Meio jurídico custa a entender importância das cotas, por Zé Paulo Caires

Do Justificando

Meio jurídico custa a entender importância das cotas

Zé Paulo Caires

A aplicação da Lei 12.990/14, que determina a reserva de 20% das vagas em concursos públicos para negros e pardos durante 10 anos, sofreu essa semana seu primeiro revés judicial em sentença proferida pelo juiz Adriano Mesquita Dantas, da 8ª Vara do Trabalho da Paraíba.

Em ação movida por um aprovado em concurso do Banco do Brasil e não convocado para assumir o cargo em razão da nomeação de cotistas, o juiz considerou que a política de cotas para os concursos públicos afrontaria a Constituição Federal no que se refere ao tratamento isonômico e igualitário com que deve o Estado tratar os cidadãos.

Para o magistrado, “o provimento de cargos e empregos públicos mediante concurso não representa política pública para promoção da igualdade, inclusão social ou mesmo distribuição de renda. Além disso, a reserva de cotas para suprir eventual dificuldade dos negros na aprovação em concurso público é medida inadequada, já que a origem do problema é a educação. É fundamental o recrutamento dos mais capacitados, independentemente de origem, raça, sexo, cor, idade, religião, orientação sexual ou política, entre outras características pessoais.”

Como é de praxe em temas polêmicos, reportagens comentando a decisão já ganharam os grandes portais e são assunto nas redes sociais. Tornou-se munição para os que nunca aceitaram as políticas de cotas, seja nas universidades, seja no serviço público. As frases da sentença serão reproduzidas em discussões de família e mesa de bar, como irrefutável demonstração de que ainda se faz justiça neste país. Por certo que muitos adicionarão o ex-ministro Joaquim Barbosa como exemplo de negro que venceu na vida sem ajuda de nenhuma política afirmativa.

O problema de sentenças assim, estritamente apegadas à literal e formal interpretação dos dispositivos constitucionais, é que desconsideram a realidade do povo negro no Brasil. Sim, realidade. Não é preciso nem se apegar ao contexto histórico, já que, para muitos dos críticos das cotas, não há racismo no Brasil e dívida histórica é uma falácia. Falemos de realidade. Estudos promovidos pelo IPEA com base em dados de 2012, no esteio das discussões legislativas sobre a Lei 12.990, demonstram que o homem negro com mais de 12 anos de estudo chega a ganhar apenas 60% do que ganha um homem branco de mesma escolaridade. Para a mulher negra, a discrepância é ainda maior: a remuneração fica no patamar de 40% do homem branco.

Em que se pesem os critérios pretensamente objetivos e impessoais dos processos seletivos para ingresso na carreira pública, o acesso do povo negro no serviço público ainda se dá majoritariamente em carreiras que exigem menor instrução e oferecem, portanto, menor rendimento. Em carreiras de nível federal, em que os níveis de carreira e remuneração são mais diferenciados, os negros são apenas 40% do efetivo. Na diplomacia, 6%. Na Auditoria da Receita Federal, 12,3%. Na Advocacia Geral da União, 15%.

Os dados mostram o que muitos preferem não acreditar: embora a escolaridade da população negra venha aumentando nos últimos anos, o acesso às carreiras mais prestigiadas e bem remuneradas continua muito defasado. Como bem colocado pelo Ministro Lewandowski, em seu voto na ADPF n. 186 em que se discutia a política de cotas da UnB, “critérios ditos objetivos de seleção, empregados de forma linear em sociedades tradicionalmente marcadas por desigualdades interpessoais profundas, como é a nossa, acabam por consolidar ou, até mesmo, acirrar as distorções existentes.”

De tudo que se discute sobre as desigualdades social e racial do Brasil, pouca importância se dá às repercussões no mundo do trabalho, como se o mercado realmente fosse capaz de se autorregular. Há políticas sociais que são criticadas por serem supostamente assistencialistas. Para muitos críticos, a melhor solução seria ensinar a pescar, ao invés de dar o peixe. Não é preciso fazer muito esforço hermenêutico para demonstrar que o que se pretende através das políticas de cotas nas universidades e no serviço público é exatamente isso: deixar que a população negra deste país também pesque. Resta saber se os críticos das cotas estão realmente dispostos a dividir as varas de pescar. A superação das desigualdades social e racial no Brasil só dará com o fim de alguns privilégios de que nós, brancos, sempre desfrutamos. E o acesso à educação e às carreiras públicas é um deles.

