“Não está proibido fazer política só porque está preso”, diz Dirceu

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Preparado para ser novamente preso a qualquer momento, Dirceu traz revelações sobre o cotidiano na prisão da Lava Jato, o convívio com figuras como Eduardo Cunha, qual é o objetivo dos investigadores, o aumento da consciência popular com o enfraquecimento da TV Globo, como não se render à depressão e como continuar com estudos e projeto político dentro das grades
 
 
Jornal GGN – Em entrevista especial à Monica Bergamo, o ex-ministro José Dirceu mostrou já admitir que poderá passar o resto de sua vida na cadeia, fez uma análise política do Brasil com o ex-presidente Lula preso, significando a divisão do partido, suicídio político e tentativa de derruba do projeto de governo, e disse que é possível continuar a fazer política dentro das grades da prisão.
 
Nesta quinta-feira (19), o ex-ministro teve seus recursos negados pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), podendo ser novamente preso a qualquer momento, por ordem que deve ocorrer proximamente pelo juiz Sérgio Moro. “É uma hipótese” ser preso e não sair nunca mais, disse à Monica Bergamo, de forma calculada, como psicologicamente preparado para o fim.
 
A jornalista descreveu que Dirceu estava com os olhos inchados por uma operação que fez em suas pálpebras, com o objetivo de enfrentar a pouca luz da prisão e seguir seu hábite de leitura. “Como a minha vida é o PT e o projeto que o Lula lidera, eu tenho que me preparar para continuar fazendo política. Eu não posso me render ao fato de que vou ser preso”, decretou.
 
Isso porque o regime fechado é de sete anos, mas em caso de progressão penal. Como os bens do ex-ministro estão bloqueados pela Justiça e o indulto foi proibido para os chamados crimes de colarinho branco, ele não tem como pagar o dano que a Justiça sustena que ele causou. “Vamos cumprir a pena toda”.
 
SUPERAÇÃO NA CADEIA
 
A depressão não está em seus planos nas horas que poderá ficar entre quatro paredes. “Preso ou aqui fora, vou fazer tudo o que eu fazia: ler, estudar e fazer política.Eu tenho que cumprir a pena. Eu não posso brigar com a cadeia. O preso que briga com a cadeia cai em depressão, começa a tomar remédio”, disse.
 
Apesar de perder a liberdade, Dirceu diz que muitas coisas ele não perde dentro da cela, como a “liberdade de criar, de pensar, e também não perde o afeto, o amor”. “Milhões de pessoas vivem numa condição subumana por causa da pobreza, da exploração. E criam, né? Fazem música, arte, criam os filhos, batalham”, comparou.
 
Sobre a condição de outros presos, aqueles que se entregam, Dirceu descreve que metade é depressão, metade é o consumo de crack que domina. Para fugir disso, decidiu ler 100 livros no tempo de 1 ano e 9 meses que ficou lá. 
 
Mas parte da descrição que Dirceu fez sobre a sua superação para conseguir aguentar o encarceramento foi a convivência com outros presos, a conversa, mesmo com os condenados a 100 anos por crimes como a pedofilia. “A primeira reação é “não vou falar nunca com ele”. Depois de três anos, minha cara, não adianta. Tem que falar. Lá tá todo mundo na mesma m., entendeu? Há uma solidariedade.”
 
E descreveu, detalhado o cotidiano da prisão dos condenados da Lava Jato em Curitiba: “No dia a dia, levantamos às 6h30. Os carros chegam entregando o café da manhã. São muito barulhentos. Todo mundo acorda. Aí sai da cela. Quem tem que trabalhar vai trabalhar. Às 11h30, chega o almoço. Tudo lá é simples, mas honesto. A comida é simples —de pensão, de quartel—, mas honesta. A roupa de cama é simples, mas honesta. Às 13h30, alguns presos vão ao médico, outros ao parlatório [falar com os advogados]. Todos podem ir na biblioteca retirar um livro.”
 
“Desce no pátio duas horas por dia para jogar futebol e tomar sol. E volta. Desce uma vez por semana para ver a família. E volta. Por três, quatro, dez anos, você passa a maior parte do tempo numa galeria de 120 m por 30 m com várias celas. Essa é a realidade do preso”, continua. Cenário diferente do ex-presidente Lula, que não tem contato com ninguém.
 
