Para rápida condenação, Moro ignora irregularidade de provas da Suiça

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Jornal GGN – O juiz federal Sergio Moro decidiu, nesta quarta-feira (10), seguir com o uso de documentos bancários da Suíça, considerados irregulares pelo Ministério Público do país. O material será usado como prova para incriminar executivos da Odebrecht no esquema de corrupção da Petrobras. 
 
Na última semana, a justiça suíça considerou irregular o envio dos arquivos ao Brasil. Com base nisso, em petição, a defesa do ex-diretor da empreiteira, Márcio Faria – que foi preso em junho do ano passado, juntamente com Marcelo Odebrecht – solicitou que os documentos fossem excluídos do processo, uma vez que seriam “provas ilícitas”.
 
“Uma vez reconhecida pela decisão do Tribunal Suíço que a via da cooperação foi ilegal, desapareceu a origem lícita da prova, que por isso mesmo não pode ser usada. (…) O nexo indissociável entre os documentos e o meio ilícito de sua obtenção é o que basta para serem eles considerados prova ilícita. É manifestamente impossível autorizar o uso de prova ilícita sem rasgar a nossa Constituição!”, publicaram os advogados de Márcio Faria, em artigo resposta.
 
Moro, contudo, rechaçou o pedido, afirmou que o envio das provas pelas autoridades suíças foi um “erro procedimental” que “deve ser corrigido na Suíça, sem qualquer relação com os procedimentos no Brasil”, e determinou que o processo contra a maior empreiteira do país siga para a fase de alegações finais.
 
O juiz da Lava Jato considerou que a defesa só quis “ganhar mais tempo” com o pedido e tomou a decisão seguindo essa interpretação, ignorando o que determina a Constituição nestes casos. De acordo com o artigo 5º, inciso LVI, “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
 
“Não faz, por outro lado, sentido aguardar que a irregularidade procedimental seja sanada na Suíça se, pela decisão da r. Corte daquele país, isso aparenta ser certo e se não foi imposta por ela tal condição para que as autoridades brasileiras continuassem a utilizar os documentos”, afirmou.
 
“No fundo, a Odebrecht, seus executivos e seus advogados, ao mesmo tempo em que deixam de explicar nos autos ou em suas inúmeras manifestações na imprensa os documentos alusivos às contas secretas, buscam apenas ganhar mais tempo, no que foram bem sucedidos considerando a decisão da r. Corte Suíça”, disse ainda.
 
De acordo com os advogados do ex-executivo da Odebrecht, o MPF admitiu “que a Procuradoria suíça terá que seguir o processo correto para tentar convalidar a ilegalidade da remessa dos documentos ao país”.
 
Abaixo, trecho da decisão de Sergio Moro, negando o pedido, e o artigo dos advogados de Márcio Faria, constatando ilegalidade na tramitação:
 
 

Roteiro de uma ilegalidade

Por Dora Cavalcanti e Rafael Tucherman

A manifestação do Ministério Público Federal sobre a decisão do Tribunal Federal Penal Suíço, que decidiu pela ILEGALIDADE da remessa dos documentos bancários ao Brasil, não refuta seu impacto evidente na ação penal em curso. Apesar do tom agressivo e desrespeitoso em relação ao trabalho da defesa, o MPF admite que a Procuradoria suíça terá que seguir o processo correto para tentar convalidar a ilegalidade da remessa dos documentos ao País.

1.    Ilegalidade. Nas palavras do MPF os documentos “foram recebidos em razão da cooperação passiva da Suíça”. Assim, uma vez reconhecida pela decisão do Tribunal Suíço que a via da cooperação foi ilegal, desapareceu a origem lícita da prova, que por isso mesmo não pode ser usada. A Consituição brasileira prevê que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. O nexo indissociável entre os documentos e o meio ilícito de sua obtenção é o que basta para serem eles considerados prova ilícita. É manifestamente impossível autorizar o uso de prova ilícita sem rasgar a nossa Constituição!

