A arte de requentar delações e tirar conclusões

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Documentos não mostram que governo fazia o elo entre doação e contratos da Petrobras, mas a intenção pelo dono da UTC Ricardo Pessoa e executivos da empreiteira. Reportagem do Estadão requenta a já publicada pela Veja em junho deste ano
 
 
Jornal GGN – A relação das doações da UTC à campanha de reeleição da presidente Dilma Rousseff com o recebimento de recursos de contratos da Petrobras, no esquema de corrupção investigado, partiu da própria empreiteira, o que é comprovado por mensagens e documentos da Polícia Federal. Contudo, ao contrário do que denotam as notícias desta quinta (01), não há indícios nesses arquivos de que a presidente Dilma, os interlocutores de campanha ou o próprio ministro Edinho Silva tenham considerado a providência dos recursos de doação partindo da Petrobras.
 
As mensagens entre Ricardo Pessoa, dono da UTC Engenharia, sobre a suspeita de que as doações estavam relacionadas com o esquema de corrupção da estatal, foram requentadas pelo Estadão nesta quinta (01). As denúncias envolvem, na realidade, o ministro Edinho Silva.
 
A primeira informação deste caso foi divulgada há mais de quatro meses, em 27 de junho, pela revista Veja. A reportagem trazia a delação premiada de Ricardo Pessoa, afirmando que aceitou fazer contribuições oficiais à coligação de Dilma, após conversa com Edinho Silva, então tesoureiro da campanha. No depoimento, o próprio executivo foi quem vinculou as doações a contratos da Petrobras.
 
Pessoa informou que as doações da UTC à campanha foram repassadas a Manoel de Araújo Sobrinho, funcionário do Planalto. “O Edinho me disse: você tem obras na Petrobras e tem aditivos, não pode só contribuir com isso, tem que contribuir com mais, estou precisando”, disse o dono da UTC na delação à Procuradoria Geral da República.
 
No mesmo dia (27 de junho), o ministro da Secretaria de Comunicação respondeu em entrevista coletiva que não pressionou Ricardo Pessoa a pagar doações eleitorais. “Me causa indignação que meu nome tenha sido envolvido numa delação premiada. Me causa indignação o vazamento seletivo da delação. Me causa indignação a tese de criminalização seletiva das doações da nossa campanha (de Dilma, em 2014), enquanto outros partidos também receberam doações. O que eu garanto é que agi dentro da legalidade. O que ele pactuou foram doações legais. Não tenho nada a esconder de ninguém”, disse.
 
Pessoa depôs durante cinco dias à equipe de investigação da Lava Jato, o que rendeu uma planilha com 40 anexos de documentos, apresentando o caminho do dinheiro. Os arquivos mostram depósitos de R$ 2,5 milhões, em 5 e 30 de agosto do ano passado, e o acerto de um repasse posterior de mais R$ 5 milhões.
 
Em meio à crise política que a presidente Dilma Rousseff enfrenta, ainda com o anúncio programado para esta quinta-feira (01) de reforma ministerial, o Estadão enviou um repórter à Curitiba, Ricardo Brandt, e recuperou o assunto, trazendo o enfoque para Dilma, não mais para Edinho Silva, que teve um inquérito aberto neste mês pelo Supremo Tribunal Federal (STF), buscando investigar seu envolvimento.
 
Desta vez, o jornal destaca uma troca de mensagens enviada entre Pessoa e um executivo da UTC. Em um dos trechos, o executivo referido como WP afirma: “Posso resgatar o que fizemos de doações esta semana?? Ta pesado e não entrou um valor da PB que estava previsto pra hj. +- 5mm. Ok?”, pergunta ao dono da UTC, referindo-se ao dinheiro da Petrobras.
 
Em outra mensagem, Pessoa indica para WP que ele deve procurar Manoel Araújo, referindo-se a Sobrinho. “Ele implora por 2 no dia 31”, indicou WP sobre uma possível negociação de doação da UTC para a campanha.
 
 
Entretanto, a relação entre o dinheiro dos contratos da Petrobras, recebido pela UTC, e o posterior repasse para doação de campanha só foi indicado pelos próprios executivos da empreiteira. As mensagens não apresentam que Sobrinho, ou o próprio ministro Edinho Silva, tinham consciência da necessidade da entrada do dinheiro da Petrobras para a empresa fazer a doação.
 
