Do seppuku da OAB ao ativismo xamânico do MP só foram necessários três pulinhos, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Do seppuku da OAB ao ativismo xamânico do MP só foram necessários três pulinhos

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Aqui mesmo no GGN teci algumas considerações sobre a decadência do discurso jurídico [O golpe de 2016 e a crise do discurso jurídico, por Fábio de Oliveira Ribeiro e O Direito e seu avesso, por Fábio de Oliveira Ribeiro]. 

Essa crise também se manifesta nas carreiras jurídicas de outras maneiras.

A pesquisa de Luciana Zaffalon demonstrou que o Judiciário paulista trocou a distribuição de justiça na forma da Lei por aumentos salariais e penduricalhos [A Política da (in)Justiça]. Esse fenômeno tem causado um impacto crescente na qualidade das decisões que são proferidas não para garantir a legalidade (missão constitucional do Judiciário) e sim para preservar os políticos que beneficiaram os juízes e punir aqueles que tentaram frear a voracidade orçamentária do TJSP. 

Uma parcela de culpa pela decadência do judiciário paulista, entretanto, também pode ser atribuída à OAB. Os embates mais ferozes da advocacia paulista não foram com o TJSP (por causa da obsolescência do sistema prisional em razão do orçamento priorizar a distribuição de regalos aos juízes) e sim contra a Defensoria Pública (para regular o papel suplementar dos advogados e advogados na assistência jurídica). O sequestro da justiça pela política com aquiescência da entidade ficou ainda mais claro durante o golpe “com o STF com tudo”.

Sem consultar todos os advogados inscritos na entidade, o Conselho Federal da OAB apoiou a perseguição política-jurídica-midiática imposta à Dilma Rousseff e referendou a chegada de Michel Temer ao poder. Desde que o usurpador a violência das autoridades e dos policiais contra os advogados tem aumentado quantitativa e qualitativamente. Não sei dizer o que os barões da advocacia ganharam ao apoiar o rompimento da legalidade através de um Impedimento fraudulento. Todavia, qualquer observador atento já pode dizer o que os advogados perderam após o golpe: suas prerrogativas profissionais. A OAB cometeu “seppuku político-institucional” e comprometeu a última trincheira em que os advogados poderiam se proteger contra o avanço da barbárie judicial.

A decadência do Ministério Público também é evidente. Mas isso não é fruto apenas da espetacularização do processo, fenômeno que tem levado mais e mais promotores e procuradores a usarem o cargo para se colocar em evidência na mídia. No caso do MP o estrago foi ainda maior, pois seus membros passaram a tentar substituir a legalidade por um simulacro dela que não se ajusta de maneira alguma aos princípios constitucionais do Direito Penal.

Primeiro a convicção do promotor de que o réu é culpado substituiu, no momento da denúncia, a necessidade de indícios de provas da materialidade do delito, da autoria e da culpabilidade para lastrear as denúncias. O famoso PowerPoint de Deltan Dellagnol é paradigmático [Dallagnol, continue a fazer teatro com PowerPoint, por Fábio de Oliveira Ribeiro]. Na sequencia algo ainda mais grave ocorreu.

Ao denunciar o candidato Fernando Haddad um promotor paulista disse o seguinte na denúncia:

“O Juiz criminal, ao avaliar o contexto probatório, de forma mais especial em casos de criminalidade organizada, econômica, ou complexa, deve elaborar análise crítica das provas em face do seu contexto objetivomas também no seu “interior”, no respectivo subjetivismo, nas suas entrelinhas, nas “informações ocultas”, nas referências, na compreensão da representação e do significado do fato; nas circunstâncias que ele, como ser humano com capacidade analítica e interpretativa, consegue abstrair daquilo que não é claro, não é visível e nem aparente, que não está escrito, mas sabe existir, e pode fundamentá-lo”.

Lênio Streck teceu comentários preciosos sobre esta denúncia. Há algo mais que pode ser dito sobre o assunto.   

Há séculos o Direito se caracteriza pela objetividade, racionalidade e laicidade. As ferramentas de seu operador são a Lei, a doutrina, a jurisprudência, as provas coletadas sob o crivo do contraditório e as técnicas de interpretação. Nenhuma delas permite ao julgador buscar nas entrelinhas informações ocultas, pelo simples fato de que o processo é público. A invisibilidade de um fato ou de sua prova é algo que repugna à essência do Direito moderno.

O que está oculto, o que se relaciona neste mundo com aquilo que está por trás do mundo, para usarmos a linguagem de Nietzsche, não pertence ao domínio do Direito e sim ao da magia. Nesse sentido, podemos dizer que o que Streck chamou de “denúncia” é uma verdadeira “pajelança reduzida a termo”. O que o promotor que denunciou Haddad fez foi conjurar a prova mágica e invisível de que o réu é culpado. Ele apela ao Juiz como se ele fosse uma divindade capaz de ver além das aparências para recuperar nesse mundo aquilo que pertence ao outro. sua denúncia funciona, portanto, como uma invocação.

Deltan Dellagnol estava convicto da culpa de Lula. Seu discipulo paulista ultrapassou-o ao tentar se colocar diante do juiz como um pajé que desejava ter uma relação sobrenatural o Judiciário através do processo. Não sei ao certo o que o CNMP pode fazer com esse cidadão. Talvez ele mereça ser afastado do cargo para tratamento especializado. Caso contrário, ele pode tentar fazer algo ainda mais audacioso (ressuscitar um cadáver para ele identificar quem foi seu assassino).

Em uma de suas aulas magistrais o famoso sociólogo e jurista português Boaventura de Sousa Santos tece comentários interessantes sobre um novo conceito jurídico: o da “exclusão abissal” .

O abismo em que as carreiras jurídicas brasileiras estão se jogando é um pouco maior. O promotor que denunciou Haddad inventou um novo conceito penal: o da “inclusão xamânica do réu no rol dos culpados”. Ele ainda não foi aceito pelo Judiciário, mas tudo é possível depois que Sérgio Moro e o TRF-4 condenaram Lula usando o PowerPoint como indício seguro da culpa.

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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