Zé Paulo Caires é Bacharel em Direito pela UNESP – Franca/SP e Pós-graduando em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela USP – Ribeirão Preto/SP.
Redação

6 Comentários

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  1. Jurista de

    antanho, costumava dizer que o princípio da isonomia consiste “no tratamento desigual aos desiguais na medida em que eles se desigualam” para, ao fim e ao cabo, todos “serem iguais”!

  2. Sim e Não

          Concordo que hoje o quadro é este, mas se vc já tem contas nas Universidades Publicas, que são as melhores formadores de profissionais, daqui a pouco tempo teremos bons profissionais cotistas sem a necessidade de cotas nos concursos.

       Sinceramente não faz o menor sentido as cotas nos concursos:

    “De tudo que se discute sobre as desigualdades social e racial do Brasil “

    Então disponibilizando uma ou duas vagas teremos menor desigualdade? Se na verdade as classes mais pobres não tem acesso a educação, como concorreram nos melhores cargos, pois se concorre certamente não vem de classes mais pobres.

    Para passar em um concurso de Procurador, qual a formação? Para Fiscal de Renda? Para Desembargador?

    Não é mais obvio que o Caminho é a educação, principalmente a Ensino superior de 2012?

    E qual a justificativa para não incluir outros discriminados? PCE? Mulheres?  

    Inifelizmente, essa medidas só criará uma elite Negra, não muito diferente da Elite Branca, que lutará como a atual para manter tudo como está.

     

  3. Nada de novo nesta mentalidade.

    Sempre a mesma desculpa, o tál do mérito. Os dois candidatos podem ter tido uma diferença de nota igual a 0.0003, mas claro que vai alegar mérito.  Posso entender  o pedido do candidato, pois ele vive o momento e não pode compreender que até o seu 0.0003 pode ter sido  devido a um julgamento subjetivo, destes que a polícia tem sempre sobre um suspeito. Mas vamos supor que não tenha havido este julgamento subjetivo.  Que tal voce imaginar que na década de 60, os pais deste candidato devem ter se deparado com uma célebre frase : “Aceitamos apenas candidatos de boa aparência” .  Esta frase me parece que era uma certa lei de cotas para brancos. Muitas injustiças devem ter sido cometidas devido a esta frase, e com certeza o candidato  não tem uma ligação direta e pessoal com isto ( eu espero)  mas eu sinto muito injustiças do passado exigem reparação e acho que uma sociedde civilizada deve pagar suas dívidas.. 

  4. Não entendem
    Porque se fingem de analfabetos funcionais para analisar a norma como se fosse uma norma burocrática qualquer.
    O famoso me engana que eu gosto OU como fingir ser analfabeto funcional para poder agir ideologicamente sem problemas.

