Gilmar Mendes e as doações para partidos

Jornal GGN – A paralisia imposta pelo ministro Gilmar Mendes à ação que pode proibir doações de empresas para candidatos e partidos tem causa e efeito. Essa demora não é algo fora do comum. Mas a revolta é motivada principalmente pelas demonstrações que o magistrado já deu de que não precisa analisar muito mais o assunto.

Enviado por B. F. Costa

Decisão do STF sobre doações aguarda voto de ministro há um ano

Por Mariana Schreiber

Da BBC Brasil em Brasília

Ministros do STF levam, em média, um ano para concluir análises de ações, de acordo com estudo da FGV

Há exatamente um ano o ministro Gilmar Mendes paralisou a votação no Superior Tribunal Federal (STF) de uma ação que pode proibir doações de empresas para candidatos e partidos políticos.

Em 2 de abril de 2014, Mendes pediu vista da ação, procedimento que serve para o juiz analisar melhor a questão em debate antes de proferir seu voto.

Essa demora não é algo fora do comum. Embora o regimento do STF dê um prazo de até 30 dias para que um ministro conclua o pedido de vista, não há sanções para o desrespeito da norma – que acaba sendo descumprida rotineiramente.

Um estudo da FGV apontou, inclusive, que o tempo médio que os ministros do Supremo levam para concluir análises do tipo é de quase um ano.

A demora de Mendes, porém, vem sendo alvo de duras críticas e levou até a criação de um movimento na internet, o #DevolveGilmar. Uma petição onlinecobrando que o ministro profira seu voto tinha 91 mil assinaturas até a tarde de quarta-feira.

Dois fatores alimentam a revolta:

Outros sete ministros já votaram, e seis deles se manifestaram contra a doação de empresas, o que significa que a maioria do Supremo (formado por onze ministros) já decidiu a favor da ação movida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Mendes já deu declarações públicas contra a ação da OAB, o que, segundo seus críticos, indica que o ministro não está “segurando” o caso por necessidade de analisar melhor o assunto.

A ação em questão é uma ADIn (Ação Direta de Inconstitucionalidade) que pede que o STF responda: doações de empresas a candidatos ferem a Constituição Federal?

A OAB sustenta que sim porque, na opinião da entidade, o financiamento de candidatos e partidos políticos por empresas desequilibra a disputa eleitoral, dando poder desproporcional ao capital privado de influência sobre os rumos do país. Esse tipo de doação “torna a política completamente dependente do poder econômico, o que se afigura nefasto para o funcionamento da democracia”, afirma a Ordem.

Já votaram a favor do entendimento da OAB os ministros Luiz Fux (relator do caso), Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Joaquim Barbosa (então presidente da corte, antes de se aposentar). Após Mendes pedir vista, antes do encerramento da sessão, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski anteciparam seus votos, posicionando-se também pela proibição de doações de empresas. O ministro Teori Zavascki é até o momento o único que se manifestou contra a ADIn.

“Decidi antecipar meu voto porque era presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) na época e considerei importante concluir imediatamente o julgamento (a tempo das eleições). É o que eu digo sempre: no colegiado, vence a maioria, né? Não podemos tomar uma matéria como uma questão pessoal. Ali deve vingar a impessoalidade”, disse Marco Aurélio em entrevista à BBC Brasil.

“Há um prazo (para concluir o pedido de vista). Mas prazo sem sanção, não é prazo, né? Acaba que fica na concepção de cada qual”, acrescentou.

‘Processos que se perdem de vista’

Desde 2004, o regimento do STF define que, após o processo ser remetido ao gabinete do ministro que pediu vista, ele terá dez dias, renováveis automaticamente por mais dez, para concluir sua análise. Caso não o faça, teria que apresentar uma justificativa para requerer mais dez dias.

Quando criada, a norma foi jocosamente descrita como “iniciativa para impedir que os processos se percam de vista”, mas a regra acabou não “pegando”.

Campanhas na internet criticam demora de Mendes e pedem que ele finalize sua análise da ação movida pela OAB

Um estudo da Escola de Direito da FGV do Rio analisou a atuação dos ministros de 1988 até 2013 e concluiu que, entre os pedidos de vista devolvidos até aquele ano, o tempo médio que os ministros levaram para retornar o processo com seu voto foi de 346 dias.

Um dos professores responsáveis pelo estudo “Supremo em Números”, Ivar Hartmann, diz que na prática cada ministro tem um poder de veto.

