Joana Marques Vidal: “Corrupção não pode ser bandeira dos movimentos populistas”

A ex-procuradora-geral da República, que em setembro do ano passado não foi reconduzida no cargo, em Portugal, apelou aos “movimentos democráticos” para que adotem a luta contra a corrupção como uma prioridade, considerando que até agora não o têm feito

Francisca Van Dunem, Sérgio Moro, Janine Lélis, Joana Marques Vidal (Diana Quintela / Global Imagens)

do Dinheiro Vivo

Joana Marques Vidal: “Corrupção não pode ser bandeira dos movimentos populistas”

por Ana Sanlez

Era o debate mais esperado do segundo dia das Conferências do Estoril. No mesmo palco, a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, a ex-procuradora Geral da República, Joana Marques Vidal, e o ministro da Justiça do Brasil, Sérgio Moro, falaram sobre o desafio que é equilibrar a democracia com a luta contra a corrupção. A ministra da Justiça de Cabo Verde, Janine Lélis, completou o painel.

A intervenção mais aplaudida no auditório da Nova SBE em Carcavelos pertenceu a Joana Marques Vidal. A ex-procuradora-geral da República, que em setembro do ano passado não foi reconduzida no cargo, apelou aos “movimentos democráticos” para que adotem a luta contra a corrupção como uma prioridade, considerando que até agora não o têm feito.

“Há uma ideia que tem vindo perigosamente a sedimentar-se: não podemos deixar que a corrupção seja um tema exclusivo dos movimentos autoritários e populistas. Há uma tendência para esses movimentos se apropriarem do tema da corrupção e fazerem dele a sua bandeira, quando o tema da luta contra a corrupção deve ser a bandeira dos movimentos democráticos. É por isso que acho importante que os agentes partidários tomem a luta contra a corrupção como desígnio, o que não tem acontecido”, alertou.

Delação premiada? Em Portugal não

Num debate centrado no tema da corrupção, acabou por haver um subtema a dominar grande parte da hora e meia de discussão: a delação premiada. O sistema, cujo recurso ficou célebre nos recentes casos de corrupção no Brasil, nomeadamente o Lava Jato, implica a diminuição da pena se o condenado denunciar outros casos de corrupção. Sérgio Moro defendeu o recurso à medida no Brasil. Já a Ministra da Justiça e a ex-procuradora concordaram que esse não deve ser o caminho em Portugal.

“Do ponto de vista legislativo, temos um quadro que precisa de aperfeiçoamento, porque nos permite fazer o que não fazemos. Hoje temos afloramentos ao direito premial em várias áreas, como o branqueamento de capitais e a corrupção. Mas não utilizaria a expressão ‘delação premiada’”, sublinhou a Ministra da Justiça, admitindo que a medida em Portugal pode ser trabalhada, mas seria necessário um “debate alargado”.

Francisca Van Dunem preferiu salientar a necessidade de “educar para a cidadania e para o gosto de pagar impostos”, como acontece nos países que sucessivamente surgem no topo das listas como os menos corruptos do mundo, pois é aí que está a “base da transparência”.

A ministra da Justiça foi ainda mais longe na recusa à delação premiada, sublinhando que “as democracias devem respeitar as suas regras, mesmo no combate corrupção”.

“O combate à corrupção é uma equação complexa. Mas é bom não abdicar dos princípios da democracia porque senão um dia destes estamos a discutir a pena de morte outra vez. É preciso combater a corrupção? Sim. São precisos mais e melhores meios? Sim. Mas usar meios cuja necessidade não esta objetivada não é para mim comportável”, sublinhou a governante.

A ministra reforçou a posição afirmando que “se conseguirmos identificar onde temos falhas, não precisamos de avançar para soluções de excecionalidade. Como democratas temos de ter essa preocupação. Não podemos combater o crime de qualquer maneira, temos de combatê-lo respeitando a Constituição”, concluiu a ministra.

A posição de Van Dunem foi, no geral, partilhada por Joana Marques Vidal, para quem a ideia de que “só lá vamos com a colaboração premiada” é redutora. Ainda assim, a ex-procuradora mostrou mais abertura à possibilidade de “alargar” o âmbito dos instrumentos que já existem na lei portuguesa.

“Não defendo a delação premiada nos termos em que existe no Brasil. Cada sistema tem os seus princípios. Mas é possível avançar nesse aspeto. A nível europeu, por exemplo, foi aprovada a diretiva de proteção do denunciante. A colaboração premiada em Portugal vai ser um debate próximo e temos condições para o fazer, respeitando os princípios fundamentais”.

A ex-procuradora admitiu que a delação premiada “permite investigar mais rapidamente”, ao mesmo tempo que pode pôr em causa “o equilíbrio dos direitos fundamentais em nome da segurança”.

“Vejo cedermos facilmente ao terrorismo e à ilusão da segurança. Hoje nos aeroportos não achamos estranho que nos dispam. Isto é uma invasão terrível dos direitos fundamentais e da dignidade. E aceitamos isso em nome da luta contra o terrorismo. O modo como adaptamos a rapidíssima evolução digital põe em causa os direitos fundamentais das sociedades democráticas”, concluiu Marques Vidal.

Francisca Van Dunem, Sérgio Moro, Janine Lélis, Joana Marques Vidal (Diana Quintela / Global Imagens)

Já Sérgio Moro explicou por que motivos a delação premiada é um sistema que funciona no Brasil. Ao mesmo tempo, do lado de fora do auditório, decorria uma manifestação contra o ministro de Jair Bolsonaro.

“Temos de fazer escolhas. Na prática, os crimes praticados em segredo, como a corrupção, estão envoltos num pacto de silêncio. As testemunhas são os próprios criminosos. E a escolha está aqui: faz-se um pacto com um criminoso menor para se chegar a um criminoso maior. Ou através de um grande criminoso é possível chegar a outros grandes, como aconteceu com o CEO da Odebrecht, que só cumpriu dois anos e meio de pena mas revelou uma série de subornos que não teríamos descoberto de outra forma”.

Moro defendeu o sistema brasileiro como a “escolha acertada”, e avisou as congéneres que “não usar esse método também é uma escolha, mas não terão grandes casos, terão impunidade”. Admitindo que “colaborar com criminosos é questionável”, Sérgio Moro defendeu que também é admissível quando está em causa “o interesse da justiça e das instituições”.

Redação

1 Comentário

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  1. Somos totalmente contra a corrupção, mas não a falsa luta contra a corrupção que tenha outros interesses e é em si corrupta porque seletiva e politizada pela direita.
    Nada contra a delação premiada, desde que ela não seja uma forma de tortura e dirigida como os vazamentos da grande imprensa em sociedade com parte pode do judiciário claramente fizeram.
    Nada contra a justiça, desde que ela não seja seletiva e seletivamente punitiva, como atestam os quase milhões de brasileiros presos sem culpa formada.
    Nada contra a virtude, desde que ela não seja falsa e arma na mão de verdadeiros bandidos de falsa moral.
    Tudo contra sergio moro.

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