Direito legítimo é direito justo
por Maria José Trindade
A decisão da Segunda Turma do STF sobre os destinos do senador Aécio Neves suscitou acalorados debates. Venho acompanhando, com interesse, os argumentos de quem concorda ou não com a sentença do STF. De ambos os lados, encontrei bons argumentos. Há os que condenam os juízes da Alta Corte, sob a alegação de ferirem a Constituição. De outro, há os defensores da sentença que alegam a necessidade de explicitar a incoerência da conduta do senador salafrário.
Quando do impeachment de Dilma Rousseff, lembro-me de ter questionado a legitimidade do golpe. À época, sob o argumento de que todos os ritos vinham sendo cumpridos, dizia-se que não prevaleceria dúvida sobre a legalidade do processo. Deu no que deu. Uma mulher legitimamente eleita com mais de 54 milhões de votos foi destituída e substituída por um vice usurpador. Até hoje, nada se provou contra ela e o país mergulhou numa crise profunda.
Agora, vemo-nos frente a frente com questão semelhante a contrapor legalidade X legitimidade. É legal condenar o senador? O texto legal diz que não. Mas, ante evidências de continuadas violações à lei pelo senador bandido, é justo/legítimo contrariar a tradição? Para mim, direito legítimo é direito justo, mas a questão é complexa e quando a coisa complica, melhor apelar aos fundamentos.
Nasci e cresci imersa numa família, comunidade, classe social, cidade, país, religião, língua pátria. Sou filha de uma tradição, cujas normas e valores orientaram minha vida. Sobre este terreno construí meu campo ético. Em alguns momentos, ele se realizou em plena conformidade com a tradição recebida. Noutros, precisei contrariá-la e realizá-lo como crítica da mesma tradição.
Para mim, quando a tradição, equivocadamente, define virtudes que impedem a realização da abertura para um futuro novo, ela está caduca. Precisa ser contrariada e instituir mudanças capazes de criar novos caminhos. É assim que deveria acontecer também com o Direito. Minha dúvida é sobre como o Direito evolui. Para evoluir é necessário que haja momentos de ruptura com o estabelecido. Leis são feitas para viabilizar a dinâmica da vida social. Confrontadas com incoerências, precisam ser revistas. Cabe aos juízes fazerem esta leitura e viabilizarem tais avanços. Será que este momento não se configura como um desses, no qual legalidade e legitimidade se enfrentam?
Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.