“Qualquer ministro que não queira que o caso seja julgado pede vista e, pelo tempo que ele quiser, suspende esse processo. Isso tem um impacto: se um ministro não gosta da posição de outro, pode pedir vista e esperar o outro se aposentar”, explica.

“Se o entendimento dele é contra a ADIn, por exemplo, ele não precisa angariar votos, tentar convencer os outros, basta que ele segure o processo por vários anos e, quando isso voltar à pauta, não haja mais condições de o caso ser julgado”, nota ainda.

Durante o período pesquisado pela FGV, 2.987 pedidos de vista foram feitos, dos quais 124 nunca haviam sido devolvidos. Entre os casos mais longos sem desfecho está a ADIn movida pelo PT em 1996 contra dispositivos da lei 9.295/96, que regulava o setor de telecomunicações após sua privatização no governo FHC.

Marco Aurélio foi o primeiro a pedir vista em março de 1997, seguido do ministro Maurício Correa em abril do mesmo ano. Em junho de 1998 foi a vez de Nelson Jobim, que já se aposentou.

Hoje não há mais condições dessa ação ser julgada, nota Hartmann, porque todo o setor de telecomunicações já se desenvolveu sobre essa estrutura legal.

“Gilmar está jogando o jogo segundo as regras que os próprios ministros criaram, na minha opinião, de maneira ilegal. O que lamentável é que essas regras foram estabelecidas informalmente, não é o que está no regimento do STF”, crítica Hartmann.

O professor da FGV diz que, embora seja comum os juízes justificarem a demora afirmando que há uma carga alta de trabalho (muitos processos para julgar), o levantamento não confirmou esse tese.

Falta de controle e transparência

Para o presidente da Associação Juízes para a Democracia (AJD), André Augusto Bezerra, casos como esse de Gilmar Mendes decorrem da “falta de transparência do Judiciário em geral e do Supremo em particular”.

Ele nota que o problema acaba sendo mais grave no STF porque lá os ministros não estão sujeitos ao mesmo controle dos juízes de primeira instância, contra os quais podem ser feitas queixas nas corregedorias de Justiça e no CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

“Em tese, o ministro pode sofrer um impeachment, mas isso é muito mais complicado”, afirma.

Sete ministros do Supremo Tribunal Federal manifestaram-se contra doações de empresas a candidatos

Como medida para evitar esse problema, Bezerra defende que os ministros sejam obrigados a justificar detalhadamente o motivo da demora.

“Num Estado de Direito, toda pessoa que trabalha para o Estado tem que justificar seus atos, principalmente aqueles que tem um poder grande de decisão”, argumenta.

A indignação gerada pelo escândalo da Petrobras, de onde recursos teriam sido desviados para financiar partidos por meio de empreiteiras, dá ainda mais urgência à questão, avalia o juiz.

“Um caso como esse – a sociedade assiste a denúncias de corrupção, referentes a campanha, que envolve diversos partidos – no mínimo há uma obrigação moral do ministro em apreciar a causa com mais urgência”, cobra.

Por que Mendes não vota?

Declarações do próprio ministro indicam que ele já tem um voto formado e que o motivo da demora é deixar que o próprio Congresso decida sobre o assunto.

“Isso é matéria do Congresso por excelência. Alguém já imaginou o Supremo definindo qual vai ser o sistema eleitoral? Se vai ser um sistema misto (de eleição dos deputados), se vai ser um sistema majoritário? A partir daí é que se define como é que vai ser o financiamento. Até porque isso é complexíssimo. Esses dias, o Renan (Calheiros, presidente do Senado) disse que nas eleições municipais chega a ter 500 mil candidatos no Brasil. Como você distribui o dinheiro?”, afirmou Gilmar Mendes no mês passado.

Atualmente, há uma Comissão Especial na Câmara de Deputados que analisa uma proposta de reforma política. Alguns partidos, liderados pelo PT, querem a proibição das doações de empresas, enquanto outros defendem que essa forma de financiamento seja mantida, com algumas restrições. O PMDB, que atualmente presidente o Senado e a Câmara, propõe, por exemplo, que cada empresa só possa doar para um partido – hoje elas podem fazer repasses para todos ao mesmo tempo, se quiserem.

“Como o financiamento de campanha será um dos objetos da reforma política no Congresso, é possível que ele esteja segurando para que não haja uma interferência do Poder Judiciário sobre o Poder Legislativo”, afirma o jurista Ives Gandra, ressaltando que não chegou a conversar com Mendes sobre isso.