Conforme a reportagem indica, o combinado para a UTC doar à campanha da presidente Dilma foi seguido, e há o registro de duas doações de R$ 2,5 milhões no TSE, em datas coincidentes com as comunicações de Pessoa e o funcionário denominado como WP.
 
Além das mensagens, o Estadão também usou na reportagem o relatório da PF, indicando também um email de Pessoa com um interlocutor de campanha para uma reunião, a fim de combinar a doação. A reportagem desmembra a troca de mensagens por celular, coincidindo com a data da reunião. 
 
 
Ainda assim, nos documentos não há constatações de que as doações foram ilegais, uma vez ainda que foram registradas no TSE (abaixo), ou que o ministro Edinho Silva e interlocutores de campanha da presidente Dilma tenham relacionado a entrada do dinheiro de contratos irregulares da Petrobras com a remessa para doação eleitoral – intenção que, por outro lado, foi comprovada por parte da empreiteira UTC.
 
 
Leia também: O estupro diário do jornalismo
 
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

5 Comentários

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  1. Requenta daqui, requenta de

    Requenta daqui, requenta de lá, pressiona daqui, coage de lá, suborna acolá, ameaça daqui, constrange dali… Então, Ricardo Pessoa é a fonte de toda a verdade? É ele a vestal que embasa toda a ‘verdade’ noticiada pelo PIG, ‘investigada’ pela PF e ‘denunciada’ pelo MP, sempre com o objetivo de atingir o GF, a presidente, o PT e os petistas? Tenham a santa paciência! É por isso que estou lendo Foucault, o qual recomendo a todos aqui. Em “Vigiar e punir – nascimento da prisão” o filósofo francês desnuda todo o aparelho policial-jurídico-repressor constituído  na Europa e EUA , entre os séculos XVII e XX, e que pode ser percebido no funcionamento do aparelho repressor brasileiro (composto pelas polícias, MP e sistema judiciário), sobretudo depois que o caráter político, de classe social e econômica da atuação dessas instituições ficou evidente, desde aquele esquema de caixa 2, apelidado erroneamente de ‘mensalão’, deu origem a um julgamento de exceção em que todas as manobras foram feitas com o fito de criminalizar e aniquilar um partido e figuras de um espectro político (esquerda) e não o de aplicar a Lei e fazer justiça, como prescrevem os códigos legais de hoje.

  2. Muito bom!

    Muita boa a matéria, que explica e desmonta mais um factóide gerador de “escândalo” seletivo nos midiotas. Acho que o governo deveria montar e manter uma equipe de jornalistas competentes, prontos para desarmar todas essas matérias espúrias que saem diariamente nos jornalões com intuito exclsuivo de manter acesa artificialmente a crise política com o governo e atacar os ícones da esquerda.

  3. A oportunidade

    Faltou apenas dizer que essa “denúncia” saiu sob medida para Gilmar Mendes: hoje era o dia em que o processo de cassação da chapa Dilma-Temer deveria ter continuidade no TSE, se a ministra que pediu vista não tivesse “faltado” à sessão – o que o Estadao não esperava.

    Alguma dúvida de que Gilmar iria e vai fazer mais um dos seus discursos acalorados em defesa da república citando abundantemente a matéria do Estado?

  4. O que não falta nessa Lava

    O que não falta nessa Lava Jato é delação caluniosa, no caso, com objetivo político,..,Vaccari está preso após ser condenado a quase 20 anos de prisão pq entrou dinheiro para o PT, via caixa 1, e nas mesmas condições dos demais partidos…mas se é PT, seja caixa 1 (petrolão) ou caixa 2(mensalão), o primeiro ato é criminalizar e, em seguinda, prender, jogar numa masmorra

    Saiba o que é delaçao caluniosa – segue link para vídeo e texto

    https://jornalggn.com.br/blog/jose-carlos-lima-spin/o-que-e-delacao-caluniosa-por-cezar-roberto-bitencourt-via-facebook

    1. Quando se trata do PT não

      Quando se trata do PT não importa se é caixa 1, 2 , 3 ou 10. Não importa se é lícito ou não, é sempre ilícito. Não importa se é calúnia, vira verdade absoluta. Parece mágica, que vira ao contrário quando se trata do PSDB.

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