2.    Cortina de fumaça. O MPF qualificou de modo ofensivo o trabalho da defesa, buscou confundir a questão com teses jurídicas heterodoxas e atribuiu à decisão estrangeira conclusões que dela não fazem parte, desvirtuando seu conteúdo. Não negou, porém, que por força da decisão do Tribunal Suíço o Ministério Público daquele país está sendo obrigado a seguir o processo legal que deveria ter sido respeitado desde o início, permitindo que as empresas descritas na denúncia como “offshores” da Odebrecht possam se defender e dar explicações sobre suas atividades. O procurador suíço está tentado remediar a ilegalidade que cometeu!

3.    No presente, nada muda. Como reconhecido na própria manifestação do MPF, somente se e quando a Procuradoria suíça lograr convalidar a ilegalidade que praticou será possível cogitar do aproveitamento da referida rogatória passiva. Se o Procurador suíço não conseguir demonstrar que os requisitos materiais para a cooperação estão presentes no caso, o pedido de assistência será negado e os documentos terão que ser devolvidos para a Suíça em definitivo. Enquanto isso, os acusados não podem ser obrigados a se pronunciar sobre documentos obtidos por meio ilícito, pois nossa Constituição e o artigo 157 do Código de Processo Penal vedam o uso da prova ilícita e também da prova obtida por meio ilícito.

4.    Violação a direitos fundamentais. A decisão suíça analisou a conduta do Procurador Stefan Lenz e concluiu que ela afrontou o direito de defesa da parte atingida, seu direito a uma decisão judicial e a um recurso contra tal decisão. Tais garantias individuais – ao direito de defesa, ao duplo grau de jurisdição e de acesso à Justiça – estão inscritas em cláusulas pétreas da nossa Constituição. Não se trata, assim de mero “erro de procedimento”, ou de mera violação de “normas internas e burocráticas sobre cooperação internacional”, como querem fazer crer os procuradores brasileiros;

5.    Atalho ilegal – a cooperação selvagem. A decisão suíça concluiu que o procurador Stefan Lenz sabia que a Força-Tarefa brasileira buscava, por meio de pedidos oficiais, ter acesso aos detalhes das contas bancárias que fizeram pagamentos em favor de Paulo Roberto Costa e Renato Duque, dentre outros. Quando o procurador Lenz mandou documentos à Força-Tarefa por meio da tal carta rogatória passiva, impedindo que os titulares das contas se manifestassem e obstando que a Justiça suíça analisasse se a cooperação poderia ser realizada, burlou as leis federais que regem esses processos na Suíça, fazendo um atalho ilegal. Este atalho é conhecido como cooperação selvagem!

6.    Carimbo não mente. Será que o procurador suíço sabia da urgência dos colegas brasileiros em obter documentos novos pois precisavam oferecer denúncia contra os acusados presos até o dia 24.07.2015 ou tudo não passou de mera coincidência? O MPF não estranhou o fato de uma carta rogatória passiva, com carimbo de urgente, ter ficado absolutamente parada por 8 meses?! Os procuradores brasileiros nem sequer atenderam o despacho do juiz para explicar pontos por ele considerados como essenciais ao cumprimento da rogatória passiva vinda da Suíça. Depois que se prestou a servir de meio ilícito de introdução de prova no Brasil, a carta rogatória passiva – antes tida por urgente – ficou totalmente abandonada!;

7.    A inexistente boa-fé. A decisão da corte suíça jamais examinou a conduta do MPF brasileiro, de modo que não é verdade que tenha estabelecido sua boa-fé. Os procuradores insistem que desconheciam a ilegalidade do procedimento e que tudo não passou de uma coincidência. Entretanto, depois de ter feito nada menos do que 11 pedidos para aclarar a chegada abrupta desta carta rogatória passiva em julho de 2015, a defesa finalmente descobriu que a Suíça informara ao Brasil desde aquela época a existência de uma exceção ao uso da prova, justamente a exceção à cooperação selvagem. Eis aí o segredo guardado a sete chaves que fez com que o MPF mudasse radicalmente seu discurso ao longo do tempo!

