstverschuldet ist diese Unmündigkeit, wenn die Ursache derselben nicht am Mangel des Verstandes, sondern der Entschließung und des Muthes liegt, sich seiner ohne Leitung eines andern zu bedienen. Sapere aude! Habe Muth dich deines eigenen Verstandes zu bedienen! ist also der Wahlspruch der Aufklärung.
(Immanuel Kant. Beantwortung der Frage: Was ist Auf-klärung? Akademie-Ausgabe VIII, 35)
Ilustração é a saída do homem da sua mino-ridade, pela qual ele mesmo é culpado. Mino-ridade é a incapacidade de servir-se de seu entendi-mento sem a condução de outrem. Auto-inculpável é essa minoridade quando a causa dela não está na falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem para servir-se do seu sem a condução de outrem. Sapere aude! Tenha coragem de servir-se de seu próprio entendimento! – é, portanto, o lema da Ilustração.”
(Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho. Na penúltima linha, “próprio” foi ressaltado por mim, em atenção à ênfase do próprio Kant.)
Acabo de ler no site CONJUR a nova versão da “Carta aberta ao jovem colega Deltan Dallagnol” do impertérrito Eugênio de Aragão, último Ministro da Justiça, cuja leitura e discussão recomendo vivamente:
http://www.conjur.com.br/2016-dez-31/dallagnol-ignora-crise-pois-salario-garantido-aragao#author
Para quem não se lembra, Deltan Dallagnol, em claro desapreço à Constituição de 1988, encarapitou-se em 27 de julho de 2015 no púlpito de uma igreja batista na Zona Norte do Rio de Janeiro. Bernardo Mello Franco reportou o evento político-pentecostal na Folha de São Paulo em 28 de julho, e Paulo Moreira Leite comentou-o de imediato:
Ontem, Mello Franco esteve numa igreja batista na Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro, onde o procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato, falou para cerca de 200 pessoas.
A reportagem descreve: “Antes de falar, o procurador, que tem mestrado em Harvard, foi apresentado como ‘servo’ e ‘irmão.’ De terno e gravata, discursou do púlpito, citou a Bíblia e disse acreditar que Deus colabora com a Lava Jato.”
O jornalista cita um diálogo entre Dallagnol e os fiéis:
“Dentro da minha cosmovisão cristã, eu acredito que existe uma janela de oportunidade que Deus está dando para mudanças”, afirmou.
“Amém”, respondeu a plateia.
“É isso aí. Deus está respondendo”, devolveu Dallagnol.
O procurador também disse: “se nós queremos mudar o sistema, precisamos orar, agir e apoiar medidas contra a corrupção”, disse, antes de acrescentar: “O cristão é aquele que acredita em mudanças quando ninguém mais acredita. Nós acreditamos porque vivemos na expectativa do poder de Deus”.
Em seguida, Dallagnol pediu apoio para um abaixo-assinado favorável a um projeto de lei do Ministério Público que pede mudanças na lei contra corrupção.
Eu acho errado e inaceitável.
(Paulo Moreira Leite. Dallagnol tenta pôr Lava Jato acima do bem e do mal, 28.07.2015, http://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/190620/Dallagnol-tenta-p%C3%B4r-Lava-Jato-acima-do-bem-e-do-mal.htm, agora também em. Id. A outra história da Lava-Jato. São Paulo, Geração Editorial, 2015, pp. 313-318, esta citação na p. 316)
Um jurista democrata não pode deixar de formular algumas perguntas. E perguntar não deveria ofender.
Em que o Estado defendido por Deltan Dallagnol se distingue do Estado Islâmico, dos aiatolás iranianos e de regimes teocráticos superados desde o Século das Luzes?
Teria Deltan Dallagnol passado no concurso para a PGR com afirmações do tipo “Dentro da minha cosmovisão cristã, eu acredito que existe uma janela de oportunidade que Deus está dando para mudanças”, “Deus está respondendo” e “se nós queremos mudar o sistema, precisamos orar, agir e apoiar medidas contra a corrupção”? Entre parênteses: não poderia ter passado na prova de português com “Dentro da minha cosmovisão cristã” (em vez de “No âmbito/A partir da minha cosmovisão cristã”), ao menos não em épocas, nas quais o domínio do vernáculo ainda era valorizado.
É aceitável que um Procurador da República se reporte à Bíblia enquanto agente do Estado? Não deveria ele ater-se apenas à constituição?
Como o leitor vê, já abrimos o foco e perguntamos se, afinal de contas, já somos um Estado laico. Ou se ainda somos um Estado laico.
