Juízes contra o povo, por Jorge Folena

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Juízes contra o povo

por Jorge Folena

Segundo noticiou o El País, em 29 de julho de 2017, a Justiça argentina condenou quatro juízes federais da província de Mendoza, por acobertarem sequestros (inclusive de crianças), torturas e assassinatos ocorridos durante o regime ditatorial de 1976 a 1983. Os juízes federais foram condenados à prisão perpétua por crimes contra a humanidade.

A decisão argentina representa excelente precedente internacional, uma vez que as instituições judiciais e promotorias de justiça tiveram seus agentes anistiados, uma vez que não foram processados nem julgados por seus atos de colaboração com regimes ditatoriais.  

Regimes ditatoriais fascistas, como o português de António de Oliveira Salazar/Marcelo Caetano (1933-1974) e  o espanhol de Francisco Franco (1939-1975), ao seu término, não tiveram suas decisões do passado julgadas por meio de uma justiça de transição; o que deixou impunes diversos atos de exceção e delitos praticados contra a humanidade.

No Brasil, pouco ou quase nada foi investigado sobre a atuação dos juízes e promotores de justiça durante a ditadura civil-militar (1964-1985).

No livro Poder Judiciário e ditaduras brasileiras (ARC Editor, 2015) descrevemos como a atuação dos ministros do Supremo Tribunal Federal, entre 1.º de abril de 1964 e dezembro de 1968, foi fundamental para o endurecimento da segunda ditadura republicana brasileira, a partir de 1969.

Os juízes do Supremo Tribunal Federal, todos nomeados em governos civis anteriores a 1964, saudaram e aplaudiram a chegada da ditadura, no Plenário da Corte.

Ministros do Supremo Tribunal Federal tinham conhecimento de torturas, prisões ilegais, prisões de estrangeiros (em 1965) e colaboração com outras ditaduras (no que podemos inferir os passos iniciais da Operação Condor), além de acusações baseadas em mera “convicção”, relativas a indivíduos sob suspeita de serem denominados de comunistas, pode-se dizer que num exercício muito semelhante à teoria do “domínio do fato”, utilizada nos julgamentos do “mensalão” e da “lava jato”, pela qual foram impostas condenações a pessoas, mediante a suspeita de serem “chefes”, mas sem que tenha sido produzida uma prova sequer dos fatos delituosos a elas imputados.      

A Comissão Nacional da Verdade, instituída em 2012 pela lei 12.528/2011, teve seus holofotes direcionados basicamente sobre os militares, como se estes fossem os culpados exclusivos pelos males do regime. Em decorrência, os trabalhos da Comissão colaboraram muito pouco para esclarecer a atuação de juízes  e procuradores/promotores de justiça durante o golpe civil/militar de 1964-1985.  E, caso tivesse atuado com profundidade em relação a essas instituições, muitas arbitrariedades e abusos judiciais com que nos deparamos hoje poderiam ser evitados.

O Poder Judiciário, ao contrário do que costumam manifestar em suas sentenças os juízes do Supremo Tribunal Federal, como Celso de Melo, é muito pouco republicano, pois não existem neste Poder “igualdade e transparência”, requisitos fundamentais na República. O juízes se tratam entre si  como “órgãos” do Estado  e não como servidores do povo.

A sentença da justiça argentina, acima anunciada, chega até nós em um momento político importante e delicado, pois representa o resgate da história de agentes do Poder Judiciário que atuaram contra os interesses do seu povo e poderá servir de modelo para que se investigue a atuação de juízes e procuradores/promotores de justiça que conspiram contra seus próprios países, num traço típico de subserviência colonial.

Jorge Folena – Advogado e cientista social

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

3 Comentários

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  1. O Moro acha que é um deus, e não um juizeco de piso

    Por furar o teto salarial constitucional ao receber supersalários, o $érgio Moro pensa que é um deus, e não um juizeco de piso. Assim, ele é três em um: legisla, acusa e julga, condenando os inocentes (Lula) e absolvendo os culpados (esposa do Cunha).

  2. “Alguns juízes são

    “Alguns juízes são absolutamente incorruptíveis. Ninguém consegue induzi-los a fazer justiça.”

    Bertolt Brecht

    Excelente a abordagem do artigo. Nunca li sobre a cumplicidade da sociedade brasileira e de suas instituições ditas republicanas com a tortura. Resultado é o país que temos agora onde a injustiça e o golpismo de juizes como Moro, Gilmar e outros ordinários dos tribunais superiores são endeusados em seu desrespeito a Constituição,  parcialidade, ativismo político e corrupção.

    Outra observação é sobre as críticas que foram feitas às nomeações de Lula e Dilma para o STF. O problema não esta nos presidentes mas na insitituição Justiça que produz juizes depauperados intelectualmente e na sociedade brasileira, imprensa a frente,  que apóia e promove juizes militantes políticos.

     

  3. É filhote da ditadura!

    Inclusive, faz questão de dar uma “carteirada” (?) familiar na entrevista, citando conversa (?) com o ~vovô~, que Costa e Silva (!) colocou no STF. Certamente agora relato oral póstumo também virará fonte do direito (!)

    Ver parte final deste artigo. A família “meritocrática” do desembargador está metida no Judiciário desde o Império!!

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    Quando o juiz é o bandido: o sequestro dos cofres públicos pelo Sistema de Justiça

    Por “Dom Cesar” & Romulus

    “Jabuticaba”: doce para uns (poucos) e amarga para outros (tantos). Os números evidenciam com clareza, numa análise comparativa com outros países ocidentais, que os custos do Judiciário e do Ministério Público brasileiros são anômalos.

    Consumindo ambos, juntos, 1,62% do PIB (!) …

    (atenção: nessa conta ainda não entram nem a Polícia Federal, nem as defensorias públicas!)

    – … a “escolha” institucional-orçamentária em favor do Judiciário/ MP foi longe demais.

    – Num contexto de desequilíbrio fiscal relevante, com queda de receitas e compressão dos investimentos públicos, tão necessários num quadro de depressão econômica, isso está perdido em algum lugar entre o escândalo e o…

    – … escárnio!

    Inexiste incentivo para o Poder Judiciário/ MP controlarem as suas próprias despesas. Como resultado, há um claro descasamento entre as despesas com o Sistema de Justiça, hipertrofiado, e as demais variáveis do gasto público.

    Diante desse quadro, cabe à sociedade realizar esse trade-off.

    No Estado democrático de direito, ela o faz por meio de mandato (“procuração”) conferido aos Poderes políticos do Estado para tanto.

    (como todos sabemos, é após a iniciativa do Executivo que o Legislativo elabora e, finalmente, aprova o orçamento geral do Estado)

    Ocorre que, no presente, os Poderes políticos foram virtualmente sequestrados pelos atores do Sistema de Justiça. Seja no nível de atores individuais, seja em nível corporativo. Não só na cúpula (STF/ PGR) como também na base (e.g., Moro/ Dallagnol/ ANPR/ AJUFE).

    Arrancam seus (crescentes!) privilégios por vezes com “doçura”, por vezes com…

    – … “chibata”!

    Fãs (em demasia…) da cultura pop americana, não hesitam em adotar a tática do “good cop, bad cop” no “diálogo” (??) institucional.

    A “cenoura e o porrete”:

    – De um lado os velhos laços do compadrio oligárquico;

    e, do outro…

    – As chantagens (mais ou menos explícitas) contra a classe política…

    – … “corrupta” (!)

     

    LEIA MAIS »

    http://bit.ly/JuizBandido

     

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