  5. O Sistema de Cotas, o “Ter” e o “Ser”
    1. Proponho que TODAS as vagas nas universidades sejam alocadas com seres humanos capazes e habilitados a preencher as vagas, concluir os cursos e tornarem o país mais competitivo e produtivo, sem distinção de qualquer espécie quanto à raça, cor etc., e que não exista seleção por meio de cotas, logicamente, respeitando os que pensam diferente. 2. A politização e a ideologização de acesso ao ensino, seja pela cor, condição social ou opção religiosa, por meio do sistema de cotas, é “perigosa arma que pode matar a riqueza trazida pela diversidade ideológica”, em seus vários aspectos da vida e da formação humana, nas universidades, quando se ABRE MÃO do acesso universal à universidade e de ensino de qualidade, em todas as fases de formação do aluno, e se deixa, no fundo, de privilegiar o mérito, dando cada vez mais ênfase ao pertencimento à esta ou àquela classe social ou à esta ou àquela opção religiosa, para acesso à universidade ou para acesso a outros direitos constitucionais como concursos públicos, por exemplo. 3. O sectarismo de pensamento, na hora de definir critérios de seleção para acesso à universidade, por exemplo, pode gerar selecionados sectários, o que também pode gerar  formação sectaria de uns poucos contra a grande maioria, na medida em que o tempo passa. 4. O Brasil, por causa da tendência do abuso no uso do sistema de cotas, pode gerar, como conseqüência, ensino sectário, formando “NAZISTAS SOCIAIS”, buscando apurar a “RAÇA ARIANA”, criando critérios cada vez mais específicos e excludentes, para fazer prevalecer pensamento único contra os “JUDEUS” que não ascenderam ao poder, por meio de cotas universitárias, manipuladas ao bem prazer dos “HITLER” de plantão, seja “de direita”, “do centro” ou “de esquerda”. 5. O sistema de ensino não deve ser utilizado para dar diplomas a quem não tem condições de te-lo, por que esse é o desejo de um partido ou de parlamentares que buscam fazer política e populismo educacional, de qualquer forma e a qualquer preço para o país, propondo leis que beneficiem, apenas e tão somente, uma pequena parcela do eleitorado, que os deputados buscam tornar eleitores cativos, não agindo mais para beneficiar a maioria, mas, apenas, a minoria que pode eleger o parlamentar e manter o seu partido “de direita”, “do centro” ou “de esquerda”, no poder, criando graves distorções na gestão e condução do Brasil, para gerar eleitores e votos, cativos, para si mesmos. 6. Trata-se de invasão, INDEVIDA, da política e da politicagem, no sistema educacional, o que é INCONSTITUCIONAL e inaceitável. 7. Com esse agir sectário, como consequência de processos sectários originários, que tem na sua base, apenas, interesses políticos e partidários, que podem ser de “esquerda”, “do centro” ou de “direita”, busca, apenas, cooptar, formar e dominar o “homem universitário eleitor”, o que deve ser corrigido pela sociedade, no devido tempo, antes que seja tarde demais, uma vez que essa sistemática universitária politizada não forma homens de verdade e cidadãos de verdade, para liberta-los das amarras que o impedem de realizar sua própria essência, em toda a sua plenitude, por meio do acesso ao ensino universal, para que da educação e formação de qualidade resultem homens críticos, cidadãos, sabedores que a melhor doutrina social não é a de esquerda, a de direita e/ou a de centro, mas a que busca ensinar a cada um a trabalhar arduamente para reduzir o ego individual que deseja submeter os demais às suas doutrinas dominadoras, quaisquer que sejam elas, para criar consciência coletiva, fraterna, no âmbito individual, onde se ensine ao homem a busca do domínio de si mesmo, para que cada um coloque, por si mesmo, freio nas suas más tendências, em benefício da coletividade. 8. O egoísmo humano é poderoso e está em todos os lugares. 8.1 Na base dos conceitos econômicos está o egoísmo humano, por meio do ensino da economia da escassez, para gerar bens escassos e raros e lucro para uns poucos. 9. A economia da escassez, baseada no egoísmo humano, ensinada nas universidades de economia do mundo inteiro, é incompatível com uma população que dobra a cada 40 anos, pois bens escassoz e raros em 2000, para uma população mundial de 6 bilhões de habitantes, não serão suficientes, em 2040, para atender 12 bilhões de habitantes, e tão pouco serão suficientes em 2080, para atender a uma população de 24 bilhões de seres humanos. 9.1 Disse Stephen Hawking, na página 158, do seu livro “O Universo Numa Casca de Noz”, 5 edição, Editora Aex, 2002, ISBN 85-7581-013-8: “Nos últimos 200 anos, o crescimento populacional tornou-se exponencial; ou seja, a população cresceu a uma mesma porcentagem a cada ano. Atualmente, a taxa é de cerca de 1,9 por cento ao ano. Isso pode parecer pouco, mas significa que a população mundial dobra a cada 40 anos (Fig. 6.2). 9.2 As universidades deveriam passar a ensinar a “Economia da Abundância”, baseada na ciência planetária, universal, gratuita, para gerar bem estar material a todos os habitantes do planeta terra, focada em desenvolver, no homem, o “Ser” e não, apenas, o “Ter”, ao invés de continuarmos com o ensino, em geral, formando homens cada vez mais egoístas e egocêntricos, por meio do sistema educacional em geral e que, depois vão gerir empresas, cidades, Estados, países e blocos econômicos com foco no interesse particular próprio e/ou de uma pequena classe dominante, gerando o caos que assistimos no Brasil e no resto do mundo. 10. As reformas para mudar o Brasil começam na escola, na educação, mas antes deve-se mudar a mentalidade de quem cria leis e políticas públicas, na sociedade, que criam a realidade que nos cerca e, certamente, não é criando cotas para acesso às universidades e aos concursos públicos, sem educação de qualidade, na vida dos alunos, em todas as etapas da sua formação, fatores responsáveis por todos os tipos de dificuldades, posteriores, que o cidadão com formação deficiente passa a apresentar, que mudanças, significativas, estruturantes e desenvolvedores do homem e, por via de consequência, da economia, vão ocorrer, no Brasil e no mundo.

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