O que nos diz a constituição?
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (Preâmbulo. Sublinhado por mim, EDA)
Art. 5. […]
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – Estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; […]
Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […]
VI – instituir impostos sobre: […]
b) templos de qualquer culto;
Art. 210 […]
§ 1º – O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.
Art. 213 – Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas etc.
Art. 226 […]
§ 2º – O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
No seu famoso texto de 1784, cujo primeiro parágrafo encima a presente reflexão, Kant indagou se o séc. XVIII poderia ser considerado uma época ilustrada [aufgeklärte(s) Zeitalter]. Realista, constatou que esse não era o caso, mas que já se vivia em uma época de ilustração [Aufklärung].
Sem pormenorizar, o que não interessa aqui nem seria possível, dada a complexidade da matéria, creio poder dizer que ainda não vivemos num Estado laico, mas num Estado em vias de laicização, no qual Estado e religião em tese estão separados. Basta comparar as normas constitucionais acima citadas com o Art. 5º da Constituição de 1824: “A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo.”
O avanço da laicização e a harmonização das normas constitucionais citadas, ambos imperativos do Estado Democrático de Direito, dependem da “ilustração”, vale dizer, da “auto-ilustração” ou do “auto-esclarecimento” da própria sociedade e de uma interpretação sistemática da constituição, que incumbe por igual aos cidadãos e aos operadores do direito, mormente ao STF enquanto guardião da constituição.
Quando isso ocorrer, o povo, de quem “todo o poder emana” (CF Art. 1º, Parágrafo único), mas com quem ele não remanesce, retomará o que lhe foi surripiado em 2016 por um congresso que não mais o representa, secundado por um Judiciário pró-ativo, conivente ou omisso, por procuradores esquecidos do sentido republicano do seu mandato e por uma mídia criminosamente antinacional.
O pronunciamento de Deltan Dallagnol na igreja batista no Rio de Janeiro em 27 de julho de 2015 revela que ele não morre de amores pelo Estado laico. Atua na contracorrente da tradição do constitucionalismo brasileiro desde a República Velha. O oportunismo político das suas iniciativas foi apontado numerosas vezes com bons argumentos. Seu farisaísmo, exposto de forma contundente por Eugênio de Aragão: afinal de contas, os princípios de Deltan Dallagnol não estão à altura nem do cristianismo por ele professado da boca para fora.
No Estado Democrático de Direito moderno, convicções religiosas são um assunto particular. Não podem ser misturadas com questões de legalidade e constitucionalidade. Onde isso ocorre, o país regride e a constituição deixa de constituir.
Todos os democratas e todas as democratas devem resistir a esse atraso. A todos e todas, um Feliz Ano Novo!
Epaminondas Demócrito d’Ávila é jurista, filósofo e professor emérito
Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.
Boa leitura a se fazer:
Boa leitura a se fazer: “SUBMISSÃO”, livro de HOUELLEBECQ, Miguel
2022. Mohammed Ben Abbes, da Fraternidade Muçulmana, vence as eleições para Presidente da França…
Dallagnol não vai para o
Dallagnol não vai para o céu.
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/dallagnol-comprou-apartamentos-construidos-para-o-minha-casa-minha-vida-por-joaquim-de-carvalho/
Não é possível que ainda não
Não é possível que ainda não tenham percebido que este sujeito e um doente mental grave.
Isso é o que dá quando o
Isso é o que dá quando o direito passa a ser visto e praticado como revelação divina e não como ciência humana.Esse cara é o mais perigoso do reino da vaza jato porque se acha ungido por Deus. É um sectário incontrol´pavel. O problema nem é ser ungido por Deus, o problema maior é se achar ungido por Deus. Sem levar em consideração que o acho um pedante-arrogante-mediocre, devo lembrar que dos que se acharam ungidos por Deus as nações que sofreram com o totalitarismo estão cheias de exemplos: Hitler, Mussulini, Aiatolá Komeini, strosner, Pinochet e tantos outros dessa fauna de animais bestiais.
onde isso ocorre, sobrevêm coisa pior…
a paz para todos os nossos direitos e garantias, mas a paz de túmulo
ou da [[[besta]]]
truque é trocar o inferno de lugar…
e ser permitido, em nome da lei, [[[dela]]], e do$ bon$ costume$ dele$
Esse rapaz de Curitiba é o
Esse rapaz de Curitiba é o anti-messias, um mascate de ilusões. Promete o que não tem para entregar. Podia pelo menos devolver os apartamentos do Minha casa minha vida que surrupiou de duas famílias pobres.