Para Gandra, o ministro não está fazendo nada de errado. O jurista considera que os prazos previstos no regimento do STF são apenas uma indicação, não uma obrigação. “O Código de Processo Civil prevê que o juiz tem dez dias para decidir após a última audiência, e nenhum juiz decide em dez dias”, observou.

Especialista em contas eleitorais, o ex-presidente da Transparência Brasil Claudio Abramo também entende que é o Congresso que deve decidir sobre o assunto e considera “totalmente descabida” a ação movida pela OAB.

“Se o STF vai lá e diz que é inconstitucional, no dia seguinte o Congresso vai incluir na Constituição (por meio de uma PEC) dizendo que pode sim (haver doação de empresa)”, afirmou.

Ele vê, porém, uma consequência positiva da iniciativa da OAB: se Mendes devolver a ação e ela for encerrada, ao menos o Congresso terá que agir e considerar mudanças no atual sistema. A expectativa de Abramo é que – pressionado – o Congresso aprove o financiamento de campanha por empresa, mas restrita a valores baixos. Esse limite, na sua opinião, reduziria o poder das empresas sobre os políticos.

“Um dos benefícios dessa ação totalmente descabida é que vai forçar o Congresso a ter uma posição a respeito. E pelo que eu vi, essa ideia de limitar (as doações), é algo que está sendo discutido”, afirmou.

A BBC Brasil procurou Mendes para comentar o assunto por meio de sua assessoria há duas semana, mas não obteve retorno.

Redação

17 Comentários

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  1. Sentou em cima da bola…

    Sem trocadilho….

    Será que ele está esperando o PSDB ganhar uma eleição para Presidente?

    “È uma vergonha!!!!!”

     

  2. O PT precisa desesperadamente

    O PT precisa desesperadamente de verba pública para sobreviver…pois o motivo que levava ao recebimento de verba privada simplesmente ruiu.

    1. Só que o processo no STF tem

      Só que o processo no STF tem mais de um ano e na época o PT já se pronunciava contra doações de empresas, bem antes da operação Lava Jato.

      Além disso, proibir doações de empresas não implica em financiamento público. O financiamento continua privado, mas através de pessoas físicas e não jurídicas.

      Engraçado mesmo é alguém ainda achar algum motivo para defender a chicana do Gilmar Mendes.

    2. Não é só PT, camarada. É toda

      Não é só PT, camarada. É toda pessoa decente que quer depurar o processo político livrando-o da influência do poderio financeiro.

      Hoje basicamente todo o estamento político é refém de empresários. Que diabo de democracia é essa?

      Pessoas jurídicas só existem no formal. Não votam, não possuem, por conseguinte, o estatuto da cidadania. 

      Contribuições, só de pessoas pessoas físicas e com limitações. 

      O medo de vocês é porque sabem ser o PT o único partido com militância, com adeptos que metem a mão no bolso para contribuir.

  3. Todo mundo já conhece o voto

    Todo mundo já conhece o voto do Gilmar, claro! É o seguinte: Qualquer doação para o PSDB é permitida, de correntista do HSBC, de dono de helipóptero. Para o PT, poder pode também, mas lá na frente será considerado propina, até doação individual de militante. é tudo propina. Ou seja, ele quer manter como está valendo atualmente

  4. O que chega a dar nojo é a 

    O que chega a dar nojo é a  atitude dos demais ministros do STF. Sobretudo os que já julgaram. Ficam ouviindos essas declarações indecorosas e nada fazem. São xingados de bolivarianos, de imbecis e aturam. São taxados de polítiqueiros que querem “fazer a reforma política”, justamente pelo mais polítiqueiro ministro da história do STF e fingem que não é com eles.

    Dá nojo.

    1. Juro que não me surpreenderia

      Juro que não me surpreenderia se um dia descobrissem que ele falsificou o RG pra ter vários anos a menos do que ele realmente tem.

  5. Tanta lenga-lenga por um

    Tanta lenga-lenga por um assunto que não resolve absolutamente nada em termos de democracia e participação popular.

    Aliás, a doação de empresas nominalmente não deveria ser proibida, o eleitor é que não deveria votar em candidatos que recebem doações de grandes empresas com interesses nas decisões dos futuros governantes.

    Nada vai impedir quem tem dinheiro de continuar financiando políticos. Aliás, o que mais tem é doação “camuflada”, de gente que não quer e não pode aparecer.

