Entre o cristo branco e o Marighella negro, por Jucemir Vidal

O colorismo, a hierarquização na tonalidade de pele e dos traços negros, tema considerado “mimimi da esquerda” pela extrema direita, é posto em pauta pelos mesmo críticos de forma sorrateira

Por Jucemir de Oliveira Vidal

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A arte possui muitas funções, dentre elas o entretenimento, a emoção, a alegria, a diversão, a reflexão, a interpretação da realidade e a contestação.

Essas características e funções assustam, pois nos confrontam com nós mesmos, nos deixam desnudos e afetados perante o que vivemos, por essa razão durante regimes autoritários, a arte é perseguida, utilizada com fins específicos de partidarismo, oposição ou até mesmo controlada quando divergente do status quo estabelecido.

Isso pode ser visto com o filme Marighella de Wagner Moura, mesmo sem ser lançado, ele sofreu ataque sistêmico em sites de informações de cinema e críticas cinematográficas sendo negativado mesmo sem nunca ter sido visto por ninguém e ganhou um discurso fervoroso de oposição de representantes da direita conservadora brasileira dentre os quais o excêntrico deputado federal Alexandre Frota do PSL. Este fez um discurso específico para tal filme não sendo suficiente o ataque e a crítica àquilo que não viu. O referido parlamentar, bem como outras lideranças e partidários da direita brasileira, questionou o filme e mais profundamente a etnia de Carlos Marighella sendo a produção classificada como “lacração cinematográfica”  termo usado por ele.

Estranhamente surgiu com força o questionamento do negro de pele clara Marighella ser interpretado por um negro de pele escura, no caso o ator e cantor Seu Jorge. Neste momento o colorismo, a hierarquização na tonalidade de pele e dos traços negros, tema considerado “mimimi da esquerda” pela extrema direita brasileira é posto em pauta pelos mesmo críticos de forma sorrateira e curiosamente inserido em sua narrativa retórica.

O termo colorismo surgiu nos ano 1980 e tem ganhado destaque no debate racial brasileiro, uma vez que a maior parte dos habitantes do país se declara como parda. De acordo com a pesquisa feita, em 2016, pelo IBGE, 44,2% dos 205,5 milhões de brasileiros se considera parda. Negros correspondem a 52,4 % dos habitantes do Brasil. O instituto de pesquisa inclui pessoas pretas e pardas na categoria de negros. Em linhas gerais, tal termo foi usado pela primeira vez pela escritora Alice Walker no ensaio “If the present looks like the past, What Does the future look like?”, que foi publicado no livro “In Search of Our Mothers Garden” em 1982.

Ironicamente tal termo está sendo posto em pauta como  instrumento de apropriação inversa para um objetivo político, o qual segundo conservadores e ideólogos da direita brasileira a negritude do personagem Marighella tem objetivo a cooptação partidária para uma ideologia específica, sabidamente a esquerda, onde a representação estética de Marighella serviria como processo de identificação e referência simbólica para propaganda política.

Contudo, se invertemos a inversão já feita pela direita, ou parafraseando Caetano Veloso realizarmos “o avesso do avesso do avesso do avesso”, não seria igualmente estranho e simetricamente paralelo, embora dicotomicamente oposto, se olhássemos a historiografia amparada pelos conceitos geográficos da figura do Jesus Cristo histórico e a imagem do Cristo bíblico, cristão e católico, onde o temos representado artisticamente  por um homem loiro, de olhos azuis, cabelos cacheados, traços finos e delicados uma etnia que não condiz historicamente com a sua ancestralidade, mas que povoa o imaginário popular, pinturas sacrossantas da igreja católica, obras de artes cristãs renascentistas e até mesmo contemporâneas.

A historiadora neozelandesa Joan E.Taylor, autora do livro “What did Jesus look like?” e professora do departamento de Teologia e Estudos Religiosos do King’s College, afirmou, em entrevista à BBC News, publicada no portal g1 em 28 de março de 2018, que “os judeus da época eram biologicamente semelhante aos iraquianos de hoje em dia. Assim acredito que ele tinha cabelos de castanhos escuros a pretos, olhos castanhos e pele morena. Um homem típico do oriente médio”.

Tais obras também seriam passíveis de interpretação de serem uma cooptação partidária para uma ideologia específica. Nesse caso, a direita do espectro político, onde o homem branco europeu é apresentado como o “salvador” em uma postura que fortaleceria o etnocentrismo europeu e a submissão afro indígena, a catequese católica, a ética protestante no espírito capitalista e a cultura ocidental, e também seria passível de ser interpretada como elemento da dominação de determinados grupos sobre outros, seja eles étnicos, religiosos ou culturais. Tais questionamentos são pertinentes, tanto para a arte católica quanto para a obra cinematográfica, e se a arte, como representação de personagens históricos, tem a  possibilidade de ser construída sob um olhar isento ou ela já se torna uma representação da visão de mundo e das convicções do autor, a partir do momento que é concebida.

Embora espinhosos tais temas necessitam serem levantados, e uma certeza específica realmente pode se tirar desses dois eventos: a arte realmente é, foi e sempre será questionada e questionadora.

 

Jucemir de Oliveira Vidal é pós graduado em Gestão de Recursos Humanos pela Universidade Cândido Mendes, Graduado em Administração pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e Sociologia pela Universidade do Norte do Paraná.

Redação

1 Comentário

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  1. Tratar de colorismo no Brasil é míope pq desconsidera classe social, desigualdade e etc. A nossa tarefa é juntar esses “pardos”, a esmagadora maioria, como negros.

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