É quando o arbítrio e a injustiça se instalam que a advocacia se torna imperiosa, por Wadih Damous

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Wadih Damous

No Conjur

Tenho acompanhado como parlamentar e advogado a ascensão do autoritarismo no Poder Judiciário e no Ministério Público. A advocacia nunca foi tão ultrajada e humilhada por juízes, delegados e promotores. O paradoxo é que é justamente nestes momentos que a profissão de advogado se torna ainda mais imprescindível.

Não existe área do Direito que não tenha sido afetada pela inflexão autoritária que ocorreu nos últimos anos no Brasil. A advocacia criminal, por lidar diretamente com a liberdade alheia e se colocar como um contraponto ao poder punitivo, é quem primeiro sente na pele a mudança autoritária.

Os exemplos recentes dessa mudança são muitos: a expulsão de um advogado do Plenário da suprema corte, quando atuava em defesa dos direitos de um acusado; as medidas de restrição do Habeas Corpus nas cortes superiores e no STF; a impossibilidade de acesso aos autos em famigeradas operações policiais; e até a despreocupação de ministros do STF quanto ao respeito à Constituição da República de 1988. Há pouco, mesmo com procuração, fui impedido de me encontrar com o ex-presidente Lula, meu cliente, por decisão arbitrária de uma juíza, tendo que recorrer ao TRF-4 para assegurar esse direito.

A advocacia trabalhista, por sua vez, sofre com os efeitos da alteração radical do sistema de regulação social do trabalho e de sua proteção, uma construção ao longo de décadas no Brasil. O desmonte da CLT em 2017 é eixo central do golpe parlamentar contra a presidente Dilma Rousseff e se insere em um processo mundial de reorganização do capitalismo, com o ataque e retrocesso em conquistas importantíssimas da classe trabalhadora, ameaçando também suas formas próprias de organização e sociabilidade.

Um dos efeitos nefastos do golpe parlamentar de 2016, na seara trabalhista, é a queda vertical do acesso à Justiça pelo trabalhador em razão da insegurança jurídica em demandar, inclusive com punição para quem tentar exigir seus direitos. O impacto disso é evidente na advocacia, inclusive para quem atua em empresas, com a consequente redução do mercado de trabalho. E o mais importante, além de não resolver o conflito latente entre capital e trabalho, as mudanças aprofundam o fosso social no país, com o aumento da pobreza e o estilhaçamento das relações sociais.

No Congresso Nacional, tenho lutado arduamente contra o autoritarismo legislativo e apresentado propostas para reafirmar e valorizar a advocacia. Cito alguns exemplos: fui autor da proposta (que depois se tornou lei) que garantiu a contagem de prazo para a advocacia trabalhista apenas em dias úteis; apresentei e consegui aprovar na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara projeto que garante acesso do advogado aos autos de processo eletrônico independentemente de procuração; sou autor de projeto de lei que garante a paridade de armas entre defesa e acusação; e do projeto que estabelece o sistema tributário do Simples Nacional à sociedade unipessoal de advocacia; também é de minha autoria o projeto que reafirma o princípio da presunção de inocência na legislação infraconstitucional, entre outros.

E não faço isso por questões corporativas, mas porque o exercício pleno da defesa, nesses tempos em que o autoritarismo se impõe como regra no sistema de Justiça, é um antídoto fundamental em defesa da própria democracia.

Essa é a força e a grandeza da nossa profissão. É quando o arbítrio e a injustiça se instalam que a sua presença se torna imperiosa. Os maiores nomes da advocacia brasileira foram forjados na resistência contra a força bruta e a irracionalidade que pareciam, irremediavelmente, prevalecer.

As biografias de Luiz Gama, Evaristo de Moraes, Sobral Pinto, Rosa Cardoso, Eny Moreira, Evandro Lins e Silva, e de tantos outros que não se calaram ante o arbítrio, servem de norte para manter a esperança em um país mais justo e compreender a nobreza da advocacia.

Wadih Damous é deputado federal (PT-RJ) e ex-presidente da seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

3 Comentários

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  1. Perfeitamente!
     

    Mas de que adianta reforçar os direitos da advocacia se o corpo jurídico estatal não respeita as leis e a constituição?

    Estamos em tempo de  dedetizar o legislativo e convocar uma constituinte.

    Resta saber sob qual inspiração, já que não temos lideranças que se possam considerar humanas e nem um povo com capacidade ou meios para escolhe-las conscientemente.

  2. OAB e CBF. IRMAS SIAMESAS. DITADURA DE FEDERAÇÕES

    OAB assim como Advogados deveriam ser a primeira e mais forte das trincheiras em defesa da Liberdade e Democracia. Pelo contrário é uma Confraria de Mafiosos. Um cabresto ditatorial sob uma Classe, que deveria preservar pelas Leis. Ao invés disto, escravos de Carteirinhas e Coronéis, que controlam a Profissão. Levas de Semi-Analfabetos, lotando Universidades mal estruturadas que formaram Profissionais mal estruturados. Não sabem defender a si próprios, quanto mais a outros e às Leis?! Constroem nababesca riqueza em centenas de Cursos de Direito, que produzirão milhares de desempregados. Não é mesmo Gilmar Mendes? Desempregados que se calarão à subordinação e financiamento de  bilionária Entidade de Classe, da qual não podem controlar nem indicar diretamente seus Mandatários. Nossa farsante Democracia. Lobo em pele de cordeiro. Ditadura de Federações. CBF também navega neste mar de fezes e corrupções. Comparsas de Judiciário Feudal, que nada serve fora engordar Capitanias Hereditárias e seu parasitismo. Não à toa Entidade de Classe surgida juntamente com a ascenção de Ditadura Assassina, que usou de violência, armas e mortes para calar Estudantes e Profissionais do Direito.  OAB e UNE, juntamente com o Caudilho-Mor, reverenciado até os dias de hoje, por esta Elite instalada conjuntamente na Sociedade Brasileira como um tumor e suas metástases. Existem Ditadores e Ditadores. Ditaduras e Ditaduras. E não compreendemos nossa tragédia e bárbaries diárias que já seguem por 88 anos. Temer é OAB, assim como Fleury (Comandante-em-Chefe do Massacre do Carandiru). O Brasil é de muito fácil explicação. 

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