Liberdade de expressão ou de exceção?, por Guilherme Scalzilli

Judiciário, MP, imprensa corporativa, governo, ninguém dá a mínima para a liberdade de expressão. A dos outros, entenda-se bem

Liberdade de exceção
Por Guilherme Scalzilli

De seu blog

Existem diversas leituras razoáveis para a crise que envolveu o STF, o Ministério Público e veículos da direita midiática. Nenhuma delas inclui a defesa ou o cerceamento da liberdade de expressão. Essa narrativa é sedutora, mas não condiz com as atitudes dos seus porta-vozes e tampouco motiva os interesses que a puseram no centro dos debates.

Se as prerrogativas constitucionais de fato importassem, seus atuais defensores teriam reagido com a mesma veemência quando a Folha de São Paulo censurou judicialmente uma página virtual que a ironizava. Ou quando certo diretor da Globo processou um blogueiro que o mencionou de maneira indireta, em contexto ficcional. Ou ainda quando a delegada federal conseguiu silenciar os questionamentos incômodos que lhe fazia um jornalista.

Os exemplos são mais numerosos e absurdos do que nosso espírito libertário seria capaz de suportar. Nos rincões interioranos, os conflitos se resolvem com ajuda policial, para não citar o fuzilamento sumário, dispensando requintes processuais. Nos grandes centros, os casos mais civilizados arruínam indivíduos econômica e profissionalmente, por litigâncias intermináveis, caríssimas, abusivas. E quase sempre vencidas pelos cerceadores.

O desrespeito à livre manifestação está em todo lugar. Na proibição a Lula de conceder entrevistas e participar da propaganda eleitoral do PT. Nos vetos a reuniões de estudantes universitários. No patrulhamento a professores e funcionários públicos. Nas exposições de arte suspensas e nos artistas presos e humilhados. Na repressão violenta a manifestantes pacíficos e até a faixas políticas em estádios de futebol.

Judiciário, Ministério Público, imprensa corporativa, governo federal, ninguém dá a mínima para a liberdade de expressão. A dos outros, entenda-se bem. Para os “nossos”, vale tudo. Especialmente se a vítima da ofensa é a deputada petista, a vereadora do PSOL assassinada, o deputado gay que sofre ameaças, o ex-presidente retratado como bandido no filme de quinta categoria. Mas ninguém se atreveria a ofender a honra de Sério Moro, “talquei”?

Exatamente porque seletiva, a defesa de direitos é um discurso calcado no pressuposto de que uma parcela da sociedade não pode ter a mesma garantia. Ou melhor, um gesto simbólico que afirma a insignificância dos prejudicados e a superioridade dos seus antagonistas. O sigilo que impede a plena defesa de Lula torna-se desnecessário para os veículos divulgarem dados sigilosos que supostamente o incriminam. O absurdo faz parte da mensagem.

O uso retórico das liberdades é tudo, menos inocente. Dos grampos ilegais das conversas de Dilma e Lula, nas vésperas do golpe, ao apelido inócuo de um ministro da corte que julgará o recurso do ex-presidente, passando pelo depoimento inválido de Antônio Palocci, em plena campanha presidencial, há sempre um nexo oportunista nas boas intenções da mídia.

Por isso, quando se escudam na defesa da livre expressão, sabemos apenas o que os ataques ao STF não pretendem. A defendida liberdade para constranger o tribunal é a apologia pura desse constrangimento. Fosse um email insinuando a amizade de Moro com advogados de réus, teríamos uma campanha pela limitação responsável do que pode vazar.

Ninguém está acima da lei, exceto quem repete essa mentira.

 

Redação

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