Licitações de escritórios de advocacia pelo Banco do Brasil chega ao TCU

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Do Consultor Jurídico

Contratação de advogados pelo Banco do Brasil vira caso de Polícia e do TCU

Por Marcos de Vasconcellos

A maior licitação para serviços jurídicos do Brasil já virou assunto de polícia e do Tribunal de Contas da União. A concorrência em questão servirá para que o Banco do Brasil contrate escritórios de advocacia para cuidar, de imediato, de mais de 230 mil processos nas áreas trabalhista, penal, administrativa, tributária e de recuperação de crédito. Candidataram-se 160 bancas interessadas. Mas com mais de 30 recursos administrativos, seis representações no TCU e até uma representação criminal, o processo está suspenso. 

O que está em jogo é uma fatia considerável da carteira de processos. Os 230 mil são a demanda imediata, mas o número tende a aumentar. O Banco do Brasil tem mais de 1 milhão de processos na Justiça, sendo que os advogados internos cuidam apenas dos estratégicos, deixando os de massa e de menor complexidade para terceirizados. Pessoas ligadas ao banco afirmam que, devido às proporções que qualquer problema nessa licitação pode tomar, as denúncias têm preocupado funcionários e advogados da companhia. 

Como sempre acontece nas concorrências mais apetitosas, os concorrentes fazem de tudo para colocar cascas de banana no caminho dos mais cotados. O principal alvo de reclamações é o escritório que ficou em primeiro lugar em 30 das 54 categorias e regiões licitadas: o Nelson Wilians e Advogados Associados, que afirma ter 46 filiais próprias em todos os estados e 1.372 advogados contratados. Com essa estrutura, entrou na concorrência e, na contagem de pontos, conseguiu ficar à frente de bancas com nomes conhecidos na área, como Fragata e Antunes Advogados e Rocha Calderon e Advogados Associados, em diferentes segmentos. O escritório, no entanto, é acusado de forjar contratações para aumentar sua pontuação.

A questão chegou à Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Defraudações, Falsificações, Falimentares e Fazendários (Dedfaz) de Mato Grosso do Sul. Lá, uma representação criminal foi feita contra o Nelson Wilians, acusando a banca de simular a contratação de advogados que nunca trabalharam nela, apenas para que estes constassem na lista de profissionais no momento da licitação.

A advogada Luciana Cecconello Branco diz ter sido uma das pretensamente contratadas. Sua entrada e saída da sociedade se deram em apenas três meses, e ela afirma que nunca trabalhou para o escritório, nem recebeu qualquer quantia dele. O período serviu, porém, para que ela constasse na lista de advogados que a banca entregou para participar da licitação. O depoimento da advogada é citado no despacho da delegada Fernanda Felix Carvalho Mendes, que determinou que a representação criminal e os outros documentos que servem à acusação fossem encaminhados à Delegacia-Geral de São Paulo, uma vez que a licitação se baseia na capital paulista. 

A delegada ressalta, no documento, que a suposta contratação de advogados apenas de maneira formal seria um “crime meio” para a finalidade maior: uma fraude à licitação. “Trata-se do Princípio da Consunção, conhecido também como Princípio da Absorção, aplicável nos casos em que há uma sucessão de condutas com existência de um nexo de dependência”, diz.

Porém, o advogado Nelson Wilians Fratoni Rodrigues, diretor do escritório, afirma que as acusações feitas contra a banca não apresentam provas. Questionado pela ConJur sobre a possível fraude na contratação de advogados, ele responde não ter conhecimento da denúncia e que a banca responderá a todos os questionamentos em quaisquer esferas. “No momento correto as medidas cabíveis serão tomadas face à inverdade e a quem lhe deu azo”, garante. 

Wilians diz também que não caberia ao Banco do Brasil fiscalizar as relações entre o escritório e seus advogados. “Seria, no mínimo, incoerente, para não dizer efetivo desvio de finalidade, se o credenciamento do BB adentrasse na esfera da autonomia privada para avalizar as contratações das sociedades de advogados, pró-labores recebidos pelos sócios etc.”, escreveu em e-mail. A resposta aponta também que o número de advogados é critério pouco significativo na contagem de pontos.

Inchaço programado
A representação criminal em Mato Grosso do Sul é citada em um dos 34 recursos administrativos movidos por escritórios participantes da licitação depois da divulgação das notas e da classificação dos concorrentes. Segundo o Banco do Brasil, foi por conta desse volume de recursos que a licitação foi suspensa no último dia 12 de maio. Oito peças questionam a colocação da banca Nelson Wilians e suas contratações.