8.    Recusa à exibição dos documentos. Restou claro porque houve recusa em exibir o documento suíço que deu suporte à afirmação do DRCI no sentido de que não haveria restrição alguma ao uso da prova no Brasil. Na verdade, a restrição à cooperação selvagem constava sim da comunicação suíça enviada ao Brasil, apenas foi suprimida do oficio enviado em 21.07.2015 ao Procurador Deltan Dallagnol, e usado como base para a decisão de compartilhamento. Não era verdade que a Suíça autorizava o uso sem limitações de documentos anexados a uma carta rogatória passiva!;

9.    Resposta equivocada. A defesa insistiu em esclarecimentos sobre o seu teor e ainda recebeu resposta equivocada, trocando-se a exceção que trata de impedir a cooperação selvagem por uma outra exceção contida no tratado de cooperação. A exceção foi, primeiro, suprimida, depois, substituída por outra, irrelevante neste caso. Somente agora com a decisão do Tribunal Suíço é que ficou inequívoco que a vedação ao uso de documentos encaminhados em cooperação selvagem já havia sido informada desde o início aos brasileiros. Desta forma, a decisão do juiz que autorizou o uso na denúncia dos documentos encaminhados com a rogatória foi baseada em uma premissa falsa!

10. O que a defesa demonstrou. Durante o processo, a defesa logrou demonstrar a seriedade das comissões de licitação e a inexistência de superfaturamento nos contratos com a Petrobras mencionados na denúncia. Na fase adequada para se pronunciar sobre o mérito – as alegações finais –, demonstrará ainda que a acusação é tão falaciosa que não foi corroborada sequer pelos próprios delatores. Quanto aos documentos bancários vindos da Suíça, Márcio Faria já afirmou que nunca ouviu falar dessas empresas offshore e nem das contas mencionadas na denúncia. Também esclareceu que jamais ordenou pagamentos feitos a partir de contas da Construtora Norberto Odebrecht e da OSEL nos Estados Unidos. A defesa não quer fugir do mérito das acusações. Nem por isso deve concordar com a admissão de provas ilícitas no processo!

 
Anexos: Íntegra do despacho de Sergio Moro e Petição da defesa de Márcio Faria
 
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

15 Comentários

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  1. Fascistas do Paraná

    Sérgio Moro rasga a Constituição descaradamente e os Ministros do Supremo, que deveriam ser os guardiães da Constituição, ficam em cúmplice e covarde silêncio.

    O fascismo avança, corrompendo cada vez mais o Estado Democrático de Direito.

  2. O que o texto esqueceu de

    O que o texto esqueceu de mencionar foi que os advogados pediram o retorno dos documentos, e a justiça suíça negou essa solicitação. 

    Se hou um erro nos procedimentos do MP suíço, na visão do judiciário daquele país, é um problema que eles têm que resolver. Para a prova ser considerada ilegal no Brasil teria que haver uma decisão do judiciário brasileiro dizendo que o recebimento dos documentos foi ilegal.

    Agora, saindo das questões técnico-jurídicas, ninguém questionou a veracidade das informações contidas nos documentos, e que provam pagamento de propina da odebrecht.

  3. O meu Jesus Cristinho.
    As

    O meu Jesus Cristinho.

    As provas, para serem ilícitas, tem de serem declaradas ilícitas!

    Quem pode fazer isso? O Juiz, em seu despacho saneador.

    Tudo a seu tempo. O processo se move para frente, nunca para trás. Houve abertura de prazo para os réus se manifestarem. Acabado o prazo o juiz profere seu despacho saneador, limpando o processo de qualquer irregularidade.

    Do despacho saneador, o réu pode agravar, e seu agravo vai para as instâncias superiores. o Marcelo agravou?

    As instâncias superiores proferiram a sua decisão?

