Limite do foro privilegiado pode aumentar perseguição política pelo poder judiciário

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Com poucas possibilidades de aprovação, Comissão criada por Rodrigo Maia é vista como sinal ao STF / Agência Brasil

Com poucas possibilidades de aprovação, Comissão criada por Rodrigo Maia é vista como sinal ao STF - Créditos: Agência Brasil

do Brasil de Fato

Limite do foro privilegiado pode aumentar perseguição política pelo poder judiciário

Alterações dificilmente ocorrem este ano por conta da intervenção federal no Rio de Janeiro

Rafael Tatemoto – Brasil de Fato | Brasília (DF)

A disputa ideológica sobre o futuro do foro privilegiado esconde um grave risco de aumento das acusações com fins políticos e pressão sobre o judiciário por setores de maior poder econômico e midiático, por exemplo.

De acordo com o advogado Rafael Serra, coordenador do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), o termo empregado popularmente nas discussões sobre a limitação do foro privilegiado como ferramenta para o combate à corrupção não é técnico, e que a discussão sobre o tema se dá mais “com o coração do que com a cabeça”.

“Foro privilegiado não é um nome técnico. É mais um uso de palavras para transmitir uma mensagem. Se for alguém com foro no STF, a pessoa não tem direito a nenhum recurso, como foi no caso do Mensalão. É preciso entender o que se critica no foro por prerrogativa de função. É a desconfiança em relação aos magistrados? Se uma pessoa vai ser julgada pelo STF e se pensa que o Supremo vai dar uma decisão mais favorável por influência política, então a crítica não deve ser ao foro, mas diretamente ao Supremo”, diz.

Gustavo Badaró, professor de Direito Processual Penal da Universidade de São Paulo, lembra que a questão dos recursos ganha ainda mais importância com a possibilidade de prisão em segunda instância com o fim do foro privilegiado. 

“No sentido de garantias processuais, ele não é exatamente um privilégio na medida em que se perde o duplo grau de jurisdição em matéria fática.  Ainda mais com a posição atual sobre a presunção de inocência, quando alguém é processado em Tribunal, mesmo que possa tentar um recurso, já terá que fazê-lo preso”, explica.

Badaró defende que o foro por prerrogativa, no Brasil, é “amplo demais”, cobrindo cargos que não necessitariam de tal medida, mas entende que o instituto é necessário em alguns casos e representa uma “dupla garantia”: “Para o acusado, pois há certas pessoas que, por conta de suas funções, estão mais sujeitas a acusações infundadas. Acusar um senador, um deputado, ainda que no final não fique provado, tem repercussões políticas. Mas é também um garantia para o Judiciário. Vimos casos recentes em que ministros do STF, que exercem o mais alto posto e com garantias reforçadas, foram alvo de pressões. Nós temos que imaginar que as pressões são muito mais intensas quando aplicadas a um juiz de primeiro grau”. 

Em outras palavras, o foro por prerrogativa garantiria menos acusações judiciais com fins políticos e, ao mesmo tempo, o grau necessário de independência da Justiça. Badaró lembra que um dos principais problemas do funcionamento do foro é o vai-e-vem processual: ao perder, mudar, ou ganhar um cargo diferente, muda também o responsável pelo julgamento. Para ele, entretanto, esse não é um problema que exija o fim da medida.

“Este problema – que uns chamam de elevador, outros de gangorra – não é um problema inerente ao foro por prerrogativa, mas à forma como vinha se interpretando o foro. Para se evitar esse efeito, poderia ser estabelecido que quando a pessoa comete o crime, tendo o foro por prerrogativa, o processo começa no Tribunal e irá terminar lá, independentemente da pessoa deixar o cargo ou mudar de cargo”, finaliza. 

Comissão

A Câmara dos Deputados instituiu nesta quarta-feira (9) uma Comissão Especial destinada a debater a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que restringe o chamado ‘foro privilegiado’. A medida já foi aprovada no Senado. O presidente e o relator serão Diego Garcia (Podemos-PR) e Efraim Filho (DEM-BA), respectivamente. 

Enquanto durar a intervenção federal no Rio de Janeiro, entretanto, qualquer alteração no texto constitucional é impossível. A criação da Comissão, determinada pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é vista como uma sinalização ao Supremo Tribunal Federal (STF), que recentemente restringiu a aplicação do foro por prerrogativa de função para os cargos de deputado e senador. 

A PEC limita o foro por prerrogativa às presidências da República, do STF, e das casas legislativas, bem como ao vice-presidente do país. Em relação à decisão do Supremo, portanto, vários outros cargos perderiam o foro. 

Efraim Filho chamou o instituto do foro de “arcaico e obsoleto”, responsável por transmitir a “impressão de impunidade”.

A Comissão Especial tem o prazo de 40 sessões para debater a questão e encerrar os trabalhos. Alguns partidos, porém, sequer indicaram integrantes para compor o colegiado. 

Edição: Diego Sartorato

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. Paralela a essa discussão

    Paralela a essa discussão haveria outra: transformar o Supremo Tribunal Federal em Corte Constitucional, ou seja, restringindo sua jurisdição ao exame de demandas que exigam interpretação da Carta Magna, transformando o STJ em última instância. 

    Se há pressões junto às instâncias colegiadas e de cúpula, fácil imaginar, como sublinha o texto, como seria nos Juízos singulares espalhados Brasil afora. Principalmente nos rincões onde ainda prevalece uma coronelato, merce de mitigado pela evolução da práxis política e da própria consciência política da sociedade.

  2. O problema é a província. Lá
    O problema é a província. Lá com muita frequência o judicia tem relação de parentesco ou de afinidade social com os clãs políticos. São todos primos entre si em 1o ou 2o grau ou então “compadres”, padrinhos de casamento,de batismo e por aí vai. Caso classico do Maranhão dos Ribamar Sarney.

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