Em recurso pedindo a redução dos pontos da banca, o escritório Natividade e Gonçalves acusa que Nelson Wilians tinha em seus quadros, à época da licitação, advogados contratados como celetistas por salários de R$ 600 e cumprindo 30 dias de trabalho a título de experiência. O salário mínimo na época da contratação, porém, diz o recurso, era de R$ 680. “Portanto, a documentação juntada pelo recorrido para efeito de pontuação no quesito referente ao numero de advogados, data vênia, configura ato simulado, o que motiva o provimento do recurso para desclassificar dito escritório e excluí-lo do quadro de credenciados”, afirma. Segundo o recurso, a manobra “falseou e prejudicou a livre concorrência, estabelecendo domínio de mercado e flagrante abuso do poder econômico, o que é vedado pela Lei 12.529/2011”.

A questão é alvo de outros escritórios. O Pereira Gionédis Advogados, por exemplo, aponta que “a grande maioria” dos advogados listados pelo Nelson Willians foi contratada em outubro e novembro de 2013, depois da divulgação do edital da licitação. O denunciante afirma ainda que, em Mato Grosso, dos 56 advogados elencados por Nelson Willians, 45 foram contratados em 8 de novembro de 2013 “apenas para inflar o número de profissionais e obter pontuação extra”. Em Brasília, todos os 35 associados apresentados foram registrados depois da divulgação do edital.

Sobre as contratações por valores abaixo do salário mínimo, Nelson Wilians não confirma, mas também não nega que o tenha feito. Diz que todos os vínculos entre a sociedade e os profissionais foram minuciosamente comprovados, em atenção às regras editalícias, bem como as condições de advogados devidamente reconhecidas pela Ordem dos Advogados do Brasil. “Não consta na legislação de regência qualquer menção à exigência de que alguns dos advogados não possam estar em período de experiência, especialmente numa sociedade desse porte, ou que o licitante não possa fazer contratações de profissionais, a tempo e modo, com a devida observância à legislação.”

No TCU
ConJur também teve acesso a uma das seis representações que chegaram ao TCU. No documento, que chegou à corte no dia 15 de maio, um engenheiro, que afirma ser acionista do Banco do Brasil, diz que a licitação “fere gravemente preceitos legais contidos na Lei 8.666/93”, a Lei de Licitações. Além disso, acusa a licitação de “esconder” o volume financeiro envolvido, que, segundo ele, pode ultrapassar R$ 1 bilhão. O valor oficial não foi divulgado pelo banco.

Segundo o recurso, as exigências feitas pelo banco para que os escritórios pudessem concorrer reduzem o caráter de competitividade do certame, violando os princípios da igualdade e da competitividade. Ao exigir atestados de capacidade técnico-operacional, segundo ele, o banco restringe o acesso de novos agentes ao mercado de contratações públicas. Assim, “quem não detém experiência/qualificação nunca a terá, porque [está] absolutamente impedido de obtê-la”.

A representação cita o Acórdão 423/2007 do próprio TCU como jurisprudência favorável ao seu entendimento. A decisão diz que exigir que as empresas licitantes e/ou contratadas apresentem declaração de que possuem plenas condições técnicas para executar os serviços e que estão autorizadas a comercializar os produtos e serviços “restringe o caráter competitivo do certame licitatório e contraria os artigos 3º; 1º, inciso I; e 30 da Lei 8.666/1993”.

Além de pedir que sejam excluídos do edital os itens que, segundo o autor, “determinam reserva de mercado”, a representação também se volta contra a participação do escritório Nelson Wilians. O acionista pede que a banca seja afastada do processo porque o Banco do Brasil não fez as diligências prévias, previstas no edital, para comprovar a fidedignidade das informações prestadas pelos concorrentes. Assim, o banco não teria constatado se o quadro de advogados apresentado era real e se as bancas têm a estrutura técnica que anunciaram.

Ele cita o caso na delegacia de Mato Grosso do Sul e diz que, ao não fazer fiscalização in loco dos escritórios, o banco fere o princípio da moralidade. Isso porque não se verificou se o Nelson Wilians simulou contratos de advogados apenas para atingir o objetivo de vencer.

No mercado, comenta-se que um escritório sem a estrutura necessária poderá causar graves prejuízos ao banco. Nas bancas que atualmente fazem a defesa do Banco do Brasil, fala-se em investimentos de cerca de R$ 1 milhão em tecnologia, programas de compliance e em pessoal para dar conta da parcela de processos já licitada, muito menor que a que está em jogo agora.

Questionado sobre a possível concentração dos processos do Banco do Brasil nas mãos o escritório — à frente em 55,5% das áreas licitadas —, o advogado Nelson Wilians afirma que, pela natureza do serviço contratado, não há relação de exclusão, ou seja, o serviço não será prestado com exclusividade por um ou por outro, mas por todos de acordo com o ranking de pontuação. “O Banco do Brasil deverá credenciar e contratar com o máximo possível de sociedades, conforme prevê o edital, sendo no mínimo duas bancas por estado, podendo chegar até oito simultaneamente em São Paulo”, aponta.