    Enquanto o povo continuar votando naqueles que fazem espetaculosas campanhas de altíssimo custo, de algum lugar os caras vão continuar tirando dinheiro para chegar ou se manter no poder.

    Vão acabar entregando os partidos para o crime organizado e o narcotráfico, como já aconteceu, e acontece, em outros países. Berlusconi e Sarcozy que o digam.

     

  6. Gilmar e corrupção

    Pode ser  coincidência, mas, é perceptível que desde que o Ministro Gilmar assumiu o STF que os casos de corrupção aumentaram exponencialmente no Brasil. Especialmente aqueles decorrentes de evasão fiscal. Seria a certeza da impunidade?

  7. Brigadas Populares Protocola Denuncia Contra Gilmar Mendes
    Um ano que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), interrompeu, com um pedido de vistas, o julgamento da ADI 4650, ação da OAB que pede a declaração de inconstitucionalidade do financiamento empresarial de campanhas eleitorais.

    Considerando a Lei 1.079/50, que estabelece crime de responsabilidade dos Ministros do STF “ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo”, a organização política Brigadas Populares protocolou, nesta quarta-feira (01), junto ao Senado Federal, uma denúncia do ministro. Pedimos que ele seja condenado à perda de seu cargo.

    Gilmar Mendes incorre no crime de responsabilidade ao descumprir seu dever de magistrado previsto na Lei Orgânica da Magistratura : “não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar” (Art. 35, II).

    As próprias regras do STF estabelecem que o Ministro que pedir vista dos autos deverá devolvê-los no prazo de 10 (dez) dias, prorrogáveis por no máximo outros 10 (dez). Gilmar Mendes já extrapolou em dezenas de vezes o prazo de que dispunha para devolver os autos da ADI 4650. O Ministro já manifestou sua posição no caso até mesmo pela imprensa, mas ainda não deu sinal de quando devolverá os autos.

    As Brigadas Populares fazem a denúncia diante da necessidade urgente de uma discussão profunda sobre o fim do financiamento de campanhas e partidos por empresas privadas, através de uma reforma política popular e democrática.

    Para saber mais, leia nossa nota pública: http://brigadaspopulares.org.br/?p=1145

  8. O nome do Gilmar vai aparecer

    O nome do Gilmar vai aparecer em uma dessas lista da PF.

    Aposto uma mariola como  vai.

    Se não nas presentes, com certeza o nome desse ministro aparecerá nas vindouras.

    O ” não ficará pedra sobre pedra” está incluido esse ministro.

  9. O PIG em foco

    PT faz ‘ajuste fiscal’ interno para não quebrar após escândalo da Petrobras

    “…Em meio a uma queda brutal de arrecadação provocada pela redução das doações privadas desde que o tesoureiro João Vaccari Neto passou a ser investigado pela Operação Lava Jato, o partido está enfrentando um ajuste drástico em suas próprias contas.”

    http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2015/04/04/pt-faz-ajuste-fiscal-interno-para-nao-quebrar-apos-escandalo-da-petrobras.htm

  10. Que “belo” exemplo dá a

    Que “belo” exemplo dá a Suprema Corte do país com essa excrescência chamada “pedido de visto” com prazo ad eternum para retorno, Não será isso, sem trocadilho, inconstitucional? Pode um ministro paralisar o andamento de uma Ação por tanto tempo? Mesmo se sabendo os motivos nada nobres, como é o caso desse envolvendo o ministro Gilmar Mendes?

    Mais um exemplo da ditadura “legal” no país. O próprio guardião da Constituição – STF – abdicando das suas responsabilidades. 

  11. monarquia ou república ?

    Veja só este trecho:

    “Qualquer ministro que não queira que o caso seja julgado pede vista e, pelo tempo que ele quiser, suspende esse processo. Isso tem um impacto: se um ministro não gosta da posição de outro, pode pedir vista e esperar o outro se aposentar”, explica.

    “Se o entendimento dele é contra a ADIn, por exemplo, ele não precisa angariar votos, tentar convencer os outros, basta que ele segure o processo por vários anos e, quando isso voltar à pauta, não haja mais condições de o caso ser julgado”, nota ainda.

    Ou seja, ninguém precisa se justificar, pode fazer o que quiser e bem entender, passar por cima dos outros que fica tudo na mesma. Num poder em que o cara só sai de lá se reunciar ou for aposentado, isso tem toda a cara de monarquia, menos de república.

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