LULA
 
Sobre o cenário de Lula, Dirceu disse que o ex-presidente terá que se adaptar às condições e “transformar elas em uma arma para você”. Entretanto, alertou: “raramente um ser humano suporta ficar um ano num banheiro e quarto vendo três vezes por dia alguém trazer comida para ele”.
 
Entre as revelações do ex-ministro, alertou que Lula poderá ter um destino ainda pior: “Surgiu a ideia de o Lula ir para um quartel. Seria pior ainda. Porque eles não querem ninguém lá. A função do quartel não é ser presídio. Ele vai ficar mais isolado”, alarmou.
 
Afirmou que a prisão do ex-presidente não mexeu com ele, mostrando que suas emoções ficaram blindadas após passar três vezes pela prisão, ainda que lembrando que fez da sua vida “praticamente o Lula”. Deu uma sugestão ao ex-presidente: “você tem que lutar por todos os meios, legais e políticos, para ser solto. Mas sempre tenho a ideia de que, se souber levar a prisão, ela pode se transformar numa melhora para você mesmo. De estudo, de pesquisa, de reflexão.”
 
O risco da prisão do ex-presidente é maior do que o encarceramento do personagem político, enfatizou. “O legado do Lula, o nascente estado de bem-estar social que ele consolidou, está sendo todo desmontado. Estão desfazendo a era Lula como quiseram desfazer a era Getúlio”.
 
“Nós temos que lutar pela liberdade dele, mantê-lo como candidato e registrá-lo em agosto. Se não fizermos isso, será um haraquiri politico. Nós dividiremos o PT em quatro ou cinco facções. Nós temos que manter o partido unido. Daqui a 60 dias, o Lula vai tomar a decisão do que fazer, consultando a executiva, os deputados”, Bergamo questionou, então, se é possível fazer isso dentro da cadeia. “Da prisão você consulta quem quiser. Lula vai transferir de 14% a 18% de votos para o candidato que ele apoiar”.
 
FUTURO DO BRASIL
 
Para confrontar os desmontes hoje deflagrados no país pela direita, Dirceu aposta em força política, novos movimentos e consciência da população. “Você não desmonta a estrutura de bem-estar social que o país tem sem consequências. As forças políticas e sociais vão ganhando consciência. Vão surgindo novas lideranças, novos movimentos. O país vai ter um longo ciclo de lutas. Mas primeiro é ganhar a eleição”, disse.
 
No passado, as armas eram outras: “A tentativa de derrubar o nosso governo eu sempre imaginei. Toda vez que no Brasil há um crescimento muito grande das forças políticas sociais, populares, de esquerda, nacionalistas, progressistas, democráticas, isso acontece. De 1946 a 1964, o Brasil viveu sob expectativas de golpe contra governos trabalhistas, getulistas. O Juscelino [Kubitschek] só tomou posse porque o [marechal Henrique Teixeira] Lott deu o contragolpe. Só teve a posse do Jango porque [Leonel] Brizola se levantou em armas. Aliás, só derrotamos tentativas de golpe quando a gente tem armas. Estou falando sério.”
 
MODUS LAVA JATO
 
Entre as táticas políticas realizadas pelo modus operandi da Operação Lava Jato, Dirceu narrou o caso da esposa do marqueteiro João Santana, que sofreu tortura psicológica. “O que fizeram com a Mônica [Moura], mulher dele, foi terror psicológico. Colocaram ela na triagem de Piraquara, uma das piores penitenciárias do Paraná, totalmente dominada pelo crime. Colocar na triagem significa o seguinte: te colocam numa cela pequena, sem luz, sem nada. Te dão a comida pela bocuda. Sai para tomar banho dez minutos e volta. Em dois dias você faz delação, né?”.
 
“[João Santana] falou para mim depois, um pouco como desabafo, angustiado: ‘Não tenho condição’. Preocupado, né? Porque as pessoas têm vergonha de fazer delação. Eu falei: ‘João Santana, da minha parte você vai continuar tendo o meu respeito. Essa é uma questão de vocês’. Já os empresários têm as razões deles [para fechar delação]: salvar a empresa, o patrimônio, os empregos.”
 
TV GLOBO
 
Em dois momentos o ex-ministro mencionou o poderio do grupo Globo, a influência do meio em campanhas eleitorais, eleições e também do cenário hoje de derrota.
 