Ele diz estar preparado para o aumento da demanda, no caso de manter sua posição no processo. E afirma que o número de ações que chegará ao escritório por meio do Banco do Brasil sequer dobrará a atual demanda que já tem — 160 mil ações. Segundo o advogado, a banca tem condições para atuar nacionalmente pelo banco, “como será comprovado oportunamente aos interessados que quiserem conhecer nossa forma de gerir grandes carteiras”.

Precauções do Banco
Em resposta à lista de 12 perguntas feitas pela ConJur, o Banco do Brasil enviou uma declaração pontual, via assessoria de imprensa, afirmando que, “por intermédio da Comissão de Licitação, está conduzindo o processo licitatório de acordo com os trâmites e previsões legais, o que representa avaliar e julgar todos os recursos apresentados, e vai apresentar a decisão fundamentada para cada um deles, nos prazos próprios previstos no processo licitatório”. 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

7 Comentários

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  1. Claro que há sacanagem, não

    Claro que há sacanagem, não há escritorio brasileiro com 1.372 advogados, os cinco maiores tem entre 400 e 600 cada um, o truque deve ter sido somar escritorios que funcionam como correspondentes, esperteza bem chulepa.

    Eu que sou advogado há quase 50 anos nunca ouvi falar desse escritorio e olha que conheço por dentro os 20 maiores.

    1. Está chegando a hora de

      Está chegando a hora de alguém colocar ordem na advocacia, que já virou negócio, e agora está virando bagunça. Eu já tinha ouvido falar, e não era por causa da sua grande quantidade de advogados formados na USP, PUC e Mackenzie. Uns 4 anos atrás eu já tinha pesquisado esse nome por causa de alguma polêmica parecida. Ficava claro que funcionava na estrutura de coligados, em que advogados independentes vão ao forum consultar processos dos outros, espalhados em vários estados.

      Mas como é que se faz uma licitação dessas, é que é espantoso. E como se aceita que coligados sejam convertidos em associados assim, de repente, sem qualquer exigência? O sujeito ganha a licitação, e no dia seguinte por tornar todo mundo em coligado novamente? A tributação dos associados é feita como distribuição de lucros? Como é que um escritório ganha uma licitação em 30 áreas do banco mais importante para a formulação de políticas públicas, sem que se veja qualquer trabalho acadêmico consistente, alguma série de artigos que seja adotado por outras instiituições, ou sem que haja qualquer publicação de referência – e que não seja aquela groselha jurídica originada de departamentos de marketing – pelos seus associados?

  2. “O Banco do Brasil tem mais

    “O Banco do Brasil tem mais de 1 milhão de processos na Justiça”:

    Brasileiro acha normal pra um banco que carrega o nome de um pais ter um milhao de processos?!?!?!

  3. Concurso

    A única solução óbvia e legal para o caso seria a realização de concurso público para suprir essas vagas.

    Mas justamente os operadores do direito são os primeiros a tentarem de todos os modos desvirtuarem a lei. Este caso, mesmo é um escândalo.

    O que impede o BB de realizar concurso para suprir estas vagas?

    Tem caroço nesse angu.

  4. Existe um tal de BACEN, que

    Existe um tal de BACEN, que fiscalizaria a atuação do BB. Alguém, já parou pra pensar no volume de ilegalidades praticadas pelo BB, para justificar esta magnitude de Ações? É porque grande parte desses processos podem ter sido provocados por “ïmperícia” do BB entre outras…

    1. Contêncioso oficial

      Chuto por  baixo, o contêncioso oficial, é responsável pelo menos por uns 50% do custo Brasil e a inviabilidade de uma significativa parcela de negócios que são legais, lucrativos e bem vindos em muitos países.

      A Dilma e o PT nunca olharam para isto com cuidado. Cabe ao governo federal encampar uma luta para diminuir este contêncioso e dar uma solução para os casos pendentes.

      Verdadeiras corporações dentro de orgãos públicos, autarquias e empresa mistas operam atualmente, de forma oculta e ilegal, mas de amplo conhecimento dos operadores de direito, o caso da refinaria da Petrobras em Pasadena é emblemático do mal serviço prestado por bancas contratadas, onde prejuízos astronômicos são impingidos ao povo e à nação.

      O ministério da justiça deveria ter uma secretaria especial para cuidar destes casos, avocando os mais cabeludos para que deste fio se puxasse a meada.

      Acorda, Dilma!

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