     

  4. Para o juiz Sergio Moro, não

    Para o juiz Sergio Moro, não existe Constituição, acordos bilaterais. Ele é o Supremo, as Leis e os Acordos, só vale o que ele decidir. Por isso ele faz a diferença para a Globo, que continua mando no Brasil…

  5. Espero que esse juiz tenha

    Espero que esse juiz tenha melhor sorte em seu julgamento.Sería muito azar dele pegar um juiz que não respeitasse às Leis e a Constituição.

  6. Moro nao pode usar  as  tais

    Moro nao pode usar  as  tais  provas  ja que a  justiça  da  Suiça  desautorizou  o uso  por  nao  ser  verdadeira. mais para Moro  pouco  importa isso. ele  quer  muniçao  para continuar  com  a  farsa ate  2018  faltam  3  anos  e  eles vao  ter que  inventar muita coisa  para  destruir o PT. Ao  destruir o PT  tudo  acaba  a lava  jato  muda  de  planos  e  vai  partir para cima das empreiteiras  porque esse  é outro objetivo  destruir  a  ODEBRECHT  a maior  empreiteira  brasileira e  que  opera no  mundo todo. 

    De mes  em  mês  Moro  inventa  uma nova operaçao,  agora  foi a  invesrtigaçao do  sitio de  Atibaia. 

  7. Moro nao pode usar  provas

    Moro nao pode usar  provas  que  a justiça da Suiça  ja disse  que  sao ilegais, AS  Suiça  ja  desautorizou o uso  portante  se ele usar,  vai  cair. mais Moro nao  esta  interessado se vai cair ou nao,  ele  tem  certeza que  a operaçao lava  jato nao  vai sair  de suas  maos pois  a c ada dia  ele  vai  apresetar  novas  diligencias,  novas  tentativas de provas.  Agora mesmo ele  mandou investigar  o  Sitio de  atibaia  que  esta  registrado  em  nome  de amigo de Lula, Silvio  Pereira  ex secretario do PT  ja  se colocou a disposiçao  para o que  Moro  quizer.  e  cada dia  Moro  vai  inventar uma diligencia   digo  cada mês  assim ele  vai segurando o  processo  ate  2018  quando eles  disferem os golpes  finais  contra Lula e sua  esposa. Esse é o objetivo dele. O GOVERNO  BRASILEIRO DEVE  PEDIR  a  JUSTIÇA  DA SUIÇA  QUE  SE PRONUNCIE  PUBLICAMENTE  SOBRE AS TAIS  PROVAS  ASSIM  FICA   CLARO QUE  esse procuradores  facistas  serao desmascarados. 

  8. Antes do Moro

    os juízes brasileiros almejavam chegar ao STF, mas para isso tinham que fazer a maior via sacra para ser indicado ao STF(aí chega lá tem um colegiado com quem tem que dividir os julgamentos). O negócio agora é ser juíz de primeira instânica em Curitiba, aí você pode tudo sem ter que dividir os holofotes com ninguém e nem ter as suas vontades contrariadas. Se não é ser um deus está bem perto.

  9. Espera-se que o STF, o

    Espera-se que o STF, o guardião da CF/88 invalide os atos do Juiz de Curitiba que não cumpre esta mesma constituição.

    O açodamento do juiz de Curitiba parecendo querer consequências políticas e partidárias rápidas derivadas dos seus atos jurisdicionais pode no futuro livrar os verdadeiros corruptos por erros processuais passíveis de nulidade em tribunais superiores.

     

  10. A contradição de moro é a

    A contradição de moro é a seguinte: se ele age dentro da lei e de acordo com a constituição por que precisaria da mídia para fazer a cabeça da opinião pública?

    É óbvio que a atuação do juiz é abusiva e ele precisa da mídia para amedrontar todo aquele que se colocar no caminho de sua obsessão condenatória.

  11. Comentário.

    O que há, na verdade, o que se comentar?

    Já estamos na ilegalidade e na ilegitimidade do uso do poder.

    O risco e o prejuízo é todo nosso.

    Bradar a constituição não adianta. Dizer que “isso não pode” não se coloca mais.

    A questão é simples: O que fazer?

     

     

     

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