Ao narrar uma conversa com Antonio Palocci, disse que o ex-ministro mencionou que iria “relatar, em depoimento, como era o caixa dois no Brasil”. “Deu a entender que ia falar do sistema bancário, eu entendi que ia falar da TV Globo”, disse. Mas o grupo não esteve em sua delação.
 
Concluindo a entrevista, Dirceu disse que hoje o cenário é diferente para a rede de televisão e os meios para a transferência de votos e disputas eleitorais. “Sabe qual é a diferença de 2014? É que o lado de lá tem a TV Globo, o aparato judicial militar e o poder econômico. Mas está mais desorganizado e enfraquecido do que nós. Eu tenho confiança de que o fio da história do Brasil não é o fio das forças da direita. O fio da história do Brasil é o fio que nós representamos”.
 
 
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

12 Comentários

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  1. Dirceu o artífice.

    Dirceu é o artífice dos governos populares de 2002 a 2016. Por isto recebeu condenação de prisão perpétua dos golpistas. Vida longa a Dirceu e vergonha para golpistas.

  2. Fatos
    Dirceu foi um dos formuladores do PT como um partido da ordem,talvez o principal. Qual ordem? A resultante da abertura “lenta, gradual e segura” do regime militar. A confirmar isso, sua resposta ao ser indagado se o governo pretendia instituir um sistema público de comunicação:”já temos;é a globo”. Coerente com essa visão, foi a pífia reação do PT ao julgamento de exceção da AP 470. Ordem vigente. São os fatos. Não discuto subjetividades.

  3. Reportagem tendenciosa e

    Reportagem tendenciosa e maldosa, como tudo que é produzido pela Folha de São Paulo. José Dirceu é um sonhador que foi traído pelos seus aliados e entregue aos inimigos. Seria ele o sucessor de Lula e os fascistas sabiam disso, Uma vez eleito, José Dirceu teria a coragem que Lula não teve em enfrentar os podersos, desmontar o império das comunicações da Rede Globo, submeter os bancos privados a regras mais severas e insitituir um programa de distriuição de renda mais equânime, com a taxação das grandes fortunas. Um Herói Brasileiro que será reconhecido pela História.

  4. José Dirceu não é apenas um

    José Dirceu não é apenas um gigante.

    Ele é um exemplo.

    Daqui a 200 anos ele será lembrado pelos historiadores.

    Os nomes dos inimigos de José Dirceu no Judiciário só não serão esquecidos por causa dele.

  5. O Zé Dirceu, o Genuino, o

    O Zé Dirceu, o Genuino, o Lula e o Vacari. Sem esquecer a Mariele. Estes indivíduos, entre outros da mesma cepa, são seres humanos que, com suas histórias de vida, comprovam a evolução da espécie. E naturalmente, fazem contra-ponto aos tantos vermes com aparência humanóide, que andam a nos rodear, em busca permanente de hospedeiros para extorquir, explorar.

    Orlando

  6. Estamos vivendo o ocaso da

    Estamos vivendo o ocaso da política brasileira.E o renascimento.

    J.D, F.H.C. LULA, RENAN,SARNEY,LOBÃO, ”SOCIÓLOGOS ” DO PSDB E DO PT e muitos e muitos e muitos outros passaram dos 70 anos, irão desaparecer do mapa.

              Pro bem do país.

              Uma nova geração se avizinha.

             Foquemos nela, e esqueçamos essas múmias ambulantes.

           


    1. Em 89 muitos pensaram como vce votaram no Collor, qual o novo Collor vc sugere ?
      Política não é um jogo sobre moralidades, é sobre força política, sobre composição, esse maneira de olhar política moralmente é para os incautos, a lei da ficha limpa é um exemplo, a moralidade criou a lei e esta lei funciona para uns e não funciona para outros, quem detém força política dentro do judiciário não é enquadrado; e a moralidade ?
      A moralidade é também uma força política e neste caso essa força política que é usada pela direita para enclausurar a esquerda é aplaudida pela esquerda !

  7. Lula está na solitária

    Lula vai cumprir os doze anos de prisão, na solitária. O lado bom, é que nenhum colega de cela poderá matá-lo.

    Quando na solitária, a melhor atitude é meditar, profundamente. A meditação, mantém a sanidade, e faz os anos as décadas, passarem como horas. A meditação, proporciona paz interior.

     

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